Gangue da Venezuela agrava crise de violência no Chile – 17/06/2024 – Mundo – EERBONUS
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Gangue da Venezuela agrava crise de violência no Chile – 17/06/2024 – Mundo

O grandioso edifício Portal Fernández Concha já foi um hotel elegante no centro de Santiago. Agora, a propriedade do século 19 na capital do Chile se tornou símbolo de uma onda de crimes impulsionada por gangues no país —um dos mais seguros e desenvolvidos da América Latina.

À medida que a facção Tren de Aragua, da Venezuela, aumentou sua influência no país nos últimos cinco anos, quartos alugados no prédio foram supostamente transformados pela organização criminosa em uma base para uma rede de tráfico sexual.

A polícia disse ter desmantelado a operação no ano passado. Mas em uma tarde recente, mulheres jovens ainda eram vistas abordando homens que passavam na praça em frente ao hotel.

“No auge, havia 1.500 pessoas entrando todos os dias”, disse um segurança do prédio. “Eu via brigas de faca do lado de fora na maioria das semanas. Nunca tinha testemunhado nada parecido.”

Especialistas dizem que o Chile se tornou alvo de grupos do crime organizado depois da pandemia, quando eles passaram a adotar modelos de negócios menos ligados aos seus territórios de origem. Nele, células das facções em diferentes países atuam de maneira autônoma ao mesmo tempo em que se comunicam com sua base e assumem trabalhos por contrato.

O Tren de Aragua, formado em uma prisão venezuelana em 2014, tem sido um dos grupos que mais teve êxito dentro desse modelo. Em certa medida, por causa do êxodo de cerca de 7,7 milhões de refugiados da crise econômica em seu país, que expandiu o número de pessoas pobres, desempregadas e vulneráveis à exploração.

Enquanto Peru, Equador e Colômbia também relataram a presença de células do Tren de Aragua, a falta de concorrência de outros grupos criminosos e a relativa riqueza do Chile tornaram o país um alvo especialmente interessante.

“O Tren de Aragua e outros grupos estrangeiros viram uma grande oportunidade de negócios no fluxo de pessoas vulneráveis em direção ao país”, diz Ignacio Castillo, diretor de crime organizado do Ministério Público do Chile. “Eles mudaram fundamentalmente a natureza do crime no Chile.”

A taxa de homicídios na nação foi de 4,5 por 100 mil habitantes em 2023, quase o dobro daquela de 2019. No ano passado, o Chile perdeu seu posto de país com a menor taxa de homicídios da região para El Salvador, onde uma onda de repressão às gangues locais guiada pelas políticas do presidente Nayib Bukele reduziu drasticamente a violência.

Sequestros, extorsões e tráfico de pessoas também aumentaram, segundo Castillo.

O temor em relação às facções transformaram a política do país. Sete em cada dez chilenos classificam o crime como sua principal preocupação atual, de acordo com uma pesquisa da Ipsos de março.

Isso tem desviado a atenção da população dos problemas causados pela desigualdade econômica que desencadearam o “estallido social” em 2019. Também vem ajudando minar a popularidade do presidente de esquerda Gabriel Boric, mesmo que seu governo trabalhe para fortalecer a política de segurança.

“O crime e o crime organizado são as maiores ameaças que enfrentamos hoje”, disse Boric em seu discurso do Estado da União em junho. “Sem segurança, não há liberdade, e sem liberdade, não há democracia.”

Em uma tarde recente em Maipu, um subúrbio de Santiago, era possível ouvir o ritmo de salsa tocando em uma das centenas de casas improvisadas que ficam sob um viaduto. Elas abrigam principalmente migrantes haitianos e venezuelanos.

Em março, um corpo foi encontrado ali, escondido em uma mala e enterrado sob cimento. Era o cadáver de Ronald Ojeda, ex-soldado venezuelano e crítico do regime autoritário do ditador Nicolás Maduro.

