Em uma eleição à Presidência dos Estados Unidos na qual os sete estados decisivos registram pesquisas com um ou dois pontos percentuais de diferença entre os candidatos, a única previsão responsável é a de 50-50. É mais ou menos nessa direção que o meu modelo tem apontado desde o debate entre Kamala Harris e Donald Trump, ocorrido em setembro.
Ainda assim, quando eu transmito essa informação insatisfatória, inevitavelmente recebo uma pergunta: “Vamos lá, Nate, o que diz a sua intuição?”.
Ok, eu vou contar: minha intuição diz Donald Trump. E meu palpite é que democratas ansiosos achem o mesmo.
Mas eu não acho que vocês deveriam dar valor à intuição de alguém —incluindo a minha. Em vez disso, vocês deveriam se resignar ao fato de que uma previsão de 50-50 realmente significa 50-50. E vocês deveriam estar abertos à possibilidade de que essas previsões estejam erradas, e isso pode ser o caso tanto na direção de Trump quanto na de Kamala.
Não é que eu seja inerentemente contra a intuição. No pôquer, por exemplo, ela desempenha um grande papel. A maioria dos jogadores experientes com quem eu conversei ao longo dos anos diz que ela te dá algo a mais. Você nunca tem certeza, mas sua intuição pode inclinar as probabilidades para 60-40 a seu favor ao perceber padrões de quando um competidor está blefando.
Mas os jogadores de pôquer baseiam esse algo a mais em milhares de partidas de experiência. Há eleições presidenciais apenas a cada quatro anos. Ao responder per guntas sobre quem ganhará, a maioria das pessoas menciona Trump devido ao “viés de recência”, que descreve a tendência de dar mais peso aos eventos recentes. O republicano ganhou em 2016, quando não era esperado, e quase venceu a disputa em 2020, apesar de estar bem atrás nas pesquisas.
Mas podemos não nos lembrar de 2012, quando Barack Obama não apenas ganhou, mas superou as projeções das pesquisas. É extremamente difícil prever a direção dos erros nas pesquisas.
Por que Trump poderia superar suas pesquisas
As pessoas cuja intuição diz que Trump vai ganhar frequentemente invocam a noção de “eleitores acanhados” do republicano. A teoria, decorrente do termo “Tories acanhados” para a tendência das pesquisas britânicas de subestimar o Partido Conservador, defende que os eleitores não querem admitir que votam em partidos conservadores devido ao estigma social associado a eles.
Mas não há muitas evidências para a teoria dos eleitores acanhados —nem houve qualquer tendência persistente em eleições ao redor do mundo para partidos de direita superarem as projeções das pesquisas. Exemplo: o partido Reunião Nacional, de Marine Le Pen, ficou aquém das projeções nas eleições legislativas francesas. Há até um certo esnobismo na teoria. Muitas pessoas têm orgulho de admitir seu apoio a Trump e o estigma por votar nele nunca foi tão baixo.
Em vez disso, o problema consiste no que os especialistas chamam de “viés de não resposta”. Não é que os eleitores de Trump estejam mentindo para os pesquisadores; é que, em 2016 e 2020, os pesquisadores não estavam ouvindo eleitores suficientes desse grupo.
O viés de não resposta pode ser um problema difícil de resolver. As taxas de resposta até mesmo para as melhores pesquisas telefônicas não passam de um dígito —e em certo sentido, as pessoas que escolhem responder às pesquisas são incomuns.
Os apoiadores de Trump frequentemente têm menor engajamento cívico e confiança social, então podem estar menos inclinados a completar uma pesquisa de uma organização de notícias. Os pesquisadores estão tentando corrigir esse problema com técnicas de manipulação de dados cada vez mais agressivas, como ponderação por nível educacional (eleitores com ensino superior são mais propensos a responder a pesquisas) ou até mesmo em função de como as pessoas dizem que votaram no passado. Não há garantia de que qualquer uma dessas técnicas funcione.
Se Trump superar as projeções das pesquisas, haverá pelo menos um sinal claro disso: os democratas não terão mais uma vantagem consistente em relação à identificação partidária —aproximadamente o mesmo número de pessoas terá passado a se identificar como republicano.
Há também o fato de que Kamala está concorrendo para se tornar a primeira presidente mulher e a segunda pessoa negra a assumir o cargo. O chamado efeito Bradley —em homenagem ao ex-prefeito de Los Angeles Tom Bradley, que teve um desempenho inferior às projeções nas pesquisas durante a corrida ao governo da Califórnia em 1982 em razão de uma suposta tendência dos eleitores de dizerem que estão indecisos em vez de admitir que não votarão em um candidato negro— não foi um problema para Obama em 2008 ou 2012.
