Com quase duas décadas de experiência na área, a Missão de Observação Eleitoral (MOE), um projeto independente baseado em Bogotá, na Colômbia, checou uma amostragem das atas eleitorais divulgadas pela oposição na Venezuela após o pleito presidencial e disse que “há sérios indícios sobre a integridade desses documentos”.
Desde a eleição do dia 28 de julho, Caracas tem vivido o que começa a ser apelidado por alguns de uma “guerra de atas”. O regime, declarado vencedor pelo órgão eleitoral, não divulga ao público as atas das urnas eletrônicas. Já a oposição divulgou as atas que seus observadores coletaram no dia da eleição —que a ditadura afirma serem falsas.
A oposição diz possuir 80% do total das atas eleitorais do pleito. Esses documentos foram disponibilizados pela chapa opositora em uma plataforma online. Embora esse sistema com frequência apresente instabilidade, ele também permite fazer download de todo o material. Foi com essa base que a MOE, uma organização internacionalmente reconhecida, trabalhou.
O grupo opositor tornou públicas 24.532 do total de 30.026 atas. Mas a Missão de Observação Eleitoral usou em seu estudo apenas 21.952 desses registros, cuja leitura se tornou possível graças à sua qualidade de imagem. Os arquivos analisados representam, portanto, 73% de todas as atas do processo eleitoral para eleger o novo presidente.
Segundo a verificação do MOE, Edmundo González, nome da coalizão opositora, teria reunido 67,2% dos votos (o Conselho Nacional Eleitoral, ou CNE, diz que foram 43,2%). Para o ditador Nicolás Maduro, seriam 30,4% (enquanto o CNE afirma serem 52%). A oposição teria vencido em todos os estados da Venezuela.
Mais do que a contagem dos votos, que outras organizações já tinham realizado, o grande diferencial do estudo do MOE foi a checagem da veracidade das atas que ele fez a partir de uma amostragem de cem delas, realizada de maneira manual. Para isso, foi usado o sistema de códigos QR que as atas apresentam, segundo o pesquisador Diego Alejandro Rubiano, um dos que capitanearam a checagem.
Além dos números de votos por partido, cada ata fruto de uma mesa eleitoral na Venezuela mostra as assinaturas das testemunhas eleitorais, que são do governismo e da oposição, e também esse código que pode ser escaneado por qualquer celular —algo que a Folha fez.
O escaneamento entrega uma sequência de números e símbolos, entre pontos de exclamação e vírgulas, que permitem: 1) saber o estado, o município, a paróquia (divisão territorial local), a seção eleitoral e a mesa de votação à qual se refere; 2) saber o número de votos que cada partido recebeu.
Essa leitura pode ser entendida na infografia abaixo, feita com uma ata escolhida aleatoriamente entre as divulgadas pela oposição e checadas pelo MOE. Nesta mesa de votação específica, foi Maduro o vencedor; siga para o texto depois.
A MOE checou essa amostragem e observou que todas as informações dos documentos físicos correspondiam às do código fornecido pelo QR. O entendimento é de que os indícios da integridade dos documentos são elevadíssimos porque falsificar uma ata exigiria também falsificar a versão desse documento no sistema eletrônico. Um a um.
O estudo também verificou as assinaturas das atas, uma vez que o regime de Maduro afirmava que há várias assinaturas falsificadas. Não foram encontradas evidências que sustentem essa acusação, no entanto. Ao avaliar um conjunto aleatório de 100 atas, o MOE encontrou em apenas 1 assinaturas que eram similares e que, portanto, poderiam ter sido feitas pela mesma pessoa. Não há indícios de falsificação nas outras 99 atas analisadas.
Com as análises em mãos, o projeto colombiano observou vitória de Nicolás Maduro em apenas 13% das mesas de votação tabeladas (cerca de 2.920). Já o opositor González, que se diz presidente eleito da Venezuela, teria obtido a maioria em 87% (ou 18.990).
A nível municipal, o detalhamento das atas divulgadas pela oposição mostra que Maduro teria conseguido maioria em apenas 28 dos 326 municípios da Venezuela, ou seja, em 8,6% das cidades do país.
Ao final da análise, a MOE faz um apelo semelhante ao que países como o Brasil têm feito: que sejam entregues e tornadas públicas todas as atas eleitorais com suas informações completas, de modo a permitir a checagem, por exemplo, de seus códigos QR.
Nesta segunda (5), a chefia do órgão eleitoral venezuelano afirmou ter compartilhado com o Supremo do país todas as atas. Maduro pediu que a corte, que é cooptada pelo chavismo, faça a auditoria das eleições. Nenhum material oficial foi disponibilizado publicamente.