Como aferir a qualidade de uma Copa do Mundo? Isso é possível? Sendo, qual o nível apresentado pela Copa do do Qatar, a 22ª da história?
Não é tarefa simples classificar o grau de excelência de uma competição, seja a Copa do Mundo, seja qualquer outra, de Olimpíadas a Campeonato Brasileiro, pois cada apreciador do futebol tem sua visão particular de determinado evento.
Isso vale não apenas para o futebol. As pessoas avaliam diferentemente um filme, uma peça, um restaurante, uma viagem, um governo, e por aí vai.
Do ótimo ao péssimo, passando pelo bom e pelo regular, a impressão particular é única, então muitas vezes os argumentos apresentados, na avaliação de um terceiro, não são suficientes, convincentes ou sustentáveis.
Quantitativamente, é possível colocar a Copa do Qatar em determinado patamar, com base em alguns tópicos esportivos disponíveis –o objetivo deste texto não é tratar de aspectos políticos, econômicos ou sociais, sem relevar a importância deles.
A favor do Mundial no Qatar, o recorde absoluto de gols no atual formato (32 times, 64 partidas), pois comparar com menos jogos gera incongruência. Foram 172, superando os 171 das Copas de 1998, na França, e de 2014, no Brasil. Quem não gosta de gols, afinal?
Ok, mas esse número só pôde ser atingido porque a final, Argentina x França no estádio Lusail, teve um festival deles. Os argentinos fizeram três, os franceses outros três.
Só uma decisão anterior, Suécia 2 x 5 Brasil, em 1958, foi mais goleadora. Outras quatro, incluindo a de 2018, também registraram seis gols (todas 4 a 2), como a no Qatar.
Aliás, a decisão da Copa, no domingo (18), pode ser, sem contestação, mencionada como um ponto alto, de qualidade, no Mundial deste ano. Não só pelo número de gols, não só por confrontar os dois mais badalados jogadores (Messi e Mbappé), mas pelo fator “drama”.
Argentina 2 a 0 (um de Messi), jogo dominado até mais da metade do segundo tempo. França reage surpreendentemente, empata (dois de Mbappé). Prorrogação. Argentina na frente (Messi), França empata (Mbappé). Pênaltis. Como diria o Galvão, “haja coração”.
Se não foi a melhor final, está no pódio. Dentre as que eu vi, a do México-1986, Argentina 3 x 2 Alemanha, Maradona x Rummenigge, foi de tirar o fôlego.
Então, ponto qualitativo para a Copa qatariana no quesito, que tem um peso enorme, “final empolgante”.
Voltando à questão quantitativa, o Mundial 2022 teve outro ingrediente relevante, o recorde de disputas de pênaltis. Foram cinco, incluindo a do jogo decisivo.
Mais “drama”, mais emoção, mais espectadores empolgados (menos quando esse espectador é torcedor do Brasil, e é o Brasil a disputar os pênaltis, e o Brasil perde e é eliminado), o que não significa mais qualidade.
A Copa do Qatar teve um dado quantitativo negativo para ser colocado como contrapeso na balança: tornou-se correcordista de Mundial com mais jogos 0 a 0.
Foram sete, incluindo o que eliminou a Bélgica e classificou a Croácia e o que tirou a Espanha (deu Japão nos pênaltis). Os demais são esquecíveis (eu não me lembro de cabeça deles).
Há outros pontos que podem elevar, teoricamente, a qualidade de uma competição, como as goleadas (no Qatar teve Espanha 7 x 0 Costa Rica, Inglaterra 6 x 2 Irã, Portugal 6 x 1 Suíça, Brasil 4 x 1 Coreia do Sul).
Teoricamente porque, apesar da chuva de gols agradar a um dos lados e a quem é neutro, mostra também o desequilíbrio, que reduz a tal qualidade, se não a elimina.
Gols bonitos. Sinônimo de qualidade, certo?
O de Richarlison, de voleio (Brasil 2 x 0 Sérvia), o de Julián Álvarez, partindo do campo de defesa (Argentina 3 x 0 Croácia), outro de Julián Álvarez, nesse mesmo jogo, depois de Messi driblar meia dúzia de vezes vezes o zagueiro Gvardiol, o de Aboubakar, encobrindo o goleiro (Camarões 3 x 3 Sérvia), o de Mbappé, sem-pulo na final. E mais alguns poucos.
Então, gol bonito teve no Qatar. Porém gol bonito tem em todo Mundial, não dá para ser determinante como diferencial qualitativo, a não ser que se entre no campo quantitativo, e talvez nem assim, pela já mencionada questão de gosto –um gol belíssimo para mim pode não ser para você.
Craques em excelente forma, com grandes atuações, a dupla “MM”: Messi e Mbappé. Quem mais?
Neymar, não. Kane, não. De Bruyne, não. Lewandowski, não. Van Dijk, não. Neuer, não. Cristiano Ronaldo, definitivamente, não. Modric até foi bem, mas não teve “aquele” brilho.
Salah, Haaland, Benzema, Mané, outros com potencial para voar alto, nem puderam jogar no Qatar porque suas seleções não se classificaram ou por estarem lesionados.
Faltaram atuações destacadas dos futebolistas de primeira linha nos campos da primeira Copa no Oriente Médio, até porque a realização do torneio no meio da temporada da Europa (continente em que jogam quase todos os jogadores que vão ao Mundial) acabaria com o argumento de eles estarem exaustos.
Isso escrito, não é nada, porém, que não tenha acontecido em outras Copas. Craques brilham, outros decepcionam. Surgem também surpresas, às vezes mais, às vezes menos. No Qatar, a maior delas não foi individual: com a força do jogo coletivo, Marrocos chegou à semifinal.
A ESPN montou um ranking das melhores Copas do Mundo, com base em itens (alguns abordados neste texto) como “grandes jogadores”, “quantidade de gols”, “empolgação”, “zebras”, “torcida”.
A do Qatar ficou em sexto lugar, empatada com a dos EUA-94 e atrás de Espanha-82 (1ª), México-86, Alemanha-06, França-98 e México-70 (5ª).
Adequado. A Copa do Qatar pareceu legal, acima da média, com qualidade futebolística decente, nota 7. Mas não há dados que determinem assertivamente que tenha sido assim. Há muita subjetividade, e a (in)satisfação vai da exigência de cada um.
O futebol encanta, ou desencanta, carregado de nuances. É assim mesmo, é como ele é. Querer ranquear Copas pelo aspecto qualitativo é, no mínimo, uma temeridade.
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