Um número cada vez maior de pessoas atravessa para os Estados Unidos, mas a fronteira sul não é o único local onde a crise migratória se desenrola.
No principal aeroporto internacional da Colômbia, cerca de 4.800 km em direção ao sul, centenas de migrantes africanos aterrissam diariamente na esperança de chegar aos Estados Unidos por essa rota. Para isso, pagam aos atravessadores cerca de US$ 10 mil por um pacote de voos.
A onda de migrantes africanos no aeroporto de Bogotá começou no ano passado. É um exemplo dramático do impacto de um dos maiores movimentos globais de pessoas nas últimas décadas. Mostra também como os padrões de migração estão se alterando.
Alguns países africanos enfrentam crise econômica e convulsão política. A Europa está reprimindo a imigração. Assim, os africanos são obrigados a fazer uma viagem mais longa para chegar aos Estados Unidos.
Os migrantes em Bogotá provêm, principalmente, de países da África Ocidental, como Guiné, Mauritânia, Senegal e Serra Leoa, embora alguns venham de países do extremo leste, como a Somália.
O principal destino deles é a Nicarágua, o único país da América Central onde cidadãos de muitas nações africanas – e do Haiti, de Cuba e da Venezuela – podem entrar sem visto. Especialistas dizem que o presidente do país, Daniel Ortega, afrouxou as exigências de visto nos últimos anos para obrigar os Estados Unidos a suspender as sanções que impuseram a seu governo de tendência autoritária.
Para chegar à Nicarágua, os migrantes embarcam em uma viagem com várias paradas. Voam para Istambul, na Turquia, depois para a Colômbia, de onde saem para El Salvador e, em seguida, para a Nicarágua. (Não há voos diretos entre a Colômbia e a Nicarágua.) Uma vez lá, seguem novamente para o norte, por terra, em direção ao México e à fronteira com os Estados Unidos. A viagem foi chamada ironicamente pelos funcionários das companhias aéreas de “rota de luxo”, e inclui a perigosa passagem na selva que liga a América do Sul à América do Norte, chamada Estreito de Darién.
No ano passado, 60 mil africanos entraram no México a caminho dos Estados Unidos. No ano anterior, foram menos de sete mil, como informaram as autoridades mexicanas. (As travessias globais na fronteira sul diminuíram no início deste ano, mas a regularidade com que se repetem não é incomum, e podem ser afetadas por eventos da época, pelo clima e por outros fatores.)
Djelikha Camara, de 24 anos, que estudou engenharia na Guiné, estava entre os que desembarcaram recentemente no Aeroporto Internacional El Dorado, em Bogotá, em um voo que partiu de Istambul. Ela disse que queria sair porque o golpe militar de 2021 mergulhou o país em uma crise grave. Nas redes sociais, viu anúncios da jornada transatlântica e resolveu experimentar.
Segundo autoridades da companhia aérea Turkish Airlines, o voo diário que sai de Istambul para Bogotá se tornou a rota mais popular para os migrantes africanos que tentam chegar à Nicarágua. Outras rotas transatlânticas – a partir da Espanha e do Marrocos, com paradas na Colômbia ou no Brasil – também cresceram. Essas mesmas autoridades revelaram que agentes de viagens sediados na África compram bilhetes em massa e os revendem com lucro, anunciando-os on-line, inclusive em um grupo do WhatsApp, na Guiné, com milhares de membros, chamado “Vamos deixar o país”.
O diretor de migração da Colômbia, Carlos Fernando García, afirmou que um grande número de cidadãos vindos da África começou a aparecer no aeroporto de Bogotá na primavera passada, depois que o governo suspendeu os requisitos de visto de trânsito para cidadãos de vários países africanos com o objetivo de estimular o turismo.
De acordo com dados de migração, mais de 56 mil pessoas oriundas desse continente transitaram pela Colômbia em 2023. As autoridades não forneceram dados dos anos anteriores, mas grupos de imigrantes disseram que, no geral, em comparação ao ano passado, houve um grande aumento do fluxo no aeroporto, alimentado, principalmente, pelos migrantes africanos.
Embora o voo seja menos perigoso que a travessia inclemente através da selva, os migrantes também enfrentam privações no aeroporto de Bogotá. Alguns tiveram de esperar por voos de conexão durante muitos dias depois da chegada. Outros ficaram retidos, depois de descobrir que El Salvador, o próximo país no itinerário, cobra uma taxa de trânsito de US$ 1.130 das pessoas vindas da África. O aeroporto não tem camas ou chuveiros para os migrantes. Comida e água são vendidas em lanchonetes que cobram caro. Houve surtos de gripe. Uma mulher entrou em trabalho de parto. Em dezembro, duas crianças africanas foram achadas em um banheiro, depois de ser abandonadas por viajantes que não eram seus pais.
García declarou que as companhias aéreas são responsáveis pelos passageiros no aeroporto entre os voos, e não o governo: “As empresas privadas estão falhando em seu dever. Na pressa de ganhar dinheiro, estão deixando os passageiros encalhados.”
A Turkish Airlines não respondeu a um pedido de comentário. Já a Avianca, companhia aérea colombiana que opera várias rotas usadas por migrantes africanos com destino à Nicarágua, alegou que é obrigada a transportar qualquer passageiro que atenda aos requisitos de viagem.
No aeroporto de Bogotá os migrantes são, em grande parte, mantidos fora da vista de outros passageiros. Mouhamed Diallo, de 40 anos, jornalista que lecionou cursos universitários em Conacri, capital da Guiné, disse ter passado dois dias na área de desembarque, antes que lhe permitissem entrar na área de partida no dia de seu voo para San Salvador, em El Salvador.
