Ao longo de mais de um ano, enquanto conversava com homens negros e organizadores de votação, percebi um descontentamento com o Partido Democrata por parte de alguns homens negros, mas não tinha certeza do que fazer com isso ou até que ponto esse sentimento se estendia.
Além do meu trabalho de reportagem, pesquisas sugerem uma erosão do apoio democrata entre homens negros, embora eu permanecesse um tanto cético.
Mas quando uma campanha na eleição dos Estados Unidos desdobra uma estratégia de reta final para alcançar e manter um grupo específico de eleitores, como a de Kamala Harris claramente fez com os homens negros, significa que algo levantou uma preocupação muito real.
Mesmo com 70% de apoio dos homens negros a Kamala, segundo pesquisa do New York Times/Siena College, o apoio a democratas diminuiu em relação a ciclos passados, o que é preocupante em uma corrida acirrada.
Barack Obama saiu para enviar uma mensagem severa. Kamala lançou uma “agenda de oportunidades para homens negros” e concedeu entrevistas a figuras da mídia negra masculina, indicando preocupação de sua equipe com o eleitorado masculino negro nos últimos dias de campanha.
Obama atribuiu parte da possível queda de apoio a Kamala, em comparação com o apoio a ele durante suas corridas presidenciais, à ideia de que alguns homens negros “simplesmente não estão aceitando a ideia de ter uma mulher como presidente”.
Esse tipo de misoginia —ou misogynoir, a forma particular de misoginia enfrentada por mulheres negras— sem dúvida faz parte do problema, mas não é tudo.
O patriarcado é complexo e exerce forte influência em várias áreas, afetando homens negros de maneiras sutis. Diferentes manifestações patriarcais impactam esses eleitores em termos de política e percepção.
Há defensores do movimento negro que são contra o aborto porque querem mais bebês negros. Eles veem essa população crescendo mais lentamente do que outros grupos minoritários.
Embora pesquisas mostrem que quase três quartos dos negros apoiam o aborto legal, um relatório de junho do Pew Research Center descobriu que metade dos homens e mulheres negros dizem acreditar que o governo promove a interrupção da gravidez e o controle de natalidade para suprimir essa população. Quase dois terços dos jovens homens negros tinham ouvido falar dessa teoria.
Há os puristas de gênero negros e homofóbicos que concordam com o ponto de vista republicano de que os democratas “não sabem a diferença entre um homem e uma mulher”.
Parte da população negra se opõe à imigração, preocupada que recursos governamentais sejam direcionados a migrantes recém-chegados em vez de comunidades locais. Entre eles, trabalhadores que não se ofenderam com a afirmação de Donald Trump sobre imigrantes ocupando “empregos de negros”, pois veem a chegada de mais pessoas do exterior como uma ameaça ao mercado de trabalho.
E então considere os homens negros que são contra a intervenção estrangeira, grupo que se poderia chamar de “Primeiro a América Negra”, que não conseguem conciliar o gasto de bilhões de dólares em impostos no Oriente Médio e na Ucrânia enquanto as comunidades negras nos Estados Unidos lutam com o subinvestimento de longa data.
Quando se trata da guerra entre Israel e o Hamas, há aqueles que veem a experiênc ia negra americana como conectada a todas as formas de opressão global, que consideram o crescente número de mortes na Faixa de Gaza inadmissível. Não é que eles acreditem que Trump teria uma melhor política para o Oriente Médio; é que eles estão magoados com o que veem como uma traição pela administração de Joe Biden e Kamala Harris.
Mas como os homens negros não apoiariam uma mulher negra? Ou, de forma mais perturbadora, mesmo com reservas sobre Kamala, como poderiam apoiar Trump? Logo ele que anos atrás teve que assinar um acordo com o Departamento de Justiça para que sua empresa não discriminasse possíveis inquilinos minoritários e que tem um histórico de declarações e ações racistas, desde sua promoção do movimento birtherismo [teoria da conspiração que questiona a nacionalidade de Obama] até seu banimento de muçulmanos.
Por muito tempo, o antirracismo e políticas de segurança social compassivas eram a cola que mantinha quase todos os eleitores negros juntos com os democratas, mas o patriarcado fala aos homens de uma maneira particular, e mais homens negros podem simplesmente estar se afastando nessa direção.
Para alguns homens negros, as palavras e ações de Trump podem não ser a barreira que um dia poderiam ter sido ou que liberais como eu pensam que deveriam ser.
A desilusão com o processo político afasta homens negros jovens da participação cívica, resultando em autossilenciamento e potencial autodestruição. A abstenção é vista como resistência a um sistema ilusório, mas a frustração com a política é uma questão histórica para a população negra.
Como James Baldwin escreveu em seu ensaio “Jornada a Atlanta”: “Essa indiferença fatalista é algo que enlouquece o otimista liberal americano.”
Isso também me enlouquece, mas há uma mudança entre uma parte dos homens negros que temo que ninguém tenha sido capaz de deter.
Há um sentimento de que o liberalismo em geral, e o Partido Democrata em particular, se afastou do partidos dos capacetes de segurança para o partido dos espaços seguros, que foi feminizado, e que a bravata de Trump e o sexismo desenfreado, por mais tóxicos que sejam, são pelo menos formas de masculinidade.
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