O governo de Binyamin Netanyahu não considera que resgatar os 97 reféns tomados pelo Hamas há quase um ano é prioridade e quer que a guerra no Oriente Médio continue para se manter no poder com o apoio de extremistas.
A avaliação, corrente em Israel, é adensada aqui pelo seu autor: Yonatan Shamriz, 34, irmão de 1 dos 3 reféns que foram mortos pelo Exército de Israel no fim do ano passado, quando fugiam do cativeiro na Faixa de Gaza.
O episódio aumentou o trauma nacional causado pelo 7 de Outubro, o mais brutal ataque terrorista sofrido nos 76 anos do Estado judeu. Alon Sharmiz tinha 26 anos e era sócio do irmão em uma empresa que fazia caixotes de madeira para clientes militares e comerciantes, em Kfar Aza.
O kibutz, visitado pela reportagem, foi um dos mais atingidos pelo Hamas. Com Gaza a cerca de 1 km de lá, os terroristas mataram 79 pessoas e sequestraram 19 —incluindo Alon e o colega Yotam Haim, 26. Desses cativos, 11 foram soltos na trégua de novembro, e 5 ainda estão com os palestinos.
Alon e Yotam, não. No dia 15 de dezembro, eles e o árabe-israelense Samer el-Talalka, 24, que trabalhava no galinheiro do kibutz Nir Am quando foi sequestrado, conseguiram fugir do cativeiro no leste de Gaza e se depararam com um ambiente de combate.
Uma patrulha do Exército os viu correndo e atirou, matando os três, apesar de a investigação constatar que eles carregavam uma bandeira branca. Protestos ocorreram em sequência em Israel.
“A verdade é que eles não foram preparados para a missão. Os soldados não tinham uma foto do meu irmão. Não se trata de culpar os baixos escalões, e sim responsabilizar a cúpula. O governo tem de pagar”, afirma Shamriz.
Netanyahu pediu desculpas em rede social, culpando a névoa da guerra pelo erro. Coube a seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, ligar para as famílias sobreviventes. A conversa com Shamriz foi longe de ser amistosa.
“Eu disse que ele ia ver a foto do meu irmão quando fechasse os olhos na hora de dormir todos os dias, para o resto de sua vida, e o xinguei”, disse, num café no centro de Tel Aviv. “Achei que iria ser preso no dia seguinte, mas ele ouviu sem falar nada.”
Ele poderia ter sido uma vítima. Morador de Kfar Aza, estava acostumado a sirenes devido aos foguetes de Gaza, mas em 7 de outubro de 2023 Shamriz percebeu que havia algo mais errado do que de costume.
“Nós recebemos mensagens no grupo de WhatsApp do kibutz falando que havia terroristas nas ruas, invadindo casas. Meu irmão mandou um emoji de coração para mim às 10h02. Foi a última vez que ele falou comigo”, conta.
A filha de Yonatan Shamriz, Yali, completara dois anos naquela manhã. Ele e sua mulher pegaram a criança, o bolo da festinha e se esconderam. Ele disse à criança que era um jogo, ao estilo do personagem de Roberto Benigni no filme “A Vida é Bela”, que fantasia a realidade em um campo nazista, prometendo balões se ela ficasse quieta.
Funcionou, apesar de ele temer que a mulher, grávida de quase nove meses, desse à luz. Vinte e oito horas depois, soldados de uma equipe de resgate chegaram, mas ele achou que fossem terroristas. Começou a conversar pela porta para entender se o sotaque hebraico era genuíno.
No 7 de Outubro, pelas contas algo flutuantes do governo, 1.170 pessoas foram mortas, e 251, levadas a Gaza. Dessas, 154 voltaram, e acredita-se que 64 dos reféns ainda estão vivos.
O episódio fez Shamriz esquecer a ideia de acomodação com a vizinhança em Gaza. “As pessoas celebraram lá o que aconteceu. Levaram nossos parentes e os desfilaram nas ruas, estupraram as mulheres. Eu não quero viver com eles”, afirma.
Novamente, ele culpa o governo. “Sabíamos que havia um problema militar com o Hamas, mas preferimos dar milhões de dólares para eles”, disse, em referência à política de Netanyahu de tentar dividir as facções palestinas, dado que o Hamas era o principal rival do Fatah, que comanda a Cisjordânia.
Agora, Shamriz, que tenta tocar à distância seu negócio, mas mora ao lado de Tel Aviv, quer incentivar a mudança. Criou com outros impactados pelo atentado o movimento Levante-se!, que reuniu 40 mil apoios online. “É preciso achar novos líderes”, disse, negando querer entrar na política.
“Eu só quero viver em paz”, concluiu, ponderando que a ampliação do conflito no Líbano e com o Irã vai tornar isso impossível no horizonte visível.