Sem grandes emoções, pesquisas de boca de urna no Uruguai indicam que o pequeno vizinho brasileiro de 3,4 milhões de habitantes irá a segundo turno daqui a um mês entre Yamandú Orsi (Frente Ampla —coalizão de esquerda e centro-esquerda) e Álvaro Delgado (Partido Nacional —de centro-direita e governista).
Três dos principais institutos de pesquisa do país (Opción, Cifra e Equipos) mostram o esquerdista com média de 40% de apoio, ante cerca de 28% do governismo. Quase 90% dos eleitores compareceram, informou a Corte Eleitoral quando as urnas fecharam, às 19h30. O segundo turno ocorre em 24 de novembro.
Ao saírem rindo do centro de votação na Prefeitura de Montevidéu, os irmãos Sorrentino brincam: “Não, não viemos votar para a Presidência, viemos votar para o Congresso, é o que importa agora”, diz Paula, 50, docente universitária em Rivera, na fronteira com o Brasil.
Eles, claro, votaram para presidente. Mas com essa fala querem dizer que o que mais pesa neste primeiro turno é qual força política ganhará a maioria no Congresso. Como o presidente tem poucos mecanismos constitucionais para tomar decisões sozinho, quem conseguir maioria no Senado e na Câmara sai na dianteira para o segundo turno.
A porcentagem de votos pesa, é claro, mas muito mais está em jogo. O apoio obtido por Orsi nesta primeira rodada já reúne todos os braços da Frente Ampla, essa aliança de partidos mais e menos radicais que foi se moderando nas últimas décadas. Não é o caso de Delgado.
Aos votos que obteve neste primeiro turno, ele tende a somar para o segundo os votos de outras legendas importantes, a principal delas o Partido Colorado, que com o advogado Andrés Ojeda chamou atenção ao crescer nas pesquisas, mas não conseguiu ir ao segundo turno. Ou seja, Delgado e Orsi estão muito próximos em termos numéricos.
Os irmãos Sorrentino votaram diferente. Enquanto Paula votou pela continuidade do Partido Nacional, Fabrizio, 43, contador, votou por uma outra sigla da oposição, que prefere não falar. Os dois coincidiram em outros dois votos que o eleitor tinha que dar neste domingo.
Eles não apoiaram o plebiscito chamado pelo setor sindical para mudar as regras de aposentadoria, mas, por outro lado, apoiaram o plebiscito chamado pelo governo para aumentar o poder policial de realizar invasões a residências para combater a insegurança.
As duas propostas não receberam apoio suficiente, ainda segundo as projeções de boca de urna. Elas eram sintomas de um país que vê na estagnação e no envelhecimento de sua população e no avanço do narcotráfico duas questões latentes e desafiantes para as quais nenhum governo até aqui apresentou soluções.
O projeto de Previdência propunha escrever na Constituição que a idade mínima de aposentaria após 30 anos de aportes seria de 60 anos, e não mais 65, como uma reforma do governo de Luis Lacalle Pou estabeleceu. Propunha ainda acabar com os fundos privados e igualar o valor mínimo da pensão ao do salário mínimo.
Nem os dirigentes da Frente Ampla apoiavam essa proposta, ainda que os tentáculos da coalizão mais próximos a sindicatos a promovessem. Um dos principais argumentos era o de que não faria sentido cravar na Carta Magna uma idade que terá de ser revista em função do processo de envelhecimento do Uruguai, com cada vez menos pessoas em idade ativa.
Yamandú Orsi é próximo ao ex-presidente José “Pepe” Mujica, que aos 89 anos e após enfrentar um tratamento contra câncer teve sequelas de saúde e diz que está finalizando sua vida política. Mas pertence a uma nova geração da Frente Ampla que ainda não ganhou tração.
Como a reportagem mostrou, uma de suas propostas teria peso para o Brasil: Orsi quer frear o acordo de livre-comércio com a China que o governo de Lacalle Pou colocou na esteira por fora do Mercosul. Ele defende pautas como o combate à pobreza infantil (atinge 31% dessa parcela populacional), melhorias na educação e mais policiamento.
Ex-professor de história, ele foi governador do departamento de Canelones, nos arredores da capital Montevidéu. Para muitos, é importante que o candidato seja “de las afueras”, ou seja, de um grupo que não seja o da tradicional classe polícia de Montevidéu.
Já Álvaro Delgado, veterinário de formação, é um aliado de primeira hora de Lacalle Pou, de quem foi secretário-geral da Presidência. Isso não significa, porém, que tenha herdado o capital político do surfista e filho de ex-presidente que em 2019 levou o Partido Nacional ao poder após 15 consecutivos anos de Frente Ampla.
A alternância no poder desde a redemocratização no Uruguai
Presidente | Período | Partido |
---|---|---|
Julio María Sanguinetti | 1985-1990 | Colorado |
Luis Alberto Lacalle | 1990-1995 | Nacional |
Julio María Sanguinetti | 1995-2000 | Colorado |
Jorge Batlle | 2000-2005 | Colorado |
Tabaré Vázquez | 2005-2010 | Frente Ampla |
José “Pepe” Mujica | 2010-2015 | Frente Ampla |
Tabaré Vázquez | 2015-2020 | Frente Ampla |
Luis Lacalle Pou | 2020-2025 | Nacional |
Partidos Nacional e Colorado: centro-direita
Frente Ampla: coalizão de esquerda e centro-esquerda
Mais de 2,7 milhões de uruguaios estavam habilitados para votar. Entre eles, uma pequena parcela de 5.560 imigrantes que ganharam força no país nos últimos anos.
Orgulho parecia definir a dominicana Esperanza Ortiz, 37, ao sair de uma escola que virou centro de votação a poucos metros da “rambla”, extensa avenida que acompanha o rio da Prata na capital. Há 11 anos no Uruguai, essa era a primeira vez em que votava. Teve de esperar cinco anos para tramitar a cidadania e mais três para ter o título de eleitor.
Esperanza diz que votou pela Frente Ampla. A coalizão estava no poder quando ela chegou ao país, em 2013, quando Mujica era presidente. Ela diz que a Frente fez muito mais pelos imigrantes, e que o governo atual não quer que mais estrangeiros cheguem ao país. Foi justamente o governo de Lacalle Pou, porém, o que regularizou a situação migratória de mais de 20 mil imigrantes, a maioria deles cubanos.