Reino Unido: Trabalhista Keir Starmer se vê como outsider – 22/06/2024 – Mundo – EERBONUS
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Reino Unido: Trabalhista Keir Starmer se vê como outsider – 22/06/2024 – Mundo

O próximo primeiro-ministro do Reino Unido —exceto ocorra uma reversão surpreendente das pesquisas de intenção de voto— está sentado ao meu lado no Retro Cafe em Southampton mastigando um hash brown (bolinho tostado de batatas) enquanto faz uma pausa na campanha eleitoral.

No meio do ritmo frenético da campanha, não temos muito tempo. E Sir Keir Starmer, recém-chegado de uma visita ao porto local, continua sendo interrompido por clientes e funcionários que querem conhecer o líder do Partido Trabalhista.

Starmer parece à beira da primeira vitória de seu partido nas eleições gerais do Reino Unido em 19 anos, possivelmente por uma margem ampla, um cenário que pareceria inverossímil quando ele se tornou líder da legenda há quatro anos.

O sorridente homem de 61 anos veste um terno azul-marinho, uma camisa azul clara de pescoço aberto e um topete grisalho com gel. Ele não parece demonstrar emoções quando um café da manhã vegetariano de £ 11, escolhido em seu nome por um assessor, aparece na sua frente.

Faltando apenas algumas semanas para a votação, Starmer começa cada dia com uma videoconferência ao amanhecer antes de participar de uma variedade desconcertante de eventos planejados pelo país. É um frenesi de entrevistas coletivas, discursos, debates, reuniões e sessões de fotos em dezenas de cidades.

“É todo dia, e é dia após dia após dia após dia”, diz ele. Mas ele não está reclamando: “Esperei quatro anos e meio por isso.” A campanha avessa ao risco do Partido Trabalhista até agora evitou as inúmeras gafes que têm assombrado o atual premiê e líder do Partido Conservador, Rishi Sunak —incluindo um lançamento de campanha encharcado de chuva e uma saída antecipada das comemorações do Dia D na Normandia.

Starmer fica com o olhar vazio quando pergunto se ele sente pena de seu principal rival. “Não penso nisso. Ele quis ser líder. Ele assumiu… Embora eu não tenha nenhuma animosidade pessoal contra ele.”

Não faz muito tempo, o deputado do norte de Londres foi descartado como uma figura apagada lutando para ganhar tração, um impotente Olaf Scholz [premiê alemão] ou Anthony Albanese [premiê da Austrália]. Agora ele está vendendo sua oferta de estabilidade como o antídoto para anos de caos político envolvendo brexit, Covid-19, a montanha-russa que foi a liderança de Boris Johnson e o governo pouco ortodoxo de seis semanas de Liz Truss.

Um público eleitor cansado parece pronto para lhe dar uma chance. Starmer diz que seu slogan poderia facilmente ser “tornar o Reino Unido sério novamente”.

É fácil confundir Starmer com um político de carreira, especialmente dadas suas falas às vezes tediosas. Mas o ex-advogado workaholic, que não entrou na política até os cinquenta anos, se vê como um outsider de Westminster, dizendo que odeia a “superficialidade e o tribalismo” da bolha política.

Sob a aparência às vezes sem graça e cuidadosa, espreita um homem de instintos competitivos aguçados. Starmer, torcedor do Arsenal, odeia perder no futebol. Quando jovem, ele largou a flauta, apesar de ter ganhado uma bolsa de estudos, porque não era o melhor. “Talvez isso diga algo sobre mim”, diz ele. “Se eu não posso ser o melhor, eu deixo de lado.”

Da mesma forma, ele odiou as derrotas eleitorais do Partido Trabalhista em 2010, 2015, 2017 e 2019. É por isso que não se importou em fazer inimigos em seus esforços para mudar a sigla. E explica por que, em 2021, lutando inicialmente para obter resultados, ele quase desistiu.

Ele gosta de cervejas tipo ale ou lager, mas não consegue se lembrar da última vez que ficou bêbado. “A resposta não é nunca, mas não consigo me lembrar.” Não consigo imaginá-lo querendo perder o controle? “Não, não sou muito bom nisso”, diz ele.

Starmer é bem-humorado, mas nunca frívolo. Quando pergunto a ele quem ele empurraria de um penhasco —Nigel Farage [do partido Reform UK e defensor do brexit], Rishi Sunak ou Jeremy Corbyn [ex-líder trabalhista—~ele suspira. “Eu odeio essas perguntas rápidas, elas são um tormento para mim. Você não pode reduzir tudo a respostas sim/não.”

Ele também não é sempre franco. Quando pergunto se todo o gabinete paralelo manterá seus cargos no governo, ele responde: “Jim, não comece a fazer perguntas que você sabe que não vou responder —eu só não tenho tanto tempo.” [A oposição no Reino Unido mantém sempre um gabinete paralelo ao governo, com integrantes responsáveis por criticar e propor alternativas na área de atuação de cada ministério.]

Alguns pesquisas de opinião previram um resultado que teria parecido absurdo até recentemente: uma supermaioria trabalhista no Parlamento com mais de 400 deputados e os conservadores reduzidos a menos de 100.

Pergunto como ele se sente sendo chamado de Sir Keir. “Não me importo, mas honestamente, prefiro Keir”, diz. Ele afirma que o título carrega uma suposição sobre sua origem. “Por isso é importante para mim lembrar às pessoas que meu pai era um ferramenteiro e minha mãe era enfermeira. “Ninguém simplesmente te dá nada quando você é da classe trabalhadora, você tem que trabalhar por isso, não tendo uma base de riqueza e privilégio.”

