A Ucrânia afirmou ter afundado nesta quarta (14) mais um navio da Frota do Mar Negro da Rússia, o principal calcanhar de Aquiles militar das forças de Vladimir Putin na guerra iniciada pelo Kremlin há quase dois anos.
Vídeos divulgados pelo GUR, o serviço de inteligência militar ucraniano, mostraram a ação contra o navio de assalto anfíbio e transporte Tsezar Kunikov perto de Alupka, costa sul da Crimeia, península anexada pelos russos em 2014.
Tanto o órgão quanto do Estado-Maior ucraniano afirmaram que a ação foi bem-sucedida. “As Forças Armadas da Ucrânia, junto com a unidade de inteligência do Ministério da Defesa, destruíram o Tsezar Kunikov”, afirmaram os militares no Telegram.
Os vídeos sugerem um ataque múltiplo com botes-robôs do tipo Magura V5, os mais eficazes em uso pela Ucrânia. É possível distinguir o navio claramente e uma grande explosão, mas não se sabe o destino da embarcação. Fotografias feitas da costa mais tarde apontavam uma grande coluna de fumaça, mas não o afundamento.
O Kremlin não comentou o caso, o que indica que a ação ocorreu como Kiev disse. Ela reforça o caráter assimétrico da guerra neste momento e volta a expor a principal vulnerabilidade russa no conflito: a incapacidade de defender sua frota no mar Negro. Kiev estima ter afundado ou incapacitado 20% da frota russa lá.
A pequena Marinha ucraniana foi dizimada na guerra, o que na teoria daria controle total das águas para os russos. Houve uma reação mais vistosa com o afundamento da nau-capitânia russa na região, o Moskva, no início do conflito. Mas foi a partir do ano passado, contudo, que ataques com drones aquáticos e mísseis de cruzeiro dados pela França e Reino Unido mudaram o cenário.
De lá para cá, Moscou viu destruídos ou danificados navios no mar e em portos, e até um submarino em reparos numa doca de Sebastopol acabou destruído. O mais recente ataque havia ocorrido no dia 1º, quando um enxame de drones Magura V5 atingiu a corveta Ivanovets, que ficou bastante danificada.
Tais ataques têm valor militar, já que o Tsezar Kunikov era usado para levar equipamentos e tropas da Rússia para as áreas ocupadas da Ucrânia, mas principalmente simbólicos. Eles, assim como incursões de drones contra alvos dentro do território russo, não mudam a rota da guerra, mas mostram capacidade de reação de Kiev em um momento crítico.
A Rússia parece perto, segundo sites de análise militar, de conquistar Avdiivka, cidade estratégica de Donetsk, no leste. Se isso ocorrer, um corredor para a conquista dos talvez 45% da região que ainda estão nas mãos ucranianas pode se abrir —bem a tempo da eleição presidencial russa, que ocorre daqui a um mês.
Além disso, as ações mais espetaculares servem de propaganda para a campanha do presidente Volodimir Zelenski para angariar apoio militar no Ocidente, que vem diminuindo. O Senado americano enfim aprovou o pacote que dá R$ 300 bilhões a Kiev, mas dificilmente a medida passará ilesa, se é que passará, na Câmara dominada pelos republicanos de Donald Trump.
A Ucrânia tem gasto o que pode, mas seus recursos são limitados. Segundo divulgou na terça (13) o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, Kiev aumentou em nove vezes seu orçamento militar próprio, para US$ 31,1 bilhões, mas isso é menos de 10% do que recebeu em apoio desde o começo da guerra.
Enquanto isso, o Kremlin negou nesta terça que Putin tenha feito uma oferta de negociação de paz sobre a guerra diretamente com os EUA, conforme a agência Reuters havia dito na véspera. Boatos do gênero têm se tornado comuns, baseados no controle russo de 20% da Ucrânia e no fato de a contraofensiva de Kiev ter falhado, levando Kiev a se entrincheirar.
Uma sinalização clara de conversa foi dada pelo presidente russo ao conceder entrevista para o apresentador conservador Tucker Carlson, na semana passada. Desconsiderando a Ucrânia na equação, Putin deixou clara a disposição de conversar sobre a guerra com quem considera o patrono de Kiev, no caso os EUA.
Zelenski, que trocou o comandante de suas Forças Armadas em meio a esse clima, por óbvio não quer ouvir falar de paz com perda de territórios, algo que virou lugar-comum nas conversas diplomáticas e políticas do Ocidente. Daí também o incentivo a ações como a desta quarta.