A imigração ilegal disparou para o topo das preocupações dos eleitores pela primeira vez nesta década. Péssima notícia para Joe Biden.
Não existe uma experiência nacional comum com a chegada de imigrantes. Ela varia entre estados –mais próximos, ou não, da fronteira com o México— entre cidades e é diferente nas áreas rurais e urbanas, além do fator das atividades econômicas que dependem de mão de obra imigrante.
É fato também que os números sobre o medo da imigração fora de controle não refletem a realidade da exposição pessoal à violência ou da deterioração de qualidade de vida provocadas pela presença de estrangeiros sem documentos. Até cerca de seis anos atrás, eu nunca tinha testemunhado mães latinas vendendo balas com bebês de colo nas esquinas. Não deve ser coincidência, uma vez que me mudei, no mesmo período, de uma área relativamente abastada de Manhattan, para o bairro com maior concentração de dominicanos do país. E a experiência não me causou um só incidente envolvendo imigrantes, mesmo durante a modesta alta do crime na cidade durante a pandemia.
No entanto, quem entrevistar eleitores nos comícios de Donald Trump em estados rurais e brancos vai detectar um pânico pela suposta invasão de não brancos, manifestado por gente que não saberia apontar a Venezuela no mapa.
As mansões de bilionários dos Hamptons, na costa a leste de Nova York, cenários de festas para campanhas republicanas, teriam mato crescido, roupa suja acumulada, banheiros sujos e cocô de cachorro espalhado no quintal, não fosse o silencioso exército de equatorianos e guatemaltecos sem documentos despejados por ônibus diariamente na região.
Trump não inventou o ressentimento econômico ou o racismo anti-imigrante. Apenas quebrou tabus de decência desde que desceu a escada rolante de seu arranha-céu, em 2015, dizendo que o México exportava estupradores para os EUA. Nos anos 1990, boa parte da bile anti-imigrante partia da classe trabalhadora branca desempregada pela globalização, frequentemente eleitores democratas.
A aliança entre a ultradireita e a imprensa reduzida a cabo eleitoral trumpista promove, desde a eleição de Biden, a mentira de que estrangeiros são responsáveis pela onda inexistente de crime urbano no país. Não importa se o FBI voltou a registrar queda nacional de crimes violentos; basta um mexicano cometer assalto ou homicídio, a notícia é amplificada como sinal de uma epidemia causada pela porosa fronteira do sul do país, consumida com avidez por habitantes da bolha exemplificada pela Fox News ou pelo tabloide New York Post, ambos de propriedade do inimigo público global Rupert Murdoch.
Biden daria um tiro político no pé se dissesse a verdade aos eleitores: que a recuperação sem paralelo da economia americana pós-pandemia foi impulsionada por mão de obra estrangeira. A imigração como crise no topo da angústia nacional é produto inegável de propaganda populista que coloca democratas e mídia responsável na defensiva.
É racional argumentar que os planos anunciados por Trump para destruir proteções à democracia constituem urgência maior do que o aumento de chegadas pelo rio Grande? Uma pessoa que discorda afirmou que imigração, inflação (3,5% ao ano) e economia (bombando) são temas mais importantes na cobertura jornalística, por causa das pesquisas. Trata-se de Joe Kahn, editor-chefe do mais influente jornal em língua inglesa, o The New York Times.
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