Os olhos esbugalhados. É disso que me lembro de Schilacci, nas suas vibrantes e incontidas comemorações de gol na Copa do Mundo de 1990.
A então tricampeã mundial Itália jogava em casa, em momento de alta do campeonato local.
O Italiano era à época a mais relevante competição no mundo, todo jogador queria jogar “no Calcio”, no Milan dos holandeses Gullit e Van Basten, no Napoli do argentino Maradona, na Inter de Milão dos alemães Matthäus e Klinsmann, na sempre poderosa Juventus… que tinha um tal de Schillaci (pronuncia-se isquiláti), então não afamado.
Alguns poucos brasileiros chegaram lá, e os principais nomes, quando da Copa de 90, eram o atacante Careca (ex-São Paulo) e o volante Alemão (ex-Botafogo), do Napoli e titulares da seleção brasileira.
Seleção essa que caiu logo, nas oitavas de final, ao perder por 1 a 0 para a Argentina de Maradona e Caniggia, autor do gol da eliminação do Brasil comandado por Sebastião Lazaroni, que inovou ao fazer o Brasil jogar com três zagueiros, sendo um deles (Mauro Galvão) o líbero. Não funcionou.
Prossegui acompanhando a Copa, já que meu interesse não se restringia à seleção canarinho. Uma Copa que ficaria marcada ao seu término como a de menor média de gols, 2,21 por jogo –recorde negativo mantido até hoje.
Uma das atrações do Mundial era a Squadra Azzurra, por ser a anfitriã. Defesa forte e segura (com Franco Baresi e Paolo Maldini), ataque sem sustância, problemático, como quase sempre. Naquele time estava o competente volante Carlo Ancelotti, que viria a se tornar um dos melhores treinadores da história.
Salvatore Schilacci, apelidado Totò, era citado nas transmissões televisivas –eu via os jogos pela Bandeirantes– como o siciliano da equipe italiana. Nasceu em Palermo, a capital da ilha.
O camisa 19 não começou a Copa como titular, a dupla de ataque era Gianluca Vialli e Andrea Carnevale. Com a pouca inspiração de ambos, Schillaci deu início à sua odisseia no torneio ao sair da reserva e fazer o gol da vitória por 1 a 0 sobre a Áustria, na estreia.
Entrou no decorrer da segunda partida (não marcou no 1 a 0 nos EUA), e na terceira começou jogando ao lado de Roberto Baggio, que seria, junto com Romário, o grande jogador da Copa seguinte, a de 1994, nos EUA, quando o Brasil ganhou o tetra.
Mesmo sem ser alto (1,73 m), marcou de cabeça –assim como fizera diante dos austríacos– e abriu o caminho para a vitória por 2 a 0 contra a Tchecoslováquia.
Raçudo e determinado, tornou-se titular inconteste da seleção dirigida por Azeglio Vicini (1933-2018), relegando ao banco, além de Vialli e Carnevale, atacantes de mais nome, como Roberto Mancini e Aldo Serena.
E prosseguiu sua saga artilheira.
Nas oitavas de final, o gol mais bonito da campanha, um chutaço de canhota de fora da área, o primeiro do 2 a 0 no Uruguai. Nas quartas, 1 a 0 na Irlanda, aproveitou um rebote do goleiro Pat Bonner.
Na semifinal, novo momento de oportunismo, em novo rebote aproveitado, dessa vez depois de defesa parcial de Goycochea. Porém não foi suficiente para classificar a Azzurra para a decisão.
Jogando em Nápoles, na casa de Maradona, a Argentina empatou (Caniggia, o algoz do Brasil), e a vaga foi decidida nos pênaltis.
Goycochea, que virou titular depois que Pumpido quebrou a perna na segunda partida na Copa, contra a URSS, não passava segurança, mas era ótimo pegador de pênaltis. Defendeu dois –Schillaci não chegou a bater.
A Itália tinha mais time que a Argentina, contudo teve de se contentar em disputar o terceiro lugar. Schillaci fez o segundo no 2 a 1 na Inglaterra, de pênalti, deslocando o goleiro Shilton. Foi o gol do bronze, desempatando o confronto.
Arregalou os olhos, na celebração, pela última vez naquela Copa.
Que foi a Copa da Alemanha, campeã, e também a Copa de Totò Schillaci, seu artilheiro: seis gols em sete jogos, em uma das melhores performances de um atacante em um único Mundial.
“O” personagem da Copa de 90 (mais que Maradona, Matthäus, Völler, Klinsmann, Caniggia, Goycochea, Gascoigne, Milla) morreu nesta semana, de câncer no cólon, aos 59 anos. Deixa saudade.