“Encontrei uma pessoa que saiu ontem de lá e que tinha ficado retida por 12 dias.” Diallo, como muitos africanos que usam esta rota, são profissionais educados, com parentes nos Estados Unidos e na Europa, que ajudaram a pagar suas passagens. Deixou a Guiné porque se sentia inseguro depois do golpe militar. Ele é fulani, o grupo étnico majoritário do país, e apoiou um líder da oposição que se exilara. “Seu líder sai, você sai. Se não fizer isso, acaba na prisão”, observou ele.
Alguns migrantes estavam presos no aeroporto. Kanja Jabbie, ex-policial de Serra Leoa, contou que pagara US$ 10 mil para viajar à Nicarágua. Mas só soube da taxa de trânsito que El Salvador exige depois de chegar à Colômbia. Não tinha dinheiro, e não havia como conseguir. Não há lugar para receber transferências bancárias no terminal, nem mesmo um caixa eletrônico. “Estou preso”, disse Jabbie, de 46 anos, que passou três dias vagando pelo terminal, sobrevivendo à base de chá.
A taxa, que El Salvador impôs no outono passado, chamando-a de “taxa de melhoria do aeroporto”, tem sido a principal causa para a retenção de passageiros no aeroporto de Bogotá, segundo as autoridades da companhia aérea. A Nicarágua também cobra uma taxa, menor, para pessoas da África. Mas, nenhum dos governos respondeu a um pedido de comentário.
A área em torno do Portão A9, onde os voos diários partem para San Salvador, está cheia de migrantes. As pessoas dormem pelos cantos, ou ajoelhadas como na oração muçulmana, usando cobertores de avião. Estão abandonadas. Uma mulher grávida, da Guiné, sentou-se no portão uma tarde de janeiro. Quando lhe perguntaram por que saíra de seu país, ela mostrou uma foto na qual seu rosto aparecia brutalmente espancado. Puxou para trás uma das mangas da camisa e expôs uma cicatriz.
“Estou aqui para salvar minha vida e a de meu bebê. Estou me escondendo do meu marido e espero poder chegar aos EUA”, disse a mulher, que, para sua segurança, pediu que fosse identificada apenas por T., a primeira inicial de seu nome. T. tinha chegado a Bogotá quatro dias antes. Seu voo da Avianca para El Salvador saíra naquele dia, mas ela fora retida sem saber a razão.
Funcionários do aeroporto e das companhias aéreas – que disseram não estar autorizados a falar publicamente – revelaram que os passageiros regulares às vezes reclamam dos migrantes que não conseguem tomar banho. Em resposta, a tripulação de cabine da Avianca repete o lema da empresa: “O céu pertence a todos.”
De acordo com trabalhadores das companhias aéreas, muitas vezes os migrantes adoecem depois que ficam presos em locais apertados. Alguns deles parecem fragilizados. Na primavera passada, em um voo de Madri para Bogotá, um homem da Mauritânia morreu de ataque cardíaco. Desde dezembro, quando as duas crianças migrantes foram deixadas para trás no aeroporto, as autoridades colombianas assumiram uma posição mais dura. Determinaram que as companhias aéreas verifiquem se as crianças estão viajando com adultos que são seus pais. Também pressionaram para permitir a bordo apenas pessoas que têm voo de conexão dentro de 24 horas.
Os agentes migratórios também começaram a cercar migrantes cuja passagem expirou, que permanecem no aeroporto por mais de um dia ou que vêm de um país africano do qual a Colômbia ainda requer visto de trânsito. Estão mandando-os em voos de volta para Istambul. Jabbie, o policial de Serra Leoa, era um deles.
Pelo menos um episódio se tornou violento. Neste mês, três mulheres de Camarões resistiram e foram arrastadas, gritando pelos corredores do aeroporto. Policiais e agentes de imigração as atacaram repetidamente com uma arma de choque. “Quando desfalecemos, nos colocaram no avião”, contou Agnes Foncha Malung, de 29 anos, cujo trabalho é fazer tranças em cabelos. Ela decidiu deixar sua terra natal com duas amigas, depois que a casa de alguns parentes foi queimada em meio aos confrontos entre facções de língua inglesa e francesa, em Camarões.
Segundo autoridades de migração, as mulheres foram detidas no aeroporto de Bogotá por vários dias sob alegação de problemas com o visto, antes de ser deportadas. Malung, falando por telefone de Camarões, disse que, no momento, as três estão compartilhando um quarto alugado, até que definam qual serão seus próximos passos. “Isso me custou muito”, comentou ela, que pagou US$ 11.500 pela viagem. As autoridades migratórias não responderam a pedidos repetidos de comentários sobre o incidente.
Apesar das dificuldades, muitos migrantes africanos conseguiram chegar aos Estados Unidos. Diallo, o jornalista, chegou ao Aeroporto La Guardia, em Nova York – seu nono aeroporto em 17 dias – em um dia frio de janeiro. Disse que tinha viajado pela América Central e pelo México em veículos de atravessadores e que tremera durante toda a noite, no Arizona, antes de ser pego pela Patrulha de Fronteira dos EUA e solicitar asilo.
Depois de ser libertado, depois de uma ida ao tribunal de imigração, seguiu para o Bronx para se juntar ao irmão. Eles dividem um apartamento apertado e Diallo o ajuda na loja de conveniência. Perguntado se pretendia trazer sua esposa e filhos cruzando a mesma rota, Diallo respondeu: “Não, nunca na minha vida. Estou traumatizado.”
c. 2024 The New York Times Company
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