Celso Amorim pisou no freio. Após meses de sinalizações de que o Brasil finalmente entraria para a Iniciativa de Cinturão e Rota (ou Nova Rota da Seda), o assessor especial da Presidência voltou de Pequim dizendo que queria negociar sinergias entre os projetos prioritários do governo e a iniciativa chinesa. Brasília não estava interessada em assinar um “tratado de adesão”, completou.
Dias depois, disse ao blog O Cafezinho que tinha sido mal interpretado, mas fato é que o governo recebia havia semanas conselhos do Itamaraty para que a decisão fosse adiada até o resultado das eleições americanas. Por lá, argumentavam que a adesão brasileira à iniciativa e uma vitória de Donald Trump poderiam complicar o trânsito diplomático com os americanos.
Não sei se a decisão é por adiar ou de fato não integrar a iniciativa. Também não sei se ela foi motivada por um temor pela vitória de Trump na próxima terça-feira (5). Mas acredito que a mera menção à preocupação é um sintoma do quão vagos ambos os principais candidatos nos Estados Unidos foram sobre a China ao longo da campanha, deixando parceiros, aliados e até os próprios correligionários confusos sobre o que esperar nesse sentido no ano que vem —e isso inclui não só o republicano, mas também Kamala Harris.
De Trump se espera tudo, mas, depois de quatro anos na Casa Branca, é possível prever com algum grau de certeza como ele lidará com Pequim. Trump gosta de afagos ao ego. Pensa de forma transacional e frequentemente expressa respeito por homens fortes e autocratas mundo afora (em um comício no domingo, por exemplo, chamou Xi Jinping de um “cara brilhante” e em tom elogioso disse que ele “controla 1,4 bilhão de pessoas com um punho de ferro”).
Trump provavelmente não entraria em confronto aberto contra a liderança chinesa, mas deixou claro que vai aplicar tarifas sem precedentes contra exportações de lá. O plano é tão pouco viável que a maioria dos economistas, incluindo alguns próximos da campanha, admitem que não deve se concretizar da forma como prometido. Isso viria acompanhado de pressão sobre outros aliados em substituir importações por alternativas americanas? Ele se incomodaria com quem é muito próximo dos chineses? Ninguém sabe.
Kamala, por sua vez, mantém mistério sobre quais serão suas prioridades se eleita. Ela tem uma carreira extensa como procuradora e experiência com questões domésticas. Tem pouca (ou nenhuma) experiência em política externa, e seu plano de governo é um copia-e-cola tão descarado do apresentado por Joe Biden que em vários momentos o documento fazia menção ao presidente americano, não a ela. Sinal de que nem tocou na proposta e só substituiu os nomes.
Ao longo da campanha, ela destacou que vai garantir que os EUA permaneçam tendo as forças militares “mais letais do mundo”. Atestou que trabalhará para “ganhar a competição contra a China”, mas quando é indagada sobre Taiwan e o que faria em caso de uma invasão, por exemplo, disse que “não vai discutir assuntos hipotéticos”. Mais vago, impossível.
É esperado que Pequim esteja ciente dos desafios vindouros independente do vencedor, mas parceiros dos EUA também seguirão no limbo no curto prazo. Ganhe quem ganhar, vai todo mundo tatear no escuro em busca de respostas ao longo de 2025 —e ajustar políticas externas com o trem em movimento.
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