“Está acontecendo muita coisa. Eu não sei se você sabe, mas literalmente há uma ilha flutuante de lixo no meio do oceano agora. Acho que se chama Porto Rico“, disse o comediante Tony Hinchcliffe, entre outras piadas racistas, no comício de campanha de Donald Trump no Madison Square Garden, no último domingo (27).
Talvez não seja possível mensurar, a poucos dias da votação, o efeito da frase racista entre os eleitores de origem latina nos EUA. O fato de que o assunto da independência da ilha, de sua soberania e de seus direitos políticos voltaram a ser um tema, porém, pode levar a novos desdobramentos que mudem, em algum momento, o status do território —hoje é estado livre associado, mas seus cidadãos não podem votar para presidente nem ter representantes com voz no Congresso. Há anos existe um movimento separatista na ilha.
Celebridades, intelectuais e artistas de origem latina saíram a defender os habitantes de Porto Rico, como a cantora Jennifer Lopez, americana de pais porto-riquenhos. “Puerto Rico esta en mi, carajo”, disse em ato em apoio a Kamala Harris. Ricky Martin foi mais direto: “Sempre pensaram assim de nós”.
À coluna, de seu exílio em Paris, o escritor porto-riquenho Hector Feliciano, que é a favor da independência total do território, afirma que a reação à truculência da piada do comediante pode ser um ponto de virada. Tanto para os eleitores latinos em geral, que podem acordar para o fato de que é assim que os norte-americanos se referem a eles, quanto para os porto-riquenhos.
“Somos cidadãos de segunda categoria, não votamos para presidente, não temos voz, e estão há mais de 120 anos apagando nossa cultura local, nosso idioma, nossa identidade. Eu sempre estive ao lado da independência e não me conformo em abrir mão só para ter um documento que me dá direitos distintos dos demais americanos”, diz Feliciano.
Uma das razões que entusiasma independentistas como Feliciano é o fato de que estão praticamente empatados os candidatos a governador do estado associado. Um deles é pró-independência, o outro é contra.
Porto Rico pertenceu à Coroa Espanhola desde a chegada de Cristóvão Colombo às Américas, em 1492. Foram quase quatro séculos de influência do idioma espanhol, das artes, da religião e das metrópoles. Em 1917, o Congresso dos EUA aprovou a Lei Jones, transformando o território em um estado da União, de Constituição própria, mas sujeito às decisões do Executivo e do Congresso em Washington.
Hoje, a diáspora porto-riquenha dentro dos EUA é maior que a da população das próprias ilhas. E estes, nascidos e estabelecidos no continente, têm sim o direito a voto. Portanto, sim, há a possibilidade de que o tiro do comediante Hinchcliffe possa ter saído pela culatra, causando real perda de votos para Donald Trump.
Existem 36 milhões de eleitores latinos nos EUA, segundo o Pew Research Center. Em Estados como Flórida, Carolina do Norte, Geórgia e Pensilvânia, os porto-riquenhos são o segundo subgrupo latino com mais importância para influenciar o resultado das urnas.
Independentistas como Feliciano veem não só a possibilidade de ajudar a derrotar a candidatura de Trump, como a de reabrir negociações e plebiscitos que, segundo ele, ocorreram de modo irregular para manter Porto Rico como parte dos EUA.
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