O TPI (Tribunal Penal Internacional) emitiu nesta terça (25) uma ordem de prisão contra os homens que arquitetaram a invasão da Ucrânia pela Rússia, o ex-ministro da Defesa Serguei Choigu e seu número 2, general Valeri Gerasimov, que segue no cargo e à frente das operações contra o vizinho.
A corte, baseada em Haia (Holanda), é a mesma que em 2023 pediu a prisão do presidente Vladimir Putin, acusando o líder e uma burocrata de seu governo de terem organizado a deportação ilegal de milhares de crianças ucranianas.
Agora, a acusação de crime de guerra é de que, na condição de condutores do conflito, Choigu e Gerasimov são suspeitos de ordenar ataques diretos contra civis. Ao longo da guerra, a Rússia sempre afirmou que apenas ataca alvos militares ou a infraestrutura energética ucraniana, o que na prática evidentemente não acontece.
Tipificar isso como um crime deliberado para matar inocentes é mais complicado, contudo —o mesmo se pode dizer sobre as ações ucranianas, como o bombardeio que atingiu veranistas na Crimeia no domingo (23), que Moscou chamou de “ataque bárbaro” perpetrado com orientação dos Estados Unidos.
O Conselho de Segurança da Rússia, que hoje é comandado por Choigu, disse que o pedido é apenas parte da “guerra híbrida do Ocidente” contra a Rússia. A posição repete o Kremlin no caso de Putin, de que de que a corte é um joguete ocidental, que o procurador britânico que apura crimes na guerra é parcial e que as decisões de Haia são inócuas.
No último item, é possível dar razão relativa a Moscou. O caráter das decisões do TPI, que nunca miram países e sim indivíduos, é usualmente simbólico. Nem Rússia, nem Estados Unidos ou Ucrânia estão entre os 124 países que reconhecem a jurisdição do tribunal.
O que ocorre, como no caso de Putin, são embaraços diplomáticos. No ano passado, o presidente russo deixou de ir a uma reunião do grupo Brics na África do Sul pessoalmente porque havia um debate público por lá se as autoridades poderiam ou não ignorar o fato de que a nação reconhece o TPI.
O país havia ficado famoso por livrar o então ditador sudanês Omar al-Bashir da cadeia pedida pela corte durante uma visita ao país em 2015, mas Putin achou melhor não arriscar.
Por outro lado, o governo brasileiro produziu um parecer jurídico encontrando uma forma de driblar a obrigação de prender Putin caso ele venha ao encontro do G20 no país, no fim do ano, como o presidente Lula (PT) gostaria. O Itamaraty submeteu a interpretação do texto, que fala de forma genérica na imunidade de autoridades, à ONU.
Como não se supõe que Choigu ou Gerasimov tenham planos de tirar férias em alguma praia de país signatário do Estatuto de Roma, que criou o TPI, por ora a decisão é mais um item contencioso na pauta internacional. A corte prendeu 21 pessoas desde 2002.
Por óbvio, circunstâncias políticas mudam. O ex-presidente sérvio Slobodan Milosevic, líder do país balcânico durante as guerras da dissolução da Iugoslávia nos anos 1990, foi preso pelo tribunal específico para lidar com aquele conflito por um governo sucessor do seu —ele morreu na cadeia, em 2006.
Choigu foi derrubado do cargo em maio, após 11 anos. Um dos mais poderosos ministros de Putin, ele sofreu grande desgaste pelo fracasso em subjugar a Ucrânia rapidamente em 2022. Agora, é o chefe do Conselho de Segurança Nacional, mas sua influência parece ter sido tolhida. Ele foi substituído por um tecnocrata, Andrei Belousov.
Já Gerasimov, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, é visto como o cérebro militar da operação e igualmente objeto de críticas, embora a recuperação da iniciativa pelos russos tenha mudado a situação. Seja como for, ele permaneceu na posição e no comando geral das ações contra Kiev, ao menos por ora.
ZELENSKI DERRUBA OUTRO GENERAL
Do outro lado da fronteira, os problemas são de outra natureza. Na segunda (24) o presidente Volodimir Zelenski tirou do cargo o general encarregado da defesa da região mais disputada na guerra, o leste da Ucrânia.
Iurii Sodol estava no comando das Forças Conjuntas da Ucrânia desde o começo do ano, e foi alvo de críticas duras feitas por Bohdan Kortevitch, chefe do Estado-Maior do Batalhão Azov —unidade de elite cuja inspiração neonazista é uma dor de cabeça publicitária par Kiev.
Kortevitch divulgou no Telegram ter entrado com uma ação contra Sodol no Escritório Estatal de Investigação, dizendo que ele “havia matado mais soldados ucranianos do que qualquer general russo” devido à sua incompetência.
A turbulência não é nova. No começo do ano, Zelenski removeu o popularíssimo general Valeri Zalujni da chefia das Forças Armadas, após as suas divergências com o militar tornarem-se cada vez mais públicas. Outros oficiais-generais também foram demitidos.
Ela reflete as dificuldades em campo, dado que a contraofensiva de 2023 contra Moscou fracassou e os russos retomaram a iniciativa com uma frente nova no norte do país e avanços no leste e sul. A demora ocidental em retomar o apoio militar a Kiev também ajudou a bagunçar o moral ucraniano.
Ainda que a falta de homens seja crônica, ao menos a munição parece que começou a chegar na linha de frente. Múltiplas reportagens surgidas de viagens coordenadas pelas Forças Armadas para jornalistas visitarem as trincheiras em Donetsk (leste) contam que ao menos naqueles pontos a escassez de obuses de artilharia acabou.