Um dos juízes mais conservadores da Suprema Corte dos EUA vem sofrendo críticas desde que uma reportagem do The New York Times publicada nesta quinta-feira (16) revelou que uma bandeira americana foi hasteada de cabeça para baixo na sua casa dias antes da posse de Joe Biden em janeiro de 2021.
Samuel Alito, 74, é o magistrado mais influente da ala conservadora do tribunal e o principal arquiteto da decisão controversa que revogou o direito ao aborto nos EUA em 2022. Ele foi o autor do texto que derrubou o precedente conhecido como Roe vs. Wade, que garantia desde 1973 que estados não poderiam interferir no direito da mulher de interromper a gravidez.
Hastear a bandeira nacional de cabeça para baixo foi um símbolo utilizado por trumpistas que defendiam a teoria da conspiração criada pelo próprio Donald Trump segundo a qual houve fraude nas eleições que terminaram com a vitória de Biden em 2020 —a campanha de questionamentos à integridade do pleito culminou no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
A revelação de que um símbolo trumpista foi exibido na casa de Alito no dia 17 de janeiro, logo após a invasão e três dias antes da posse de Biden, gerou dúvidas a respeito da isenção do juiz e da Corte, que analisa casos relacionados à tentativa de Trump de reverter o resultado das eleições.
Alito disse ao The New York Times que a bandeira foi hasteada pela esposa, Martha-Ann Alito, depois de uma briga com um vizinho, que havia pendurado em seu jardim da frente um cartaz atacando Trump, e que ele não se envolveu com a decisão.
O presidente do Comitê do Judiciário do Senado dos EUA, o democrata Dick Durbin, disse que “hastear uma bandeira de cabeça para baixo claramente cria uma aparência de parcialidade”, e afirmou que Alito deveria se declarar impedido de julgar os dois casos que tramitam na Suprema Corte envolvendo a eleição de 2020.
O primeiro analisa um pedido da defesa de Trump, que afirma que ele deve ser considerado imune por ações que cometeu enquanto era presidente e que, por isso, não pode ser acusado de tentar reverter sua derrota eleitoral em 2020. O segundo vai decidir se um homem envolvido com o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro pode ou não ser acusado de obstrução de Justiça —outro caso importante para Trump, que é acusado do mesmo crime.
“A Suprema Corte passa por uma crise ética causada por ela mesma, e Alito e seus colegas deveriam fazer todo o possível para reconquistar a confiança do público”, disse Durbin.
O senador fazia referência a outros casos recentes que colocaram a isenção de juizes em cheque. Em 2023, o site ProPublica revelou que o magistrado Clarence Thomas, outro conservador, aceitou presentes luxuosos do bilionário do ramo de imóveis Harlan Crow. O empresário, inclusive, bancou os estudos de um dos filhos de Thomas em uma escola privada.
Além disso, Thomas fez ao menos 38 viagens de férias com empresários a bordo de iates e jatinhos, além de ter recebido ingressos para áreas VIP de eventos esportivos profissionais e de universidades. No ano passado, o próprio Alito também admitiu que aceitou uma viagem de jatinho até o Alasca para pescar com um bilionário do mercado financeiro que movia ações na Suprema Corte.
Em novembro, sob pressão, o tribunal publicou pela primeira vez na sua história um código de conduta que estabelece exigências éticas dos magistrados em relação a presentes e relações de negócios.
Alito chegou à Suprema Corte em 2006, indicado pelo presidente republicano George W. Bush, e se tornou um dos mais influentes juízes do tribunal. Conservador, Alito liderou a articulação interna na corte para que o direito ao aborto fosse derrubado nos EUA, de acordo com uma reportagem do The New York Times, e atuou para arregimentar o apoio do resto da ala conservadora da corte —que, graças às três indicações de Donald Trump, hoje conta com cinco dos nove juízes.
Além disso, Alito foi voto vencido em uma decisão de 2021 na qual a Suprema Corte se recusou a analisar um pedido do Partido Republicano para que votos por correio fossem descartados no estado da Pensilvânia na eleição de 2020. A corte ainda analisava o caso quando a bandeira foi hasteada na casa de Alito.