Por motivos distintos, mas com um alvo em comum, argentinos e colombianos saíram às ruas na última semana para protestar contra seus governos, o do ultradireitista Javier Milei e o do esquerdista Gustavo Petro.
O rápido desgaste de lideranças tem sido algo comum na América Latina dos últimos tempos, como se pôde observar nos processos políticos recentes, por exemplo, do Chile e do Equador. As tréguas de começo de governo vêm sendo mais curtas em relação ao que ocorria num passado não muito distante, antes da pandemia de Covid-19 e do crescimento da polarização em vários países. Esse acelerado descrédito é mais um sinal da crise da democracia na região.
Na Argentina, Milei vivenciou, no último dia 23, a primeira grande manifestação popular contra suas medidas de ajuste na educação pública —apenas a UBA (Universidade de Buenos Aires) perdeu mais de 70% de seu orçamento.
São poucos os consensos nacionais na Argentina, mas a educação pública é um deles. Antes de mais nada, por uma questão histórica, impulsionada no século 19, quando Domingo Faustino Sarmiento, um dos principais intelectuais daquele tempo e presidente do país de 1868 a 1874, iniciou um amplo programa de alfabetização e de promoção da educação laica e pública. Algo que até hoje se respeita e se valoriza, dentro e fora do país.
A Argentina possui cinco prêmios Nobel, e três deles são da área científica. Não é por menos que jovens carregaram cartazes fazendo referência à clonagem que Milei realizou de seu cão Conan, morto em 2017, resultando nos animais que ele tanto ama e que mantém na residência de Olivos. “Sem ciência, não há Conan”, diziam centenas de cartazes e bandeiras vistos nesse dia.
Milei meteu-se, aí, num vespeiro inédito. As imagens das ruas tomadas em Buenos Aires (500 mil pessoas) e no restante do país (mais de 250 mil) são uma demonstração clara de que há coisas que mesmo os que votaram em Milei não querem que sejam modificadas.
O governo argentino respondeu a esse protesto afirmando que este havia sido cooptado por políticos interesseiros, apoiando-se no fato de kirchneristas, sindicalistas, opositores em geral, as Mães da Praça de Maio e outros atores políticos terem tomado carona na questão da educação pública para defender suas próprias causas.
Já na Colômbia, milhares saíram às ruas, no último dia 21, para posicionar-se contra a reforma no sistema de saúde que Petro tenta implementar. A ideia é tirar o protagonismo dos planos de saúde privados para investir mais no sistema público.=
Havia nas ruas centenas de médicos e enfermeiros com seus uniformes brancos. Como na Argentina, o protesto esteve tomado por opositores e outros setores da sociedade, que pediam a renúncia de Petro.
Perto de completar dois anos de mandato, ele enfrenta um forte desgaste de sua imagem. Além disso, anda isolado em relação ao Congresso, que tem maioria opositora, e ao seu próprio gabinete, com quem tem dificuldades de dialogar.
Infelizmente, o colombiano responde a essas manifestações, muito comuns nos últimos meses, de modo hostil, nada conciliador. Para cada marcha opositora, ele convoca uma de defesa ao governo —a próxima será em 1º de maio. Com obstáculos para levar adiante as reformas —principal bandeira de sua campanha—, é possível que Petro passe os próximos dois anos de mandato defendendo-se, em vez de implementando a mudança que sonhou para a Colômbia.
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