Há um ano, Dead Space Remake estreava sorrateiramente com a árdua promessa de honrar o legado de sua obra original. Na ocasião, o lançamento também foi um dos primeiros de grande peso em um ano extremamente disputado na indústria dos jogos — essa que provou estar mais voraz do que nunca após dois difíceis anos de recessão em vendas.
Sem surpresas, a nova versão de Dead Space, tida para muitos como definitiva, provou ser digna de sua existência e aprimorou praticamente todos os aspectos técnicos de sua inspiração com o devido respeito. A jogabilidade implementou mecânicas muito bem-vindas, como a movimentação mais fluida e possibilidade de controlar o “voo” em gravidade zero. Já a narrativa amarrou pontas soltas e trouxe mais profundidade com sidequests, enquanto a exploração tornou-se mais livre e prazerosa, apenas para citar alguns exemplos.
Todo esse mérito foi muito bem-recebido pela crítica especializada, garantindo uma notável média de 88 pontos no agregador Metacritic — mesma nota obtida em nossa análise, que você pode ler clicando aqui! A princípio, é possível dizer que Dead Space Remake teve o sucesso merecido e alcançou todo o seu potencial… certo? Bom, é justamente aí que as coisas ficam mais complicadas, por motivos complicados.
Dead Space Remake foi um sucesso de vendas.
Longe dos agregadores e da crítica especializada, Dead Space Remake teria que enfrentar uma série de desafios para ganhar a atenção do público que, nota-se, tornou-se mais seletivo com a nova faixa de preços para jogos Triple-A de US$ 70 — cerca de R$ 350. E este aspecto, notavelmente, retirou o título da briga por premiações maiores no final de 2023.
A melhor guerra é a que não se luta?
O crivo do sucesso é relativo para muitos critérios, mas um é bastante claro: quem não é visto, não é lembrado. Tratando-se de um jogo exclusivamente single-player, sem novas DLCs, nichado em um terror bastante violento e com classificação indicativa para adultos, Dead Space Remake não apela para um público tão amplo. Esse pensamento reajustou seu lançamento para o tão-cedo janeiro de 2023, evitando concorrer com Hogwarts Legacy e Horizon Forbidden West: Burning Shores, por exemplo, apenas neste começo do ano.
Contudo, mesmo com pouca publicidade e um público-alvo bastante restrito, Dead Space Remake ainda se saiu muito bem. Atualmente, não há dados públicos acerca do número de vendas do título, mas sabe-se que ele despontou como o segundo jogo mais vendido do mês de janeiro nos Estados Unidos, logo atrás do titânico Call of Duty Modern Warfare 2. A marca foi suficiente para animar os fãs para uma possível sequência-refeita e até uma torcida para o prêmio de Jogo do Ano.
Nesse contexto, o otimismo foi minado por um pequeno problema, anteriormente vencedor do prêmio de Jogo do Ano, sendo o único na categoria de terror a alcançar o feito: Resident Evil 4 Remake. O lançamento da Capcom chegou em março, com a dificílima missão de honrar o legado de um dos títulos mais icônicos da história — e, ao contrário de Resident Evil 3 Remake, a aposta deu muito certo. A nova versão melhorada caiu nas graças do público e se tornou definitiva, com elogios praticamente unânimes das redes sociais.
Resident Evil 4 roubou o título honorário de ‘Remake do Ano’ em 2023!
Assim, os 15 minutos de fama de Dead Space Remake foram interrompidos prematuramente, encerrando boa parte de suas chances nas temporadas de premiações. Por um lado, se a antecipação de seu lançamento minou seu destaque cultural, por outro, garantiu um bom número de vendas para assegurar a presença da franquia, dormente há 11 anos, para mais continuações.
São dois lados de uma aposta executiva bastante perigosa, mas que, de tudo, mostrou o potencial da marca e a lealdade de seus fãs.
Talvez, sim
Se na disputa dos remakes já estava difícil para Dead Space, no cenário geral, as coisas estavam piores. Nos meses seguintes, o público receberia The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom, Baldur’s Gate III e Spider-Man 2, que logo entraram para lista de favoritos ao prêmio de Jogo do Ano. Justificavelmente, o RPG da Larian Studios estava cotado para levar todas as estatuetas para casa, até que meros minutos antes do fim do jogo, um novo desafiante apareceu: Alan Wake 2.
Compartilhando boa parte dos desafios de Dead Space Remake, o criativo jogo de terror da Remedy não fugiu da luta com os grandes lançamentos e chegou ao mercado no mês do terror, às vésperas do Dia das Bruxas. Suas decisões de direção e abordagem única na narrativa garantiram uma experiência memorável aos jogadores e críticos, que com memória fresca, não hesitaram em votar no título. Alan Wake 2, vindo de uma empresa em ascensão e tratando-se de uma propriedade intelectual “pouco explorada”, foi um tiro no escuro que acertou em cheio, no momento certo.
Alan Wake 2 e Baldur’s Gate III dominaram a temporada de premiações.
Essa ousadia, naturalmente embasada em muito planejamento comercial, permitiu que a Remedy se destacasse frente ao público e aos investidores — por consequência, garantindo um futuro mais promissor para a franquia Alan Wake. Enquanto supomos que Dead Space Remake deva ganhar uma sequência, temos certeza de que a história de Saga Anderson não acabou ainda. E essa é uma diferença bastante significativa para quem é fã ávido de uma obra, como é meu caso com o terror espacial da EA Games.
