A onda de violência no Equador e o narcoterrorismo – EERBONUS
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A onda de violência no Equador e o narcoterrorismo

O Equador enfrenta uma onda de violência desde o começo de janeiro, quando Fito, o narcoterrorista mais temido nacionalmente, fugiu da prisão. Um dos menores países da América do Sul, o Equador não é um grande produtor de drogas, mas virou rota para o tráfico internacional de entorpecentes — conta com saída para o Oceano Pacífico e está localizado entre os maiores produtores mundiais de cocaína: Peru e Colômbia.

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Como resultado, o Equador se tornou o maior exportador da cocaína que vai para a Europa. Mas não só para ela. “O Equador é um importante país de trânsito da cocaína destinada aos Estados Unidos e outros destinos internacionais”, afirma a CIA, serviço de inteligência dos EUA, no capítulo sobre o Equador em seu factbook.

Nos últimos anos, o combate ao narcotráfico e a ações criminosas relacionadas com o terrorismo e insurgência se tornaram alguns dos principais desafios das forças de segurança equatorianas. Em 9 agosto do ano passado, o candidato presidencial Fernando Villavicencio foi assassinado com três tiros na cabeça assim que saiu de uma escola na capital Quito, onde realizava um comício.

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Villavicencio ficou conhecido por denunciar casos de corrupção enquanto era jornalista investigativo e deputado, atributos que o coloram como alvo das gangues. Sua morte abriu um novo capítulo de violência na história do Equador. Logo depois do assassinato, ainda em agosto, José Adolfo Macías Villamar, o criminoso como “Fito”, foi transferido de uma prisão em Guayaquil, sua “favorita”, para o presídio de alta segurança La Roca, na mesma cidade. Fito é líder da gangue Los Choneros, a facção mais poderosa do país, e havia ameaçado Villavicencio de morte.

Fito, o mais temido narcotraficante do Equador, gravou clipe musical da cadeia

A megaoperação para a transferência de Fito envolveu 4 mil soldados e policiais. Menos de um mês depois, ele voltou à antiga prisão e lançou um clipe de dentro da cadeia sobre si mesmo. A música El Corrido del León (A Corrida do Leão, em tradução livre) é interpretada pelo grupo Mariachi Bravo e por Queen Michelle, filha de Fito. O narcotraficante não canta nenhum trecho da letra, mas aparece, emblemático e poderoso, mesmo estando na prisão.

“Um homem de muita honra”, diz trecho da letra. “Fito é um grande ídolo, senhores. Ele é o chefe dos patrões. E, com seu irmão Javier, cuida de nós e de sua família como leões. Este é o líder dos Choneros, um bom nome e um grande cavalheiro. Ele tem muito amor por sua família e seus amigos.”

Publicado em 15 de setembro de 2023, o videoclipe da canção em homenagem ao traficante acumula mais de 705 mil visualizações no YouTube.

Fito estava preso desde 2011. Ele foi condenado a 34 anos de prisão por crime organizado, narcotráfico e homicídio. No último dia 7, no entanto, o líder dos Choneros fugiu da prisão para não ser transferido para um presídio de segurança máxima. Mais de 3 mil policiais procuraram por Fito até mesmo nos telhados e esgotos da penitenciária, mas sem sucesso. Por causa da fuga, o presidente do Equador, Daniel Noboa, decretou estado de exceção.

O problema do Equador é transnacional

“A questão do Equador não é um problema de segurança pública interno”, diz Adriano Gianturco, cientista político italiano que atua como professor de ciências políticas e coordenador do curso de relações internacionais do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) de Belo Horizonte. “Quem pensa isso está muito enganado. É uma questão transnacional de crime.” Ele cita as ligações dos traficantes, que também atuam como terroristas, com a máfia libanesa e outras facções de países como a Colômbia.

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O diretor-executivo do movimento Livres e cientista político Magno Karl também afirma que o problema do Equador é transnacional. Karl cita a ligação dos traficantes equatorianos com o Cartel de Sinaloa, do México, que atua como um “sindicato do crime organizado internacional”, com foco principal em tráfico de drogas ilegais e lavagem de dinheiro. Em 9 de janeiro, a TV TC Televisión, de Guayaquil, foi invadida por criminosos que fizeram os jornalistas de reféns, inclusive o apresentador que comandava um programa ao vivo na ocasião. Para Karl, a ação teve traços semelhantes às de um golpe de Estado.

“A invasão da televisão pelos terroristas foi a ação mais visível, mas não a única”, diz Karl. “Foi uma desordem social: as crianças não puderam ir à escola, as aulas foram suspensas, o comércio foi fechado. Os terroristas queriam enviar uma mensagem ao país pela TV, falar diretamente com o povo, mas acabaram não tendo tempo para isso. É uma coisa que a gente costuma ver nos golpes de Estado e não nas ações de meros criminosos.”

A polícia retomou rapidamente o estúdio de televisão, mas para Karl, os criminosos “não queriam dominar o estúdio de televisão e passar dias lá, só queriam mostrar que eles podem fazer isso”. “Essa memória da demonstração de força ficará com a população do Equador por muito mais tempo”, diz o diretor do Livres. Ele também afirma que “seria uma ótima notícia” para América Latina se o que acontece no Equador fosse um problema local, restrito apenas ao país.

YouTube video

“Neste momento explodiu uma questão equatoriana de um desequilíbrio particular no Equador, mas poderia ter sido no Rio de Janeiro, poderia ter sido em São Paulo”, diz Karl. “Poderia ter sido em Medellín (Colômbia) ou em alguma parte da fronteira norte do México com os EUA. Infelizmente, não me parece ser uma coisa particular do Equador, que está apenas colocando mais uma variável numa questão que é um problema do continente.”

