Relação Brasil-China faz 50 anos de olho em visita de Xi – 10/08/2024 – Mundo – EERBONUS
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Relação Brasil-China faz 50 anos de olho em visita de Xi – 10/08/2024 – Mundo

Na próxima quinta-feira (15), completam-se 50 anos do estabelecimento das relações diplomáticas Brasil-China. Não haverá festa em Pequim. A liderança do Partido Comunista estará em seu tradicional retiro de verão no balneário de Beidaihe, perto da capital.

Nesta semana, porém, a nova vice-ministra das Relações Exteriores chinesa, Hua Chunying, que trata de América Latina, viajou ao Brasil. Prepara a visita de Estado do líder Xi Jinping em novembro, em negociação com a secretária-geral do Itamaraty, Maria Laura da Rocha, e o secretário do órgão para a Ásia e o Pacífico, Eduardo Paes Saboia, inclusive com previsão de novos acordos.

Hua e Maria Laura almoçaram juntas em Pequim há dois meses, dias após a diplomata chinesa assumir o cargo.

A visita de Estado será, na prática, a comemoração do cinquentenário. Estão previstos para a próxima quinta um seminário em Brasília e uma confraternização em Xangai. Depois, em setembro, haverá um concerto de violonistas em Pequim e, em outubro, um show do músico e ex-ministro Gilberto Gil em Xangai. Mas a expectativa, tanto do lado chinês como do brasileiro, é quanto ao que será assinado em novembro.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que demonstrou resistência à entrada do Brasil na Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês) em sua própria visita a Pequim há um ano, passou a admitir a possibilidade de aderir ao programa chinês para a infraestrutura no último mês.

Questionado sobre o tema pela agência estatal chinesa Xinhua em entrevista a jornalistas estrangeiros em julho, afirmou que o Brasil quer antes de tudo “saber em que posição vai jogar” e se vai ser “titular” no grupo.

Respondendo à metáfora futebolística, a porta-voz Mao Ning comentou em Pequim que “a China dá as boas-vindas para o Brasil se unir à Cinturão e Rota o mais rápido possível” e aguarda “com expectativa as [suas] jogadas”. Lula tem dito que quer uma nova parceria estratégica, indo além da exportação de commodities e partindo para “ciência e tecnologia, produção de chips e software”.

Procurado pela Folha, seu assessor especial para a política externa, Celso Amorim, projeta uma “cooperação forte em tecnologia” em temas como inteligência artificial e transmissão energética, inclusive em um ou mais projetos “de impacto”.

Questionado sobre a possibilidade de construção de uma ferrovia até o porto de Chancay, no Peru, com apoio chinês, iniciativa defendida por integrantes do governo brasileiro, diz que “pode ter alguma coisa de infraestrutura, mas isso é o mais simples”.

Amorim diz que a BRI enfrenta uma certa resistência burocrática no Brasil, mas que o principal é negociar o “recheio” para o país em caso de entrada no programa chinês. Cita como um potencial projeto de impacto “as baterias de carros elétricos serem produzidas aqui”.

Amorim, 82, foi assessor do chanceler responsável pelo estabelecimento das relações com a China, Azeredo da Silveira (1917-1990), no início de sua carreira diplomática. Chegou logo após a decisão, uma das primeiras de Silveira e do general-presidente Ernesto Geisel. “Foi o primeiro sinal de que o Brasil teria uma política independente”, diz Amorim, que foi chanceler sob Itamar Franco e Lula e ocupou outras posições de destaque nas últimas cinco décadas.

A independência estabelecida naquela época se estende até hoje, com eventuais solavancos. Ministro das Relações Exteriores de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Felipe Lampreia (1941-2016) seguiu o legado de Silveira. Foi seu porta-voz nos anos 1970 e, de tão próximo, via a si mesmo como um filho dele.

Segundo o pesquisador Matias Spektor, que organizou a obra “Azeredo da Silveira: Um Depoimento” (Editora FGV, 2014), o chanceler de Geisel até 1979 “operou uma das transformações mais profundas no comportamento internacional do Brasil”. Citando chanceleres, embaixadores e assessores influenciados por ele, escreve que “Silveira deixou marcas profundas no Brasil contemporâneo”.

O próprio Silveira diz no livro que “o reconhecimento da China foi a prova da maturidade do Brasil em matéria de política externa” —em parte porque ocorreu anos antes de os Estados Unidos oficializarem laços diplomáticos com Pequim, em 1979. “Isso deu ao Brasil um volume internacional extraordinário na Europa Ocidental, na África e na Ásia. O Brasil passou a ser o país universal porque não tinha medo de reconhecer a China”, diz o ex-chanceler.

A negociação foi em Brasília, com o vice-ministro da Economia e Comércio Exterior (hoje apenas Comércio), Chen Jie, enviado por Pequim, e incluiu paralelamente um primeiro “compromisso comercial” entre os países.

Na sequência, lista Amorim, vieram ações como o reconhecimento da independência de Angola (1975) e a saída de um acordo militar com os EUA (1977). “Isso veio dos próprios militares, porque os americanos passaram a condicionar o financiamento anual à questão dos direitos humanos, já no governo Jimmy Carter”, diz. “O Silveira tinha essa capacidade de transformar as situações mais difíceis.”

O livro-depoimento mostra que o chanceler de Geisel priorizava o político sobre o comercial e, no caso da China, precisou vencer resistências das pastas econômicas.

“É difícil à beça explicar aqui que qualquer gesto é político do ponto de vista internacional, tudo aqui é reduzido a uma dimensão de comércio”, conta Silveira na obra. “Tive que dar grande ingrediente econômico porque conheço meu país. Isso é a maior besteira do mundo. O econômico vai vir.”

Veio aos poucos, em outros governos, com a ação de diplomatas como Marcos Azambuja, 88, que chefiou em 1980 a primeira Comissão Mista Brasil-China, em missão a Pequim.

“O Silveira é a pessoa que quebra aquele modelo de um Brasil inteiramente limitado”, diz ele. “Com seu pragmatismo responsável, abriu caminho para um Brasil sócio natural de todos os projetos, quer dizer, sem inibições ideológicas. Foi uma pessoa de imensa importância para o país.”

A expressão “pragmatismo responsável” foi historicamente associada a Azeredo, mas ele a creditava a Geisel, que a usou na primeira reunião ministerial. “Eu nunca a usaria. Batizaria um pouco diferente. De qualquer modo, expressava bem o que se queria dizer em relação à orientação que a política externa brasileira tomaria a partir de então.”

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