Os nossos movimentos estão limitados a um estreito corredor que leva das bases militares da Minusca (a Missão das Nações Unidas para a República Centro-Africana) aos edifícios das organizações internacionais e do Parlamento.
O bairro presidencial é fechado para estrangeiros —ao menos para ocidentais. Diz-se que por lá impera a guarda pretoriana de Sua Excelência o professor e chefe de Estado Faustin-Archange Touadéra, e que são os ruandeses que por ali circulam mais à vontade.
Diz-se que os Estados Unidos estão por trás dos ruandeses. Diz-se que o presidente confia mais nos russos para a estabilização das regiões rebeldes. Diz-se que a polícia está com uns e que o Exército está com outros. Diz-se muita coisa.
Por cada base militar que vamos passando, vemos a bandeira dos países que cederam tropas à ONU para a estabilização do país —do Butão à Romênia, e também Portugal, cujas tropas viemos visitar.
Em cada base militar que vamos entrando, empresas de segurança locais procuram languidamente explosivos debaixo dos jipes. As precauções são rotineiras, quase burocráticas; não parece haver grande perigo enquanto nos mantivermos só aqui. No resto do país, não há asfalto nem instituições. Há “projeção de tropas” quando é preciso sair para resolver algum problema.
Para lá da capital, o país está dividido em três setores. O setor ocidental tem o tamanho da Belarus. O setor central tem o tamanho da Bulgária. O setor leste tem o tamanho do Reino Unido. Nenhum deles está controlado.
Das fronteiras com os seis países em torno (Camarões, Chade, Sudão, Sudão do Sul, Congo e República Democrática do Congo) não se pode dizer que são porosas, mas antes que são ignoradas. Aqui não há exatamente interior porque tudo é interior, o interior mais interior que existe na África.
Qualquer canoa atravessa o rio que separa a capital centro-africana do país logo ali do outro lado, a República Democrática do Congo. Preparam-se futuras eleições locais, mas é difícil definir quem é o eleitorado. Mesmo se forem realizadas, vai demorar três meses até que se saiba o resultado.
Nenhum dos responsáveis a quem perguntamos sabe dizer qual será o horizonte temporal para esta missão. Por trás da insegurança está um problema de falta de coesão nacional, e isso não se faz em anos, talvez nem em décadas.
Esse vazio deixa abandonados os centro-africanos, que terão dificuldade em construir uma identidade comum. Mas é útil a algumas potências estrangeiras. O país é rico em minerais, e todos dias saem das regiões periféricas aviões em pistas improvisadas e impossíveis de controlar, levando ouro e diamantes.
Os intermediários são os mercenários russos do Afrika Korps, que aqui ainda são conhecidos por Black Wagner. Parte desses recursos ajuda a alimentar a Guerra da Ucrânia.
Dizem-me que na academia deixou de ser preceito falar-se de “Estados falidos” e que agora que se deve dizer “Estados frágeis”.
De certa forma, a realidade no terreno poupa-me desse embaraço da escolha: para haver um Estado falido, ou um Estado frágil que seja, é preciso haver um Estado. E olhando à nossa volta não parece haver grandes sinais da sua existência.
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