O avanço das forças russas no norte da Ucrânia, em uma ofensiva que começou na sexta (10) e ameaça romper as defesas da região, obrigou Kiev a recuar seus soldados e a trocar o comando militar local.
Apesar do consenso entre analistas de que a tomada de Kharkiv, a capital regional da região de mesmo nome, é difícil do ponto de vista militar, há um temor crescente de que a segunda maior cidade da Ucrânia volte a ser cercada.
Nesta segunda (13), o governo russo disse que havia consolidado posições em quatro cidades que ameaçam diretamente Vovtchansk, centro mais importante nos 30 km que separam a fronteira da região de Belgorodo (sul da Rússia) de Kharkiv.
A Ucrânia diz que está resistindo, mas a duras penas. O Facebook e outras redes sociais estão recebendo relatos de soldados ucranianos acerca de falhas nas linhas defensivas. Isso pode ter causado a queda do comando militar da região, assumido no fim de semana pelo experiente general Mikhailo Diapati.
Restaram na cidade que tinha 18 mil moradores antes da guerra cerca de 500 civis, segundo a prefeitura local. Os restantes fugiram, a maioria para Kharkiv, e imagens de pessoas apenas com a roupa do corpo desembarcando de vans tomaram a mídia ucraniana.
“É um pesadelo, parece que voltamos no tempo”, disse por mensagem de texto a tradutora Olha Khmelieva, moradora da capital que foi e voltou para sua casa no decurso da guerra. Em 2022, os russos sitiaram Kharkiv e mantiveram intenso bombardeio, sem conseguir tomar a cidade de 1,3 milhão de habitantes.
Em setembro daquele ano, Kiev conseguiu retomar toda a região, humilhando os russos. Desde o fracasso da contraofensiva de 2023, contudo, as forças de Putin vinham pressionando com alguns ganhos a leste da província —e agora abriram a nova frente.
Além de um cerco a Kharkiv, que teria impacto psicológico grande, controlar o norte da região pode criar o tampão desejado por Vladimir Putin entre os mísseis ucranianos e as populações russas no sul do país.
No domingo (12), ao menos 15 pessoas morreram no ataque a um prédio na capital homônima de Belgorodo. Nesta segunda, a Rússia disse ter interceptado 16 mísseis e 31 drones no sul, e pelo menos dois depósitos de combustível foram atingidos por destroços —ou por aviões-robôs que chegaram intactos ao alvo, na versão ucraniana.
O outro efeito óbvio da ação é o desgaste das forças ucranianas, que já enfrentavam perdas consideráveis em Donetsk (leste), que segundo a própria inteligência militar de Kiev corre o risco de cair toda para Moscou. Com a exceção dos dois primeiros meses da guerra, os avanços russos no norte são alguns dos mais rápidos até aqui no conflito.
Novo ministro da Defesa promete ajudar tropas
Em Moscou, o economista indicado por Putin para substituir seu aliado Serguei Choigu como ministro da Defesa, Andrei Belousov, foi sabatinado no Congresso. É uma formalidade a que todos os 10 vice-premiês e 21 ministros do novo gabinete do primeiro-ministro Mikhail Michustin são submetidos.
Ele buscou passar uma mensagem com grande apelo entre os militares, que desconhecem o homem que foi um conselheiro próximo de Putin desde 2012 e ocupava o cargo de vice-premiê para a economia desde 2020 —sendo visto como um dos responsáveis pelo sucesso russo em driblar o torniquete das sanções devido à guerra.
“Eu acho que é uma confusão quando participantes da operação especial que voltam de licença são levados de instituições médicas civis para hospitais que estão simplesmente superlotados. Essa questão tem de ser resolvida”, afirmou.
A falta de apoio aos soldados era uma das queixas constantes contra a gestão de Choigu, sempre levantada por rivais como o falecido líder mercenário Ievguêni Prigojin, que tentou um golpe fracassado contra a cúpula militar em 2023 e acabou morto na sequência.
A indicação de Belousov surpreendeu a Rússia, de toda maneira. O Kremlin disse que ela visa trabalhar com a realidade econômica da guerra, dada a experiência do futuro ministro, conhecido por ser um homem ultrarreligioso e adepto da linha keynesiana, que preconiza o papel do Estado na indução do crescimento.
Mas muitas dúvidas seguem no ar. A principal é o futuro de Nikolai Patruchev, o poderoso secretário do Conselho de Segurança e principal linha-dura ouvido por Putin, que será substituído por Choigu. As novas atribuições do ministro que ocupou a Defesa de 2012 até aqui também são incertas: há quem aposte que ele foi escanteado, há quem diga que ele ganhará mais poder ao fim, esvaziando a cadeira de Belousov.
Como tudo no entorno de Putin, há muitas brumas políticas turvando a leitura do cenário. A permanência do número 2 de Choigu, general Valeri Gerasimov, contudo, sugere um arranjo em que o cenário de manutenção de algum poder do grupo que comandou a invasão da Ucrânia em 2022 é mais factível. Mas apenas o tempo dirá.
A mudança, de todo modo, mexe com as estruturas cinco dias após Putin assumir seu quinto mandato como presidente. No novo gabinete, há 3 novos vice-premiês e 5 novos ministros. Um dos que ficaram, o chanceler Serguei Lavrov, emulou o chefe nesta segunda ao dizer ao Congresso que “a Rússia está pronta para enfrentar o Ocidente no campo de batalha pela Ucrânia”.
Lavrov, no cargo desde 2004, é o decano da diplomacia mundial, e abandonou sua conhecida flexibilidade retórica em favor da agressividade belicista após o início da guerra.