O Ministério Público do Chile disse que o Tren de Aragua estava por trás o assassinato de alto perfil de Ojeda. Ele acrescentou posteriormente que a morte tinha sido planejada na Venezuela e provavelmente tinha motivação política.

O chanceler de Maduro respondeu afirmando que a gangue “não existe”, desencadeando tensões diplomáticas.

Assentamentos de migrantes semelhantes ao visto em Maipu surgiram em todo o Chile, já que o Estado não conseguiu absorver milhões de recém-chegados: a população estrangeira no país passou de apenas 1,8% em 2013 para 13% em 2023.

“O Estado perde o controle nessas áreas, e há uma geração de jovens que não têm acesso à educação, saúde e emprego”, afirma Claudio González, diretor do Centro de Estudos de Segurança Cidadã da Universidade do Chile. “É um terreno fértil para grupos criminosos.”

Pesquisas mostram que o temor em relação ao crime organizado têm fomentado um sentimento xenofóbo entre os chilenos. Mas González diz que as principais vítimas das organizações criminosas são, na verdade, migrantes. Casos de crimes violentos de gangues contra os nativos do país são “muito excepcionais”.

Um voluntário que trabalha com crianças em um projeto de arte comunitária no assentamento e que não quis se identificar porque também trabalha para o governo afirmou que as autoridades haviam realizado apenas “intervenções isoladas”, como a criação de clínicas de saúde temporárias, e não conseguem atender os migrantes sem documentos.

Ele argumentou que, ao tratar essas comunidades como um problema de segurança em vez de priorizar a qualidade de vida nelas, o governo não conseguirá resolver o problema.

O Tren de Aragua difere drasticamente de outras facções conhecidas na América Latina, como os cartéis do México, afirma Ronna Rísquez, jornalista venezuelana que publicou um livro sobre a gangue no ano passado.

“Aqueles grupos são militarizados e [tendem a permanecer em] territórios fixos, enquanto o Tren de Aragua é mais fluido, com células fracamente conectadas”, disse ela, acrescentando que o grupo tinha no máximo 3.000 pessoas.

A organização criminosa aceita trabalhos por contrato, como assassinatos ou transporte de drogas para outras gangues, explica ela.

“Esses são basicamente predadores que procuram nichos para explorar —causam muito dano, mas não são muito sofisticados”, acrescentou.

A chegada do crime organizado no Chile, combinada com um conflito com grupos indígenas separatistas no sul, colocou a segurança no topo da agenda política às vésperas das eleições do ano que vem.

A direita chilena tem capitalizado em cima do histórico de críticas de Boric à polícia do país. Seus índices de aprovação dispararam para um recorde de 84% em meio à onda de crimes, de acordo com a empresa de pesquisas Cadem.

A situação tornou-se uma grande dor de cabeça para o presidente, que esperava expandir a rede de segurança social e as proteções de direitos humanos do Chile, mas foi forçado a focar a segurança.

Desde 2022, o governo criou unidades de combate ao crime organizado dentro do Ministério Público e da polícia, lançou a primeira política nacional de combate ao crime organizado e aprovou dezenas de reformas relacionadas à violência.

Tendo aprisionado cerca de cem membros do Tren de Aragua, segundo autoridades, o Chile está se preparando para lançar o primeiro julgamento em massa do grupo na região, com 38 pessoas —34 venezuelanos e quatro chilenos— enfrentando acusações de assassinato, sequestro, tráfico de pessoas e de drogas.

O país não está, no entanto, imune à corrupção institucional que permite a expansão do crime organizado. Em abril, a mídia chilena relatou que dois membros da polícia investigativa nacional serviram de informantes para o Tren de Aragua.

“Nossas instituições reagiram de forma muito eficiente de maneira exemplar”, diz Castillo. “Mas quando se trata desse tipo de crime, você tem que estar permanentemente vigilante.”

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