Para a COP29, cúpula da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre mudanças climáticas, o governo do Azerbaijão tem se preparado intensamente no seu papel de anfitrião, reformando fachadas de prédios, treinando voluntários e adaptando um estádio para dezenas de milhares de delegados.
A nação rica em energia na região das montanhas do Cáucaso se envolveu em atividades mais sinistras também: prendeu dezenas de ativistas e jornalistas em uma campanha de repressão descrita por especialistas como a mais agressiva do país em anos.
A onda de prisões, que começou no ano passado, surpreendeu alguns observadores que esperavam que o governante autoritário do Azerbaijão, o presidente Ilham Aliyev, sentisse pressão internacional para projetar uma imagem de abertura política antes da cúpula, convocada pelas Nações Unidas. Em vez disso, monitores de direitos humanos e analistas políticos dizem que Aliyev parece determinado a acabar com os últimos vestígios da sociedade civil independente e da imprensa livre em seu país.
“Não vemos uma repressão como essa no país há muito tempo”, disse Stefan Meister, que estuda o Azerbaijão e outras partes da antiga União Soviética para o Conselho Alemão de Relações Exteriores.
Algumas das prisões, segundo ele, parecem ser um esforço para “eliminar tudo o que possa levar a críticas em torno da COP”, como é conhecida a reunião sobre mudanças climáticas, oficialmente a Conferência das Partes.
Os detidos incluem pelo menos 12 jornalistas de três proeminentes veículos de imprensa independentes, dizem grupos de defesa dos direitos humanos. Também foram presos ativistas conhecidos como Anar Mammadli, detido semanas depois de cofundar em fevereiro um grupo chamado Iniciativa pela Justiça Climática, que tinha como objetivo usar a cúpula do clima para pressionar o governo a melhorar os direitos humanos e reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.
Aliyev rejeitou as críticas internacionais às prisões como uma “campanha difamatória” destinada a desviar a atenção de “nossa nobre missão de lidar com os impactos negativos das mudanças climáticas”. As autoridades citaram supostos crimes financeiros e violações do rígido código do Azerbaijão para organizações não governamentais como razões para as prisões.
“Ser jornalista e ser representante da sociedade civil não significa que alguém deva estar acima da lei”, disse o conselheiro de política externa de Aliyev, Hikmet Hajiyev, em uma entrevista por telefone. “Todas as ações tomadas são realizadas dentro da lei.”
Grupos internacionais de direitos humanos consideram que as prisões têm motivação política e que as acusações são infundadas. Em um relatório feito no mês passado sobre as prisões, a Human Rights Watch instou os países que participam da reunião climática em Baku, a capital do país, a “falarem de forma veemente” sobre “o ambiente cada vez pior para a sociedade civil”.
Mas a resposta internacional tem sido contida. No Cáucaso, a região montanhosa onde a Europa e a Ásia se encontram, Aliyev emergiu como um líder após 21 anos de governo. Com armamento moderno financiado por receitas de petróleo e gás, seu exército derrotou a vizinha Armênia em 2020 e novamente no ano passado, em um conflito de longa data.
Ao mesmo tempo, as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio elevaram o Azerbaijão a um parceiro-chave para o Ocidente. A União Europeia vê o Azerbaijão como uma alternativa à Rússia como fonte de combustíveis fósseis e prometeu, após a invasão da Rússia à Ucrânia, dobrar as importações de gás natural do Azerbaijão até 2027.
O Azerbaijão também é um parceiro-chave para Israel, importando armamentos israelenses e vendendo petróleo para Israel.
O Secretário de Estado Antony J. Blinken falou com Aliyev pelo menos cinco vezes este ano, de acordo com o Departamento de Estado, elogiando “um número crescente de iniciativas de parceria” entre os Estados Unidos e o Azerbaijão.
Um diplomata europeu sênior, em anonimato, disse que a recente repressão de Aliyev decorre de um cálculo de que, na visão do Azerbaijão, o Ocidente “precisa mais de nós do que nós precisamos deles”.
“Temos nosso próprio papel a contribuir para a segurança energética da União Europeia”, disse Hajiyev, conselheiro do presidente do Azerbaijão. Ele condenou “a politização das questões de direitos humanos”, descrevendo-as como tentativas “de encurralar o Azerbaijão“.