Problema pode ser “exportado” para o Brasil?

Para Magno Karl, o que impede que ataques do tipo aconteçam com frequência no Brasil ou em outros países sul-americanos com grande número de traficantes é que as facções “não são apenas organizações criminosas”, mas sim “organizações de negócio” que querem “fazer dinheiro”. “Eles não estão interessados necessariamente no poder”, diz o cientista político. “Estão interessados no comércio. E um conflito como o que acontece no Equador é muito ruim para o comércio das drogas. Esses conflitos são raros porque causam prejuízos para todo mundo, mas ninguém seria capaz de dizer que isso jamais aconteceria no Brasil.”

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Gianturco acrescenta que o tamanho do país e estrutura do transporte também dificulta que ataques como os do Equador aconteçam. “É muito mais fácil tomar um país pequeno que um país grande”, diz o professor do Ibmec. “O Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) têm uma atuação importante, porém, em um país continental. Se o Rio de Janeiro fosse um país independente, provavelmente já estaríamos falando de narcoestado também, similar ao Equador. E hoje o Equador tem estradas acima da média para a América do Sul, estradas muito boas.”

Para o professor, o Equador é um narcoestado que agora enfrenta uma onda de violência porque resolveu endurecer as penas para os traficantes. “Antes de ceder, os criminosos vão tentar de tudo”, diz Gianturco. “O Equador antes era um dos países mais seguros da América Latina, mas hoje é um dos mais perigosos.” A taxa de homicídios no Equador se multiplicou por seis em menos de uma década, e hoje é de 46,5 para cada 100 mil habitantes.

Fernando Villavicencio Equador
Fernando Villavicencio: jornalista e ex-deputado, ele foi assassinado durante campanha presencial | Foto: Reprodução/Redes sociais

Em 2016, o então presidente colombiano, Juan Manuel Santos, fez um acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). O movimento em conjunto com o grupo criminoso fez com que Manuel Santos fosse agraciado com o Nobel da Paz daquele, mas permitiu que os cartéis locais aumentassem a exploração da rota do Equador, assim como suas alianças com os traficantes da região.

Autoridades do Equador se acostumaram a “abaixar a cabeça” para os criminosos, diz jornalista equatoriano

A onda de violência se intensificou depois da fuga de Fito da prisão. Mais de 20 gangues aterrorizam o Equador. Condenados fizeram motins e “prenderam” agentes penitenciários nas prisões, hospitais foram invadidos e policiais foram sequestrados. A princípio, pode ser esquisito que as ações dos criminosos tenham aumentado depois de Fito fugir e não para pressionar por sua libertação.

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O jornalista equatoriano Walter Villarreal, que cobre a situação do país há três décadas, explica as razões. “Fito escapou, mas não é livre”, diz Villarreal, que trabalhou em emissoras como TC Televisión, Ecuador TV e Telerama. “Toda essa violência é para pressionar as autoridades com um aviso: ‘Não toque em Fito, não mate, não prenda.’” Villarreal também diz que o aviso serve para que Fito seja levado ao seu “presídio favorito” em Guayaquil — onde ele tinha regalias —, em vez de transferido para uma prisão de segurança máxima caso seja capturado.

“Infelizmente, no nosso país, governos se habituaram a abaixar a cabeça para as condições impostas pelos presos”, diz Villarreal. “Tudo em troca de não ter problemas na prisão e de evitar motins. Mas, no longo prazo, vimos que o remédio foi pior do que a doença, e acabamos tendo tumultos muito piores.” O jornalista equatoriano cita que, em agosto do ano passado, a transferência de Fito precisou de 4 mil policiais porque é comum que as facções “libertem” seus presos em meio a esse tipo de operação.

Como as autoridades equatorianas se habituaram a negociar com presidiários — que fazem parte de grandes gangues como Los Choneros, Los Lobos, Los Tiguerones e Los Chone Killers —, os presos respondem com rebeliões quando não são atendidos. “Em 2021 tivemos o maior caos carcerário”, lembra Villarreal. “Nas redes sociais circularam imagens terríveis de corpos mutilados, corpos queimados e de criminosos sem o temor de Deus jogando futebol com a cabeça de outro preso como bola.”

Walter Villarreal - equador
O jornalista Walter Villarreal comenta o aumento da criminalidade no Equador | Foto: Arquivo pessoal

De acordo com o jornalista equatoriano, apesar disso, a criminalidade não é normalizada pelos cidadãos, mas alguns políticos e ativistas fazem “inversão de valores” quando defendem criminosos. “É verdade que os presos não deixam de ter direitos humanos”, diz Villarreal. “Mas gostaríamos de ver os defensores dos direitos humanos protegendo as pessoas da criminalidade.”

O jornalista lembra que, no mês passado, quatro crianças com idade entre cinco meses e sete anos foram mortas junto com a mãe num ataque armado de uma gangue em Guayaquil. A mulher estava internada em uma unidade de saúde. O pai sobreviveu porque levou um tiro de raspão. “Quem disse alguma coisa? Ninguém”, enfatiza Villarreal. “Mas agora que os militares estão agindo, um deputado ficou indignado ao ver como esses ‘jovens pobres’ (traficantes) foram maltratados, então estamos vendo que talvez haja interesses envolvidos. Não estou julgando nem afirmando nada, mas eles deveriam explicar por que ficam indignados quando acontece algo contra o crime e em favor da segurança dos cidadãos, que é algo que deveria ser aplaudido.”

Leia também: “A normalização da selvageria”, artigo de Brendan O’Neill, da Spiked, publicado na Edição 190 da Revista Oeste

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