Pergunto como seus pais se sentiriam se pudessem vê-lo próximo de ser premiê. “Eles ficariam muito orgulhosos. Consigo ver minha mãe radiante”, diz ele, com um pedaço de abacate no garfo.

Ele faz uma pausa, escolhendo suas palavras cuidadosamente. “A única razão pela qual estou hesitando é porque meu pai demorou a dizer ‘muito bem’ para mim, ou se orgulhar do que eu estava fazendo, mas sem eu saber ele estava guardando todos esses recortes de jornal do que eu havia conquistado.”

Starmer admite que não disse ao pai que o amava em seus últimos dias. “Se ele ainda estivesse aqui, seria um momento para que eu tivesse um pouco desse encerramento, o que, por minha culpa, não tivemos”, afirma.

Quando Starmer se tornou membro do Parlamento em 2015, tendo sido anteriormente diretor da Procuradoria [terceiro cargo do órgão equivalente ao Ministério Público], sua ambição era apenas se tornar procurador-geral sob um governo liderado por Ed Miliband, então líder do Partido Trabalhista. “Mas os eventos seguiram seu curso.”

Mesmo aliados próximos nunca pensaram que ele reconstruiria o Partido Trabalhista tão rapidamente após a implosão da sigla nas eleições gerais de dezembro de 2019 sob Jeremy Corbyn. Starmer se beneficiou de uma série de desastres autoinfligidos por vários primeiros-ministros conservadores. No entanto, ele diz que o Partido Trabalhista estava em posição de se beneficiar apenas porque ele havia movido a legenda de volta para o centro.

O Partido Trabalhista imitou a linguagem conservadora sobre imigração, crime e brexit para trazer de volta os antigos eleitores da classe trabalhadora. Corbyn foi expulso do partido. Pergunto a Starmer se ele enganou deliberadamente a esquerda trabalhista quando venceu a corrida pela liderança em 2020 com um mandato mais radical, ou se desde então ele teve uma conversão ao centrismo.

Ele não aceita a premissa da pergunta: “No início e no final de cada discurso e debate que fiz, eu disse, ‘temos que mudar'”, diz ele. “Eu realmente quis dizer isso quando disse que íamos mudar o Partido Trabalhista.”

Sua crítica ao projeto de Corbyn o torna uma figura odiada pela ala à esquerda da sigla. Isso o incomoda? “Não”, diz ele com uma risada. “Isso não é apenas uma tentativa de criar uma imagem de macho. Eu sei o que precisamos fazer no governo e o quão difícil será. Não tenho tempo para distrações.”

A frase “distrações” também é como ele descreve Nigel Farage, líder do Reform UK, cuja insurgência de direita parece estar minando os conservadores. “Certamente você ouve muito barulho de Nigel Farage”, diz ele. “Mas estou focado na escolha real entre dois governos, Tory [Conservador] e Trabalhista.”

Enquanto termino os restos do meu sanduíche, pergunto a ele sobre o ponto mais baixo de sua liderança: a desastrosa eleição suplementar de Hartlepool, em maio de 2021, na qual houve uma mudança de 23% para o Partido Conservador de Boris Johnson após a bem-sucedida distribuição de uma vacina contra a Covid-19.

“Pareceu um soco no estômago. Meu trabalho era reverter as coisas, então quando perdemos nosso primeiro teste de eleição suplementar, isso realmente me atingiu.” Um amigo próximo o aconselhou a renunciar, e ele pensou em desistir. “Realmente doeu, mas deveria mesmo doer.”

Depois de um sussurro de um assessor, o líder trabalhista pede desculpas por ter que interromper a refeição. Antes do almoço, consegui falar com Starmer por 10 minutos no trem das 9h35 de Londres Waterloo. Agora vamos continuar nossa conversa em outro trem indo em direção oeste para Bristol.

Starmer, que sofre de enjoo de viagem, assegura-se de estar virado para frente enquanto a exuberante paisagem de Hampshire passa rapidamente. O Partido Trabalhista perdeu parte do apoio entre muçulmanos devido ao conflito Israel-Hamas, especialmente após uma entrevista em que Starmer pareceu apoiar o bloqueio de Israel que cortou água e energia em Gaza.

“Eu estava lidando com o final da pergunta anterior, dizendo que eles têm o direito à autodefesa, e não ‘eles têm o direito de cortar suprimentos básicos'”, diz ele. “Fui advogado de direitos humanos por muitos, muitos anos, nunca teria usado esse argumento.”

Corbyn, o ex-líder trabalhista, era cético em relação à política externa dos EUA e à Otan. Em contraste, Starmer, se eleito, dirá na cúpula da aliança militar ocidental neste ano que está orgulhoso da adesão do Reino Unido ao pacto de segurança transatlântico.

Como o primeiro-ministro Starmer lidaria com um potencial presidente Trump nos EUA? “Como um adulto”, diz ele, juntando os dedos. “Reconhecendo que cada país elegerá quem quiser como seu líder. A relação especial entre o Reino Unido e os EUA existe há muito tempo e está acima das personalidades envolvidas.”

No campo econômico, Starmer diz que um governo trabalhista deve ser capaz de gerar crescimento suficiente para evitar aumentos de impostos. “Não há uma espécie de varinha mágica que podemos agitar no dia seguinte à eleição, não há soluções rápidas, e temos que fazer o trabalho duro”, diz.

Starmer diz que as pessoas já estão tentando comparar as eleições gerais de 2024 com a vitória esmagadora dos trabalhistas em 1997, com Tony Blair. “Aquele ano foi diferente, a virada de um novo século, a economia estava crescendo. Não estamos nesse momento agora, e você tem que estar encontrando os eleitores onde eles estão”, diz ele. “Eu acho que as pessoas precisam de esperança, mas precisa ser o que eu chamo de esperança comum, esperança realista.”

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