O presidente do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), Décio Lima, afirma que o país ainda enfrenta um grande obstáculo ao crescimento dos pequenos negócios: a taxa de juros. Por isso, ele defende uma política de crédito que atenda às necessidades do MEI (Microempreendedor Individual) e das micro e pequenas empresas, hoje responsáveis por 30% do PIB (Produto Interno Bruto) e pela geração de oito em cada dez postos de trabalho.
Em entrevista o R7, Lima disse que uma parceria com bancos e governo federal deverá viabilizar a concessão de R$ 30 bilhões em crédito aos pequenos negócios nos próximos três anos, com juros baixos
Além disso, o Desenrola Brasil, que já renegociou dívidas de mais de 12 milhões de pessoas, terá uma versão com foco no empreendedor. O programa, que deverá ser anunciado em breve pelo ministro do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, Márcio França, tem previsão de retirar da inadimplência 6,5 milhões de MEI, micro e pequenas empresas.
“Vamos recuperar a confiança desses empresários e oferecer as condições necessárias para crescerem”, afirma. Segundo o Sebrae, os pequenos negócios são responsáveis pela sobrevivência de 86,5 milhões de brasileiros, o que equivale a aproximadamente 40% da população do país. Leia a seguir a entrevista.
R7 Entrevista — Qual é a expectativa para os pequenos negócios em 2024?
Décio Lima — Olhando particularmente para as micro e pequenas empresas, vimos que elas foram responsáveis por gerar 8 em cada 10 vagas de empregos formais em 2023.
Sendo assim, 2024 é o ano para colocarmos os pés firmes e levarmos o país para um novo patamar de crescimento, com a retomada da industrialização, com programas para impulsionar a nossa economia, que é plural e sempre haverá de responder às dificuldades históricas.
Temos convicção de que um dos principais espaços que serão abertos para as MPE (Micro e Pequenas Empresas) será a indústria. A Nova Política Industrial (NPI), coordenada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, dentro do programa Brasil Mais Produtivo, vai contribuir para aumentar a competitividade e a produtividade das nossas micro, pequenas e médias indústrias. Um país rico como o Brasil não pode ficar refém de agregação de valores por processos industrializados lá fora. O que acontece hoje: os estrangeiros compram a nossa matéria-prima, levam e depois vendem para nós.
Quais medidas são fundamentais para estimular os pequenos negócios e quais devem avançar neste ano?
Nós entendemos que o país ainda enfrenta um grande obstáculo ao crescimento dos pequenos negócios: a taxa de juros. Quando o pequeno empresário vai ao banco, ele mal se senta na cadeira, essa é que é a grande verdade. Nesse sentido, temos trabalhado aqui no Sebrae – em parceria com o governo federal e os bancos públicos e privados, o BNDES e com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) – para viabilizar a concessão de R$ 30 bilhões em crédito aos pequenos negócios nos próximos três anos, com juros baixos.
Esse montante corresponde, praticamente, ao total já disponibilizado pelo Sebrae ao longo de 30 anos de funcionamento do Fundo de Aval para as Micro e Pequenas Empresas (Fampe). O Sebrae será um grande avalista, em especial, para os Microempreendedores Individuais (MEI). O esforço é tornar esses empreendedores protagonistas na distribuição de renda para o país. Para isso, precisamos garantir a cidadania financeira.
O Desenrola Brasil com foco nos pequenos negócios está em fase de conclusão. Como o senhor avalia?
Estamos trabalhando no desenvolvimento de uma política de governo para levar aos donos de pequenos negócios as mesmas condições que foram um sucesso com o Programa Desenrola voltado aos brasileiros endividados. Vamos levar o Desenrola para aqueles que têm CNPJ e que se encontram em condições de não poderem ter crédito no mercado.
Nós temos 6,5 milhões de pessoas, de empreendedores, que de certa forma conseguiram pegar crédito, mas que não era aquele destinado para a sua micro e pequena empresa. Ou seja, agora elas não conseguem acessar recursos como empresa e já estão com o ‘nome sujo’ e inadimplentes. Vamos recuperar a confiança desses empresários e oferecer as condições necessárias para crescerem.
