Um dia após a Alemanha saber que a Volkswagen pretende fechar ao menos três fábricas no país e demitir milhares de empregados, o chanceler Olaf Scholz organizou uma reunião com empresários e líderes sindicais. A pauta era a busca de soluções para a economia estagnada do país.
O que chamou a atenção de analistas e críticos, no entanto, foi o fato de que, nesta mesma terça-feira (29), um outro encontro já havia sido marcado pelo ministro das Finanças, Christian Lindner, para abordar a crise.
E, como escreveu o editor do Bild, o jornal mais vendido e estridente do país, os dois esqueceram de chamar o ministro da Economia, Robert Habeck, que na semana passada já havia divulgado sozinho um ambicioso plano de fomento à indústria.
O episódio ilustra como é difícil a convivência dentro da coalizão que governa a Alemanha, chamada de semáforo em alusão às cores dos partidos: SPD, de Scholz, FDP, de Lindner, e os Verdes, de Habeck. Novos números ruins da economia, que apontam para o segundo ano seguido de contração do PIB e estagnação em 2025, já alimentam o debate sobre a sobrevivência da coalizão por mais um ano legislativo.
Scholz, o primeiro chanceler a assumir o cargo depois de 16 anos de Angela Merkel, de passagem marcante dentro e fora do país, teve trabalho para alcançar uma coalizão tripla, de poucas afinidades. Enquanto os liberais do FDP seguem o corolário do Estado mínimo, verdes e sociais-democratas do SPD, em maior ou menor grau, advogam em direção oposta, por um governo que dê suporte à economia até onde seja necessário.
Não que houvesse expectativa muito diferente, mas a convivência tem muito mais baixos do que altos. Como nesta semana, em que o plano de contingenciamento da maior montadora do país sublinhou uma economia envolta em dificuldades —uma transição energética mais complexa que a de seus pares europeus, o custo financeiro da guerra na Ucrânia, o peso do conflito no Oriente Médio e a insidiosa ascensão da extrema direita.
O sistema político da Alemanha prevê que a atuação dos ministros seja independente, ainda que dentro de diretrizes traçadas pelo chanceler, mas a retórica entre os envolvidos soa como embate entre opositores, sendo que todos estão no governo.
O movimento de Habeck, além de isolado, foi agressivo. Seu Fundo Alemanha garante financiamento de até 10% do investimento de qualquer empresa, grande ou pequena, para reacender a economia, mas críticos não veem a estratégia como eficaz em um país que flerta com a desindustrialização. O tema é caro ao FDP, a ponto de algumas vozes do partido pedirem até a saída da coalizão.
Também entre os verdes há embates internos sobre continuar no governo. Provocar a antecipação das eleições gerais, marcadas para 28 de setembro do ano que vem, porém, é passo arriscado, pois os níveis de popularidade das três siglas acompanham a percepção negativa da população sobre a economia neste momento.
Ainda que haja alguma defecção, governar em minoria seria possível após a aprovação do Orçamento, em novembro. Deixar o governo em momento de crise, porém, teria um alto custo político.
O ambiente de negócios na Europa não ajuda. Nesta terça-feira (29), a Alemanha foi voto vencido na sessão que aprovou novas tarifas sobre carros elétricos chineses na União Europeia. O país teme o impacto de retaliações, sobretudo sobre a exportação de modelos alemães convencionais que perdem vertiginosamente mercado na China.
Outro complicador externo no horizonte da economia alemã e, por consequência, da combalida coalizão de governo é uma eventual vitória de Donald Trump nas eleições americanas, na semana que vem. Entre as tantas bravatas de seus discursos, uma provável segunda frente de guerra tarifária e a perda de suporte americano na Otan deteriorariam ainda mais o cenário. A conta sobraria inteira para a Europa.
Com Reuters