Se ainda não está convencido de que o calendário de lançamentos faz diferença para o bem-estar de uma franquia de jogos, basta olhar para o azarado caso de Horizon Zero Dawn — que virou até piada. Em 2017, o primeiro título chegou ao mercado exclusivamente para o PS4, o que seria uma ótima estreia, não fosse o lançamento titânico de The Legend of Zelda: Breath of the Wild cinco dias depois.
Após 5 anos de um lançamento bastante prejudicado, mas bem-sucedido, o público finalmente poderia jogar a sequência Forbidden West em fevereiro de 2022. Coincidentemente, os jogadores também poderiam aproveitar o sucesso estelar do momento,o novato Elden Ring, lançado uma semana depois.
E não para por aí: em 19 março de 2023, a promissora DLC Burning Shores foi lançada — chegando há menos de um mês de distância de The Legend of Zelda: Tears of The Kingdom. Como mencionado anteriormente, a questão transcende os méritos criativos e técnicos de cada título, mas passa a se tornar uma difícil decisão financeira para os jogadores. Com tanta disputa, vence o que mais se destaca entre o grande público, seja no coração ou no bolso.
Mesmo com toda sua excelência técnica, franquia Horizon Zero Dawn sofre com lançamentos mal-planejados.
Voltando ao caso de Dead Space Remake, para um exemplo prático: no longo prazo, é mais vantajoso aproveitar a campanha e multiplayer de Call of Duty Modern Warfare 2 junto dos amigos, ou explorar a mesma campanha sozinho até a chegada de uma sequência?
Idealmente, seria ótimo aproveitar os dois — alô, galera do Game Pass —, mas nesta economia, poucos jogadores podem se dar esse luxo, mesmo que sejam fãs de ambas as franquias. Por fim, não ajuda que a precificação da EA Games tenha lançado o título a R$ 338,90 nos consoles no Brasil — contra R$ 259,50 de Resident Evil 4 Remake, para uma comparação.
Ainda que no computador os preços sejam mais baratos, com Dead Space Remake sendo vendido a R$ 249, isso não considera o hardware necessário para rodá-lo com qualidade, algo que acaba limitando parte do público. São múltiplas perspectivas que levam a problemas muito maiores. No fim das contas, o jogador espera uma promoção que pode demorar a chegar, a estreia do título em um serviço de assinatura, ou meios ilegais de reprodução.
Um rei sem coroa
Após muito divagar sobre a percepção do jogo, a existência deste texto se justifica além da mera lembrança de “aniversário” de Dead Space Remake. Após a corrida temporada de premiações do ano passado, eu pude revisitar o título mais uma vez e terminá-lo, novamente, na maior dificuldade disponível — como de costume, em minhas análises. Tendo jogado a obra original, há 15 anos, além de tê-la revisitado antes do remake, foi impossível não ficar encantado com a riqueza de detalhes da nova versão.
O design da USG Ishimura, onde passamos a maioria do jogo, sua atmosfera densa e os detalhes contextuais de sua tripulação tornam o remake uma verdadeira obra-prima. Não que o Dead Space original devesse algo em fidelidade de representação, mas as adições narrativas e visuais do Remake o consagram como a versão definitiva para aproveitar a desventura infeliz de Isaac Clarke — que agora fala e se expressa!
Talvez, uma das mudanças que mais me agradou foi a implementação de um mundo semi-aberto, que possibilitou explorar a nave com mais calma sempre que desejado. Além disso, as missões secundárias incentivam esse deslocamento extra, recompensando o jogador com equipamentos melhores e mais versáteis, muito bem inseridos na narrativa.
Dead Space Remake é a versão definitiva para os fãs da franquia.
Por fim, é preciso destacar que toda essa experiência foi tida na versão de PC do jogo, que recebeu a menor nota entre as plataformas por problemas de otimização. Por aqui, não encontrei as falhas de desempenho, possivelmente por ter jogado já com as correções liberadas ao longo do ano, mesmo usando um notebook gamer equipado com um mero i7 9750H e GTX 1660 Ti. Apesar de não ter experimentado os recursos visuais mais elegantes, como o Ray Tracing, ainda considero a representação gráfica impressionante.
Modesta opinião e longe da fria lógica, Dead Space Remake merecia estar entre os concorrentes ao prêmio de Melhor Jogo do Ano. Não tirando necessariamente a vaga de algum, já que todos ali mereceram a participação, mas somente acrescentando — afinal, seria divertido ver dois remakes single-player de terror disputando com Super Mario Bros. Wonder.
No entanto, as coisas não são tão simples e, talvez com um lançamento mais ambicioso, a obra-prima da Motive Studios poderia ter se consagrado no coração do grande público e levado consigo algumas estatuetas. Resta agora torcer pelo sucesso ao longo prazo, já que Dead Space está ficando mais barato e também está presente no Xbox Game Pass e EA Play, ganhando a chance de conquistar mais jogadores.
E você, concorda que Dead Space Remake tenha sido indicado somente ao prêmio de Melhor Design de Áudio? Nos conte nas redes sociais do Voxel!