Ainda assim, na única vez em que outra mulher foi indicada por seu partido, os eleitores indecisos optaram por seu adversário. Portanto, talvez Kamala deva ter algumas preocupações sobre um “efeito Hillary [Clinton]”.
Por que Kamala poderia superar as projeções das pesquisas
Uma surpresa sobre as pesquisas terem subestimado o desempenho de Kamala não é necessariamente menos provável do que em relação a Trump. Em média, a margem de erro das pesquisas é de três a quatro pontos. Se Kamala conquistar essa diferença, ela vencerá com a maior margem tanto no voto popular quanto no Colégio Eleitoral desde a vitória de Obama em 2008.
Como isso poderia acontecer? Poderia ser por algo como o que aconteceu no Reino Unido em 2017, relacionado à teoria dos “Tories acanhados”. Esperava-se uma vitória esmagadora dos conservadores, mas a eleição resultou na perda da maioria desse grupo político. Houve muita discordância entre os pesquisadores, e alguns acertaram o resultado. Mas outros cometeram o erro de não confiar em seus dados, fazendo ajustes específicos após anos preocupados com os “Tories acanhados”.
As pesquisas estão se tornando cada vez mais como minimodelos, com os pesquisadores diante de muitos pontos de decisão sobre como traduzir dados brutos não representativos em representações precisas do eleitorado. Se os pesquisadores estiverem apavorados com a possibilidade projetar o desempenho de Trump para baixo novamente, eles podem, consciente ou inconscientemente, fazer suposições que o favoreçam
Por exemplo, as novas técnicas que os pesquisadores estão aplicando podem ser exageradas. Um problema com o uso de uma delas — “ponderação sobre voto passado”, ou tentar projetar intenções em função da maneira na qual os eleitores disseram ter feito suas escolhas na última eleição— é que as pessoas frequentemente não se lembram ou declaram incorretamente em quem votaram. Também são mais propensas a dizer que votaram no vencedor.
Isso poderia enviesar as pesquisas contra Kamala porque pessoas que dizem que votaram em Biden e na verdade votaram em Trump serão marcadas como novos eleitores democratas quando não são.
Há também um caso plausível de que os erros nas pesquisas de 2020 foram em parte devido às restrições da Covid: os democratas eram mais propensos a ficar em casa e, portanto, tinham mais tempo livre para atender chamadas telefônicas. Se os pesquisadores estiverem corrigindo o que foi um evento único em um século, eles podem estar exagerando desta vez.
Por último, há o desempenho consistentemente forte dos democratas nos últimos dois anos —desde que a Suprema Corte derrubou Roe v. Wade— em eleições especiais, referendos e nas eleições de meio de mandato de 2022.
Os democratas não devem depositar suas esperanças apenas nisso: pesquisas de alta qualidade como as do New York Times/Siena College podem replicar esses resultados mostrando democratas com forte desempenho entre os eleitores mais motivados que comparecem nessas eleições de baixa participação — mas Trump compensando isso ao vencer a maioria dos eleitores marginais. Portanto, os democratas podem estar torcendo por uma participação mais baixa. Se esses eleitores marginais não comparecerem, a Kamala poderia ter um desempenho melhor; se eles comparecerem, Trump poderia.
Ou talvez os pesquisadores estejam se agrupando em direção a um consenso falso. Aqui está outra descoberta contraintuitiva: é surpreendentemente provável que a eleição não seja decidida por uma margem estreita.
Com médias de pesquisas tão próximas, mesmo um pequeno erro sistemático nas pesquisas, como o que a indústria experimentou em 2016 ou 2020, poderia produzir uma vitória confortável no Colégio Eleitoral para Kamala ou Trump. De acordo com meu modelo, há cerca de 60% de chance de que um candidato varra pelo menos seis dos sete estados decisivos.
As empresas de pesquisa são criticadas nas redes sociais sempre que publicam um resultado considerado um “outlier” (ponto atípico) —então a maioria delas não o faz. Em vez disso, se agrupam em direção a um consenso e correspondem ao que as médias das pesquisas (e os instintos das pessoas) mostram. As pesquisas do Times/Siena são uma das poucas exceções regulares, e elas retratam um eleitorado muito diferente de outros, com Trump fazendo ganhos significativos com eleitores negros e hispânicos, mas ficando atrás nos estados do muro azul de Michigan, Wisconsin e Pensilvânia.
Não se surpreendam se acontecer uma vitória relativamente decisiva para um dos candidatos —ou se houver mudanças maiores em relação a 2020 do que as intuições da maioria das pessoas poderiam prever.