Destacando suas opções geopolíticas, Aliyev sinalizou uma relação cada vez mais próxima com a Rússia sem endossar a invasão da Ucrânia pelo presidente Vladimir V. Putin. Putin fez uma visita de dois dias ao Azerbaijão em agosto, e o chefe de inteligência estrangeira da Rússia, Sergei Naryshkin, fez uma visita no mês passado.
Anunciando a viagem de Naryshkin, sua agência de espionagem disse que o Azerbaijão era um aliado na luta contra os serviços de inteligência ocidentais que tentam minar “a estabilidade política interna em nossos estados”.
Na semana passada, Aliyev viajou para Kazan, na Rússia, para o principal evento geopolítico do ano de Putin: a cúpula dos Brics, que reuniu um clube em expansão de países não ocidentais, incluindo Brasil, Índia, China e África do Sul.
Aliyev “não precisa temer uma reação dura do Ocidente”, disse Rauf Mirgadirov, analista político azeri que vive no exílio na Suíça. “Desde que ele não esteja totalmente sob a influência da Rússia, o Ocidente estará em diálogo com ele.”
A conferência climática da ONU, agendada para 11 a 22 de novembro e com dezenas de líderes mundiais presentes, provavelmente aumentará ainda mais a estatura global de Aliyev. Ele disse que a reunião deste ano terá o slogan “Em Solidariedade por um Mundo Verde” —mesmo que a reunião esteja sendo realizada em uma autocracia rica em combustíveis fósseis, como foi o caso em Dubai no ano passado.
O comitê organizador da conferência, disse em um discurso aos delegados no mês passado, “envolve mulheres, parlamentares e representantes da sociedade civil”.
Mas a Abzas Media, organização de notícias independente conhecida por investigar a corrupção entre os funcionários do governo, estará entre os meios de comunicação do Azerbaijão que lutam para cobrir a conferência. Seis de seus jornalistas, incluindo seus principais editores, foram presos desde novembro passado.
Leyla Mustafayeva, jornalista azeri que agora dirige a Abzas Media do exílio em Berlim, disse em uma entrevista que a cúpula “é um desastre para nós”, porque desvia atenção dos abusos aos direitos humanos no Azerbaijão.
“Este evento vai encobrir completamente todos esses problemas”, disse aMustafayeva.
A conferência ocorrerá enquanto Aliyev, 62 anos, consolida sua dominação dentro de seu país de cerca de 10 milhões de pessoas. Abandonando décadas de esforços de mediação envolvendo tanto a Rússia quanto o Ocidente, Aliyev usou seu exército modernizado para esmagar as forças armênias em uma guerra de 44 dias em 2020 e novamente em uma operação relâmpago no ano passado.
As vitórias recapturaram o enclave montanhoso de Nagorno-Karabakh e áreas circundantes, que por mais de 20 anos existiram como um enclave étnico armênio dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas do Azerbaijão. Dezenas de milhares de armênios que habitavam a região foram forçados a fugir.
No Azerbaijão, onde cerca de 10% da população foram deslocados da mesma área pela vitória da Armênia em uma guerra entre os países na década de 1990, as vitórias aumentaram a popularidade de Aliyev.
Armênia e Azerbaijão estão agora negociando um acordo de paz e possíveis ligações de transporte através da Armênia em direção à Turquia. As negociações poderiam redesenhar o mapa entre o mar Negro e o mar Cáspio de uma maneira que, dependendo do resultado, poderia reduzir a influência da Rússia e do Irã na região, ao mesmo tempo que aumentaria a influência da Turquia, um aliado da Otan.
Como resultado de seu papel fundamental nos conflitos geopolíticos do Ocidente, Aliyev não espera que qualquer crítica ocidental aos abusos dos direitos humanos no Azerbaijão leve a consequências reais, disse Meister, analista em Berlim.
“Aliyev tem uma boa posição de negociação em todas as direções”, disse. “Esses regimes percebem imediatamente quando as ameaças não são realmente levadas a sério —então eles vão um passo além.”