É muito bom ver tanta mobilização dos meios de comunicação e da opinião pública internacional em torno da delicada situação da Venezuela. Mas vejo por aí muitos adjetivos relacionados a Nicolás Maduro e a Hugo Chávez que os descolam totalmente da História, com H maiúsculo, do país.
Seriam ambos dois homens maus que desembarcaram de alguma nave alienígena, por mero acaso, justo neste lindo país caribenho, para impor um regime de terror?
Não é bem assim. O chavismo e sua versão ainda mais autoritária, o madurismo, são frutos de um longo processo cujas raízes precisam ser investigadas para que se compreenda bem o fenômeno.
Chama a atenção, por exemplo, nos dias de hoje, a excessiva presença das Forças Armadas em decisões e em postos importantes do poder. Mas isso não é uma novidade. Esse papel tem sido reiteradamente ocupado por elas e, muitas vezes, com anuência de parte da sociedade, que ainda as considera uma força estabilizadora e, às vezes, transformadora.
Vamos a um exemplo. Diferentemente do Brasil, a Venezuela lutou pela sua independência, com “banhos de sangue” terríveis e típicos das guerras de então, resultado dos embates entre o Exército patriota liderado pelo general Simón Bolívar (1783-1830) contra as tropas espanholas.
O desenlace foi a heroica emancipação da região do antigo vice-reino da Nova Granada (Panamá, Colômbia, Equador e Venezuela) do jugo espanhol (uso a expressão que os venezuelanos cantam com orgulho em seu hino nacional e que ressoa nos protestos dos últimos dias).
Já em 1899, a Revolução Liberal Restauradora, liderada pelo militar José Cipriano Castro (1858-1924), derrubou um presidente eleito e instalou um novo sistema em que caudilhos regionais e líderes militares exerciam o poder.
Não poderíamos deixar de mencionar outra passagem. De 1953 a 1958, a Venezuela foi governada com mão de ferro pelo ditador e general Marcos Pérez Jimenez (1914-2001). O balanço de seu regime até hoje gera debates acalorados. Foi nessa época que a bonança petrolífera permitiu construir obras arquitetônicas e urbanísticas de grande envergadura, assim como investimentos em infraestrutura.
Mas o que mais ocorreu em sua gestão? Perseguição a jornalistas e intelectuais, prisões e torturas, inabilitação de líderes opositores, um avanço para recuperar o Essequibo, a construção de um discurso patriótico, o Nuevo Ideal Nacional, baseado no anti-imperialismo.
Isso parece com algo que esteja ocorrendo nos dias de hoje? Pois é.
Também nessa época houve uma oposição inquieta e que saía às ruas, fazia greves e era duramente reprimida. Em 1957, Pérez Jimenez aceitou realizar um plebiscito para consultar se a população queria que ele continuasse ou que se convocassem novas eleições. Na época, falou-se em fraude porque a população havia saído em massa para votar contra a proposta.
O resultado pareceu tão inverossímil que boa parte da população saiu às ruas. Tanto foi o desgaste que acabou levando as Forças Armadas a se juntar a essas demandas e derrubar Pérez Jiménez num golpe de Estado.
Tanto na época da independência como na da ascensão dos caudilhos militares ou na ditadura de Pérez Jimenez, as Forças Armadas estiveram sempre muito presentes.
Não sabemos se o desenlace da agonia do atual chavismo será o mesmo. Mas a história, como sempre, nos oferece ferramentas para entender a cultura política de um país e porque ela dá espaço para a aparição de personagens como Maduro e Chávez.
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