Em meio aos levantes na Venezuela que seguiram o contestado anúncio de que Nicolás Maduro teria sido reeleito para mais seis anos no poder, não há unanimidade entre a parcela da população que se opõe ao regime. Alguns dizem que “é agora ou nunca” para pressionar pela queda da ditadura. Outros se mostram esgotados.
Dona de casa, Guillerma Ríos, 70, estava no último ato público do qual participaram María Corina Machado e Edmundo González em Caracas, ao meio-dia da última quarta-feira (31), numa região de classe média. Junto a outros três amigos da mesma faixa etária e usando um sombreiro para se proteger do sol forte, dizia que “o povo venezuelano perdeu o medo”. “É a hora. É agora”, repetia.
Pouco mais de um dia após o ato se dissipar de maneira pacífica e sem relatos de violência nos arredores, vem o anúncio de que María Corina Machado estaria escondida. A equipe de Edmundo González, que foi o candidato opositor, também confirma à reportagem que ele estaria “resguardado”. Preferem esse termo ao “clandestinos”. É questão de semântica, diz um dos interlocutores.
Seja como for, já faz um dia que muitos dos mais próximos dessas duas figuras políticas que lideram a oposição não sabem exatamente onde eles estão. Suas declarações também diminuíram; agora estão elas concentradas em seus perfis oficiais nas redes sociais.
Foi por essas plataformas que María Corina convocou nesta quinta (1º) um grande ato para sábado (3) às 11h (10h locais). Não está claro se comparecerá ou não.
A alta cúpula chavista pede que os dois sejam presos, ainda que publicamente nenhum pedido de detenção tenha sido emitido. Mais de mil pessoas foram detidas em atos pós-eleições, diz o regime.
Para uma oposição que colocava como estratégia principal os atos massivos ao redor do país, com as caravanas de moradores e dos chamados “motorizados” —os motoristas de moto, muitos trabalhadores informais que trabalham no setor de entregas—, a repressão coloca em xeque o fôlego que resistirá.
Camareira em um hotel da Grande Caracas, María Romero, 71, passava a segunda noite no trabalho porque não tinha como voltar para casa devido à falta de transporte público. No primeiro dia, o metrô fechou porque atos opositores bloquearam a saída. No segundo, ela própria não se sentiu segura para caminhar.
Mas o desânimo toma conta dessa mãe e avó que agora tem apenas uma filha e uma neta em Caracas. O filho emigrou para o Chile. Os dois netos adolescentes foram com um primo para os Estados Unidos por terra, quando cruzaram com uma única mochila das costas a perigosa selva de Darién, entre o Panamá e a Colômbia.
“Eles controlam tudo, nunca vão sair do poder. Estão mancomunados com Rússia, Irã e Cuba, são muitos interesses que mantém Maduro preso no poder”, diz Romero, evocando um argumento sobre a agenda exterior de Caracas que cresce entre os opositores.
Enquanto essa base opositora. Guillerma e María foram votar no último domingo (28) e escolher o mesmo candidato: González, esse ex-diplomata de 74 anos que até há poucos meses era um completo desconhecido do público geral. Mas agora as duas se dividem de uma maneira que expressam os diferentes caminhos da base opositora.
Pesa também o passado. Opositores e figuras inclusive mais alinhadas ao regime de Nicolás Maduro e, antes, a Hugo Chávez (1954-2013), avaliam que a oposição teve erros de estratégia consecutivos no passado recente. O primeiro deles foi boicotar diversas votações, como a própria presidencial de 2018, quando Maduro se encravou no poder com uma participação de menos de metade da população nas urnas.
Mas também pesam na memória a figura de Juan Guaidó, o então presidente da Assembleia Nacional que se autoproclamou presidente interino da Venezuela em 2019, pouco após Maduro ser empossado, e hoje está exilado nos EUA. Seu poder de convocatória foi refluindo aos poucos, e hoje ele está apenas na memória.
Antes ainda, em 2013, quando o líder opositor era Henrique Capriles, muitos avaliam que ele insistiu pouco em questionar a veracidade das eleições. Naquele ano Maduro se elegeu com diferença de cerca de 230 mil votos apenas. É comum escutar que “se Capriles tivesse insistido um pouquinho mais…”, o resultado teria sido outro.
Seja como for, o apoio massivo da oposição mudou de colo e migrou para María Corina Machado, uma das vozes antichavistas de maior destaque há mais de duas décadas.
A dúvida que se coloca é o quanto a repressão influenciará em sua força e quais serão os acertos ou os erros da estratégia opositora.