Argentina revive Brasil em 2022 às vésperas do 2º turno – 14/11/2023 – Mundo – EERBONUS
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Argentina revive Brasil em 2022 às vésperas do 2º turno – 14/11/2023 – Mundo

Às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, a Argentina vê as campanhas dos candidatos ganharem contornos cada vez mais parecidos com os das eleições de 2022 no Brasil. Nos últimos dias, os eleitores do país vizinho têm visto denúncias sem prova de fraudes eleitorais, tentativas de virar voto nas ruas e resgates de falas antigas dos candidatos.

O cenário não é exatamente uma novidade, já que havia terreno para que os políticos explorassem as mesmas estratégias usadas no Brasil. Enfrentam-se no próximo domingo (19) um candidato que pode ser chamado de um “político profissional” de esquerda, o governista Sergio Massa, e um outsider ultraliberal que ganhou espaço por seu desprezo ao que chama de “casta” política, o opositor Javier Milei.

A despeito das diferenças entre os dois países, a situação guarda semelhanças com a do ano passado no Brasil. Luiz Inácio Lula da Silva, presidente por dois mandatos, enfrentava Jair Bolsonaro, que explorou a fadiga dos brasileiros em relação à classe política apesar de ser candidato à reeleição e ter no currículo uma carreira de quase 30 anos no Congresso.

“Tanto Bolsonaro quanto Milei apostam em um perfil antissistema, de homem corajoso, que diz a verdade e não se importa com o politicamente correto, e seus apoiadores compartilham insultos a jornalistas e alegações de fraude eleitoral”, diz João Guilherme Bastos dos Santos, diretor de análises do grupo de pesquisas Democracia em Xeque.

A última mostra dessa semelhança entre as duas eleições foi o lançamento da plataforma Lo que dice Milei (o que Milei diz, em português), que reúne controversas declarações do ultraliberal. “Mostramos o que Javier Milei pensa de verdade e qual é seu autêntico plano para o nosso país caso seja eleito presidente da República”, diz a plataforma.

Ali, foram agregados os posicionamentos do opositor sobre subsídios a serviços públicos, privatização da educação e porte de arma. Representante de uma vertente radical do liberalismo econômico na Argentina, Milei já chegou a falar que era a favor da legalização da venda de órgãos e crianças, embora tenha buscado moderar seu discurso e evitar esses assuntos desde quando percebeu que era suficientemente competitivo para chegar à Presidência.

O site não tem identificação partidária, mas a central de transparência de anúncios do Google mostra que a coalizão peronista União pela Pátria, de Massa, impulsionou a página para que ela aparecesse na busca dos usuários entre os dias 11 e 13 de novembro. Entre esses dois dias, no domingo (12), aconteceu o último debate das eleições, e Massa aproveitou a ocasião para pedir cinco vezes à audiência para pesquisar “o que Milei disse”.

No Brasil, uma ferramenta semelhante reuniu falas antigas de Bolsonaro —o Bolsoflix, plataforma que compilava críticas do então presidente à vacina contra a Covid-19, investigações relacionadas aos seus filhos e comparações de suas atitudes com a de ditadores. Diferentemente do site argentino, porém, a iniciativa brasileira era completamente anônima.

Nas redes sociais de Milei, seu campo por excelência, a estratégia do opositor foi reverberada como mais uma prova da influência de publicitários brasileiros na campanha de Massa.

Apesar da sutil mudança de discurso, o candidato não abandonou completamente a retórica agressiva. Sem apresentar provas, ele tem afirmado que houve irregularidades no primeiro turno das eleições, em 22 de outubro, e coloca em dúvida a precisão do pleito no próximo domingo.

De acordo com o estudo “Eleição da Argentina no YouTube”, do Democracia em Xeque, multiplicaram-se entre os dias 15 de agosto e 12 de novembro conteúdos afirmando que as urnas eletrônicas usadas na Argentina são adulteradas e que kirchneristas fraudaram a contagem dos votos. Também circulam mensagens convocando para marchas contra o roubo das eleições.

Há ainda ataques a jornalistas, como no Brasil, e observações misóginas, como as direcionadas a Sol Perez, que bateu boca com Milei em um programa em 2019. Cortes desse vídeo, em que a influenciadora deixa o programa chorando, voltaram a circular, com comentários na linha de que ela deveria usar apenas sua beleza e forma física, e não tentar ser “intelectual”. Há também ameaças mais abertas, como as que incentivam a matar jornalistas.

Outra semelhança é o destaque dos chamados “perfis auxiliares” de Javier Milei, como o El Peluca Milei – também as contas e perfis de apoio a Bolsonaro tinham grande alcance.

O estudo detectou uma mudança significativa no perfil dos comentários depois de 30 de outubro. Até então, predominavam comentários sobre o perigo do comunismo e do kirchnerismo. Depois, a saúde mental de Milei ganhou destaque, com publicações apontando o suposto desequilíbrio emocional do candidato, explorados pela campanha de Massa.

Nesta semana, um vídeo de 2021 em que Milei destrói uma maquete do Banco Central a marteladas voltou a circular. “O Banco Central está fazendo as suas de novo. Acho que é hora de fechá-lo de uma vez por todas”, ouve o agora candidato de uma correligionária, antes de destroçar a miniatura do prédio ao som de uma multidão que grita: “Destruição! Destruição!”.

O fechamento do Banco Central e a dolarização seguem nos planos do ultraliberal como a solução para o problema crônico da economia argentina. Com inflação a 140%, o país enfrenta sua pior crise em décadas —o que não impediu Massa, atual ministro da Economia, de se candidatar.

Comparações da situação com a Venezuela são outro ponto de contato entre os cenários brasileiro e argentino. Mas acontecem de formas distintas, segundo Ernesto Calvo, professor de ciência política na Universidade de Maryland. “É menos ideológico em relação ao que Bolsonaro tentou impor no Brasil”, diz o pesquisador. “A inflação, o preço da gasolina, o salário e a informalidade são questões muito concretas.”

Também viralizaram nas últimas semanas tentativas dos argentinos de conseguir votos para Massa com pequenos discursos nos vagões do metrô —algo semelhante ao que aconteceu no Brasil, com bancas montadas em locais de grande circulação para tentar atrair indecisos.

Em um deles, Ricardo Gené, que se apresentou como médico há 56 anos e funcionário de hospitais públicos há 40, diz que conseguiu estudar por acessar uma universidade gratuita. “Estão falando de privatizar a saúde e a educação. Seria um dano irreparável. Custaria gerações para voltar a tê-las”, diz o médico.

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