Pesquisadores chineses usaram um procedimento inusitado -uma espécie de transplante de placenta- para realizar a primeira clonagem bem sucedida de um macaco-reso (Macaca mulata), primata muito usado em pesquisas biomédicas no mundo todo. O avanço pode se tornar uma ferramenta importante para estudos sobre biologia reprodutiva e do desenvolvimento, por conta da proximidade evolutiva entre os resos e os seres humanos.
Liderado por Falong Lu, Zhen Liu e Qiang Sun, todos ligados a diferentes órgãos da Academia Chinesa de Ciências, o trabalho acaba de ser publicado na revista especializada de acesso livre Nature Communications.
Não se trata da primeira clonagem reprodutiva bem sucedida de um primata como nós -a primazia, nesse caso, cabe à cópia genética de um cinomolgo (Macaca fascicularis), outro macaco de origem asiática usado como cobaia em pesquisas biomédicas e comportamentais.
Outro clone de macaco-reso também já havia sido gerado antes, mas o filhote sobreviveu apenas algumas horas após o nascimento. O estudo chinês é o primeiro a produzir um membro clonado da espécie que sobreviveu com saúde no longo prazo -um macho que tinha 2 anos de idade quando o estudo foi aceito para publicação, em novembro de 2023.
Além disso, o foco do estudo foi refinar as técnicas de clonagem reprodutiva e entender por que tantas coisas podem dar erradas durante o processo -algo que tem sido uma constante nessa tecnologia desde o nascimento pioneiro da ovelha Dolly, na Escócia, nos anos 1990.
Com efeito, em geral, são necessários centenas de óvulos e dezenas de “mães de aluguel” nas quais implantar embriões para chegar a um punhado de filhotes nascidos vivos, independentemente da espécie. Na maioria das espécies de mamíferos, a taxa de sucesso fica entre 1% e 3%, exceto no caso de bovídeos (o grupo das vacas), em que os números são melhores (de 5% a 20%).
Essa dificuldade tem relação estreita com a reprogramação molecular pela qual as células passam durante a clonagem. Nesse processo, é preciso “convencer” o material genético contido no núcleo de uma célula adulta que ele voltou ao estado existente no momento da fecundação, quando o DNA do óvulo e do espermatozoide se juntaram.
Numa fecundação normal, ocorre, entre outras coisas, uma programação intrincada de ativação e desativação de diferentes trechos do DNA. Algumas dessas regiões do material genético são “ligadas” ou “desligadas” levando em conta, por exemplo, sua origem -se elas derivam do pai ou da mãe.
É como se houvesse uma etiqueta numa das cópias de um gene dizendo: “Versão materna do gene. Favor utilizar apenas a versão paterna” (na verdade, as “etiquetas” são pequenas moléculas que impedem que aquele trecho de DNA seja lido pela célula).
Em uma série de experimentos, os pesquisadores chineses confirmaram que um dos principais problemas por trás da baixa eficiência dos procedimentos de clonagem é o fato de que a “etiquetagem” do DNA do clone segue padrões bagunçados, diferentes dos de uma fecundação normal.
E esses problemas são especialmente agudos no caso das células do clone que vão dar origem à placenta, essencial para a circulação de nutrientes entre a mãe e o feto. Com isso, a placenta dos clones se desenvolve de forma anormal, afetando a viabilidade daqueles embriões e a saúde dos filhotes que chegam a nascer.
Para tentar enfrentar essas limitações, a equipe produziu embriões de macacos-resos por meio de fertilização in vitro “normal” e, ao mesmo tempo, embriões clonados. Depois, por meio de técnicas de microcirurgia, eles conseguiram unir as células precursoras da placenta dos embriões oriundos de fecundações naturais ao “corpo” dos embriões clonados. Isso, inclusive, fez com que clones do sexo masculino tivessem placentas com DNA de indivíduos não clonados do sexo feminino.
Embora a eficiência do procedimento usando essa abordagem ainda não seja alta, mais ou menos se equiparando à dos métodos tradicionais de clonagem, os pesquisadores chineses apostam que o “transplante” poderá facilitar o processo em primatas no futuro.