Nos últimos anos, o mundo se acostumou a ver cenas políticas extravagantes vindas da Venezuela. Talvez a mais contundente seja a de uma tarde de janeiro de 2019 na qual o então líder da oposição, Juan Guaidó, autodeclarou-se presidente diante de milhares de apoiadores nas ruas de Caracas.
Mas nenhum dos vocais críticos que o ditador Nicolás Maduro acumulou contra si em 11 anos à frente do regime ameaçou tanto sua permanência no poder quanto Edmundo González Urrutia, nome da oposição nas eleições deste domingo (28) e à frente nas pesquisas de institutos independentes.
Dono de discursos vacilantes e com voz baixa, o diplomata de 74 anos contrasta com a figura altiva de seu principal adversário. Segundo analistas, foi justamente esse ar monótono que o tornou o candidato perfeito para os venezuelanos que parecem cansados dos 25 anos de retórica inflamada do chavismo.
González nasceu em La Victoria, cidade no norte da Venezuela a pouco mais de uma hora de carro de Caracas, para onde ele se mudaria ao ingressar no curso de Relações Internacionais da UCV (Universidade Central da Venezuela). Após se formar, trabalhando na chancelaria, morou na Bélgica e nos Estados Unidos e foi embaixador na Argélia, de 1994 a 1999, e na Argentina, de 1999 a 2002, já no governo de Hugo Chávez.
Nos últimos anos, vinha se dedicando ao trabalho acadêmico. Avô de quatro crianças, González falou ao site venezuelano Efecto Cocuyo logo após se tornar candidato que uma de suas atividades favoritas é caminhar ao ar livre.
Após entrar na corrida pelo Palácio Miraflores, porém, sobra pouco tempo para uma ocupação tão trivial. Seus dias foram tomados por reuniões com líderes de sindicatos, partidos, ONGs e movimentos sociais, além, é claro, de comícios ao lado de seu principal cabo eleitoral, a líder opositora inabilitada pelo regime María Corina Machado.
(Assista entrevista de Edmundo González à Folha feita em junho)
Nas inúmeras entrevistas que passou a dar desde então, González, que atuava nos bastidores da oposição, costuma dizer que nunca havia imaginado estar nesse papel. “Essa foi uma decisão inesperada”, afirmou ao jornal venezuelano El Nacional semanas após sua indicação. “Aceitei como minha contribuição para o processo de democratização do país.”
A estreia nas urnas do político que pode tirar o chavismo do poder foi como um candidato-tampão. Em março, diante da impossibilidade de inscrever duas opções de candidatas à Presidência, a PUD (Plataforma Unitária Democrática) resolveu nomear González até conseguir “inscrever sua candidata por direito”, de acordo com afirmação da aliança na ocasião.
Se tivesse seguido a praxe da oposição venezuelana nos últimos anos, María Corina teria clamado por um levante popular —o que provavelmente agradaria ao regime para poder colar em seus críticos a pecha de violentos. Em vez disso, ela decidiu percorrer o país pedindo votos por González.
“Minha hipótese é que o governo de Maduro permitiu que ele se inscrevesse por ser um desconhecido. Por não ser uma figura política, pensaram que, com tão pouco tempo de campanha, não fosse ficar popular”, afirma Andrés Cañizález, jornalista venezuelano e doutor em ciência política. “Mas sua própria ausência no cenário público terminou sendo uma vantagem.”
González era um quadro em branco para María Corina transferir sua popularidade. A figura neutra e pouco ameaçadora do diplomata também evitou que a oposição chegasse fraturada, o que quase aconteceu no momento da indicação.
A cena que resumiu a união entre os líderes opositores aconteceu em um comício em Maracaibo, na última terça-feira (25), quando a Corina e González se somou Manuel Rosales, governador do estado de Zulia, que chegou a se candidatar à Presidência pelo UNT (Um Novo Tempo), um dos partidos que integram a PUD.
“Se a candidata tivesse sido María Corina, provavelmente ela teria tido apoio popular, mas teria sido muito difícil para alguns líderes opositores endossá-la”, declara Cañizález.
Foi nesse cenário que o perfil de González, aparentemente entediante demais para um político, virou uma virtude.
“Ele é também um diplomata de vocação. É um senhor que faz pontes, que tenta conciliar permanentemente”, afirma a venezuelana Carmen Beatriz Fernández, consultora da Datastrategia e professora de comunicação política na Universidade de Navarra.
Se eleito, González vai terminar o mandato de seis anos aos 81 —mesma idade do presidente dos EUA, Joe Biden, que há uma semana desistiu da corrida pela Casa Branca para dar lugar a Kamala Harris, 22 anos mais jovem.
Nas últimas semanas, Maduro tentou reproduzir a conjuntura política americana. “Há um velho decrépito que quer tomar o poder na Venezuela. É o velho decrépito do capitalismo salvagem”, afirmou, no início de julho, em um comício.
Para Fernández, a idade não o pune. “Pelo contrário”, afirma, “quando se pensa em um presidente de transição, não se imagina um jovem. E a principal oferta de Edmundo é fazer a transição em paz.”
“Revise o calendário de grosserias para me chamar de decrépito novamente”, respondeu González, com um leve sorriso, a jornalistas que o questionavam sobre um possível diálogo com Maduro, a quem chama respeitosamente de presidente, não de ditador. “O diálogo é a base da tranquilidade e da normalidade. Se tivermos que dialogar com quem seja, faremos isso.”