Um novo relatório divulgado nesta segunda-feira pelo Programa Conjunto da ONU sobre HIV/Aids, Unaids, mostra que o mundo está em um momento crítico para fazer com que a doença deixe de ser uma ameaça de saúde pública até 2030. Atualmente, uma pessoa morre por causas relacionadas à doença a cada minuto.
Com apenas seis anos faltando para o cumprimento do compromisso assumido por líderes mundiais, a agência afirma que as escolhas políticas feitas este ano determinarão se a pandemia mais mortal do mundo será superada.
O preço como barreira ao tratamento
O relatório “A Urgência do Agora”, lançado na Conferência Internacional de Aids, realizada esta semana em Munique, na Alemanha, afirma que das 39,9 milhões de pessoas vivendo com HIV/Aids, 9,3 milhões, não estão recebendo o tratamento.
A coordenadora de projetos da ONG Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, Abia, Susana Von Der Ploegh, participa do evento internacional e aponta que existem diferenças “gigantescas” entre os preços pagos pelos países por medicamentos essenciais.
“Nesse primeiro dia de conferência o que eu posso colocar é que a gente vê muitos discursos sobre colocar as pessoas em primeiro lugar, mas muitas vezes esse se torna um discurso vazio e, porque não dizer, hipócrita, quando a gente vê a desigualdade estrutural que há nesse mundo em termos de acesso a medicamentos, estigma e informação. Enquanto ativista por acesso a medicamentos eu sinto falta nessa conferência de trabalhos e questões que envolvam a barreira do próprio sistema global de patentes”.
Necessidade de tratamento vitalício
Susana, que é coordenadora da coalizão de organizações brasileiras chamada Grupo de Trabalho de Propriedade Intelectual, GTPI, citou o medicamento Dolutegravir, usado por 600 mil brasileiros. Segundo ela, esse é um exemplo onde o preço pago no Brasil por mês equivale ao valor pago por ano em outros países, como resultado das barreiras patentárias.
A diretora executiva da Unaids, Winnie Byanyima, pediu que “os recursos necessários e que os direitos humanos de todas as pessoas sejam protegidos”. Dados do relatório indicam que, caso as políticas adequadas sejam adotadas, o número de pessoas vivendo com HIV/Aids que necessitarão de tratamento vitalício será de cerca de 29 milhões até 2050.
No entanto, caso seja tomado o caminho errado, o número de pessoas que precisarão de suporte por toda a vida aumentará para 46 milhões. O estudo do Unaids mostra um progresso contínuo e lento na distribuição de medicamentos para pessoas vivendo com HIV/Aids, com 30,7 milhões atualmente em tratamento.
Angola e Moçambique
Angola e Moçambique estão entre os países com maior número de pessoas vivendo com HIV/Aids sem acesso a tratamento na África Subsaariana. As duas nações lusófonas também estão entre os seis países com maior incumprimento da demanda por terapia antirretroviral para crianças.
O relatório afirma ainda que o conflito no norte de Moçambique, causou uma “queda acentuada” no número de pessoas que recebem tratamento.
Os cálculos da Unaids mostram que, embora 20% dos recursos para o HIV/Aids devam ser dedicados à prevenção para as populações mais afetadas, apenas 2,6% do total de gastos foi destinado a intervenções para populações-chave em 2023.
Prevalência no Brasil
No Brasil a alta prevalência foi relatada entre afrodescendentes e populações indígenas, especialmente mulheres negras, que têm prevalência duas vezes mais alta do que na população feminina em geral.
Para diretora e representante do Unaids no Brasil, Claudia Velasquez, “o enfraquecimento da solidariedade entre e dentro dos países está colocando o progresso em perigo”.
Por outro lado, o relatório aponta que o Ministério da Saúde do Brasil fez experiências com uma máquina modelo de aprendizagem para prever quais pessoas tinham maior probabilidade de perder o acompanhamento nos serviços públicos.
Usando dados comportamentais e sociodemográficos coletados no país desde 2014, o modelo sinalizou com sucesso as pessoas em maior risco de abandono, permitindo assim a elaboração de intervenções precoces e personalizadas.
O relatório demonstra que os serviços de prevenção e tratamento do HIV/Aids só alcançarão as pessoas se os direitos humanos forem respeitados, se leis injustas contra mulheres e contra comunidades marginalizadas forem abolidas e se a discriminação e a violência forem abordadas.