Citada na mensagem enviada pelo governo ao Congresso Nacional, a chamada rampa de transição recebeu o seu apoio. Como essa medida vai funcionar na prática?
O governo federal elegeu, como um dos temas prioritários na agenda do Congresso Nacional este ano, a adoção de medidas para incrementar as políticas públicas e estratégias voltadas aos empreendedores brasileiros.
Entre elas, um dos principais destaques é a criação da chamada “rampa de transição” para facilitar e estimular o processo de transformação de MEI para microempresa.
De acordo com a proposta, o MEI que exceder o teto do faturamento em até 20% terá um prazo de 180 dias para fazer os ajustes necessários e avaliar se o aumento representa, de fato, uma mudança no perfil da empresa ou se é apenas um pico de vendas.
Nesse período, não precisaria emitir nota fiscal para todas as vendas, contratar contador e realizar ajustes na Junta Comercial. Em caso de faturamento acima de 20% do limite, continuará a regra que determina o desenquadramento do MEI. A proposta da “rampa de transição” eliminaria a retroatividade na transição do regime tributário. Atualmente, o empreendedor tem que pagar todos os impostos retroativos a janeiro do ano que ocorreu a ultrapassagem.
A mudança do limite do MEI também está em discussão?
As discussões em torno de alterações na figura do Microempreendedor Individual estão avançando no Congresso Nacional. A ideia é permitir a ampliação do limite anual de faturamento da categoria de R$ 81 mil para R$ 144,9 mil.
A proposta de aumento no teto do MEI terá de vir, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, acompanhada de uma nova faixa de alíquota do Simples Nacional, que funcionaria da seguinte forma: os microempreendedores, cujo faturamento não ultrapasse R$ 81 mil por ano, continuariam pagando um valor fixo estipulado em 5% do salário-mínimo. Já os que faturam de R$ 81 mil a R$ 144.912 mil desembolsariam R$ 181,14, quantia que representa 1,5% de R$ 12.076, o correspondente ao teto mensal de faturamento proposto para o MEI.
Trabalhamos com o governo na construção dessa proposta de mudanças. Apoiamos o aumento do teto do MEI e defendemos um marco legal que deixe esse processo de transição mais claro e simples para o empreendedor, evitando, por exemplo, que ao fim do ano ele seja desenquadrado porque ultrapassou o limite durante um mês.
Qual é a orientação que o senhor dá a quem está começando a empreender neste ano?
A era digital trouxe consigo um consumidor mais informado, exigente e conectado, criando um cenário onde a adaptação é vital para a sobrevivência e prosperidade dos empreendimentos. Nesse sentido, uma das principais orientações é que o empreendedor se capacite e esteja preparado para atender o seu público de forma ágil e eficiente. Investir na digitalização do modelo de negócio é o primeiro passo fundamental.
O Sebrae elaborou um guia que aponta que saúde e bem-estar, tecnologias inovadoras, alimentação saudável e sustentável e negócios digitais são algumas das melhores áreas para se investir em 2024. Também estamos trabalhando para intensificar a internacionalização das pequenas empresas no país.
Como o senhor avalia o setor de micro e pequenas empresas no ano passado?
É importante considerar, quando avaliamos a situação das pequenas empresas e da própria economia brasileira em 2023, que o Brasil precisou sair do abismo em que se encontrava, devido a um governo que perdeu a credibilidade de liderar os processos nacionais e internacionais e, com isso, lesou drasticamente o país. O Brasil havia perdido a crença na sua institucionalidade e o controle de sua governança.
Em 2023, o cenário se transformou: o presidente Lula lidera o G20 e o Mercosul, temos a ex-presidenta Dilma Rousseff à frente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o banco do Brics. Estamos diante de uma nova ordem econômica global.
Para se ter ideia da importância desse momento, abrimos no ano passado 71 novos mercados internacionais com quem não mantínhamos relações e retomamos a política de integração econômica no Mercosul e nos países do Sul Global. Integração marcada pelo resgate dos valores humanitários, da sustentabilidade, inovação e, principalmente, pela solidariedade e inclusão.