Premiê de Portugal reforça compromisso contra ultradireita – 15/11/2024 – Mundo – EERBONUS
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Premiê de Portugal reforça compromisso contra ultradireita – 15/11/2024 – Mundo

O clima de Portugal é a inveja da Europa —milhares de turistas do norte do continente desembarcaram em Lisboa neste mês para aproveitar o outono ensolarado. Praticamente não existe criminalidade no país, e sua capital vibra com a explosão de startups e com o Web Summit, a maior feira de tecnologia da Europa, que superlotou um centro de convenções às margens do rio Tejo ao longo da semana.

Mesmo assim, governar Portugal não é fácil. Que o diga Luís Montenegro, primeiro-ministro do país desde abril deste ano. Os aluguéis dispararam e se tornaram caros demais para os portugueses, que ganham menos que a média europeia. Um partido xenófobo de ultradireita, o Chega, chantageia o governo e vocifera contra os imigrantes —os quais, com suas contribuições fiscais, viabilizam o Estado de bem-estar social português.

Luís Montenegro tem 51 anos, duas décadas de experiência como deputado pelo Partido Social Democrata, de centro-direita, e é formado em Direito e Administração. Em Portugal é o premiê quem governa —o presidente da República cuida principalmente das relações internacionais e das forças armadas.

Às vésperas de viajar para a reunião do G20 no Brasil, na qual Portugal participa como observador, e encarniçado na luta sangrenta pela aprovação do orçamento —sem a qual o governo pode cair— Montenegro respondeu por escrito às perguntas da Folha. Falou de xenofobia, do status especial dado aos imigrantes dos países de língua portuguesa, e de como considera um acerto sua política de “cordão sanitário” em torno do Chega —”na campanha disse ‘não é não’, e até posso acrescentar que o tempo tem-me dado razão”.

Portugal é um dos poucos países da União Europeia que permite que um imigrante se regularize depois de entrar no país. A nova regulamentação da UE praticamente proíbe isso. O país vai se adequar?

A política de imigração de Portugal reflete o compromisso do governo com a inclusão e a integração, valores que são parte fundamental da nossa identidade nacional: Portugal é um país multicultural e orgulha-se dessa realidade.

Temos mantido uma abordagem flexível para regularizar os imigrantes que procuram o nosso país, reconhecendo a sua contribuição social, econômica e cultural. Portugal precisa de imigrantes, sobretudo jovens e famílias.

Estamos a acompanhar as mudanças que resultam da legislação da União Europeia e a participar em diversos fóruns para alinhar as políticas nacionais com as diretrizes europeias. Temos essa responsabilidade. O nosso objetivo será sempre manter uma política de imigração que continue a ser justa, segura e humanista. Por isso, temos defendido a promoção de vias legais de imigração. Apenas dessa forma poderemos garantir os direitos dos imigrantes que procuram o nosso país para desenvolver os seus projetos de vida, e promover a sua rápida integração na sociedade.

Quero igualmente reiterar o compromisso do governo com o Acordo sobre a Mobilidade da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], conferindo-lhe, aliás, uma centralidade reforçada enquanto canal prioritário da imigração de que Portugal precisa. Os cidadãos brasileiros são, de resto, os segundos maiores requerentes de vistos emitidos ao abrigo deste acordo.

Em relação aos brasileiros mais pobres, existem relatos crescentes de casos de xenofobia. A impressão de muitos brasileiros é que as autoridades portuguesas não punem seriamente esses casos. O que seu governo pretende fazer sobre isso?

Qualquer relato de xenofobia é preocupante e, por isso, fazemos do combate à discriminação uma prioridade. Independentemente da nacionalidade ou classe social, todos devem ser tratados com dignidade. É um valor constitucional e dele não abdicamos.

Para lidar com os casos de xenofobia, o governo tem trabalhado para desconstruir estereótipos e preconceitos. Um exemplo disso tem sido o reforço da formação das forças de segurança em direitos humanos para reconhecer e lidar com casos de xenofobia de maneira justa e eficaz.

Estamos, contudo, cientes de que ainda existem vários desafios. Por isso, o nosso objetivo é fortalecer as políticas de integração e melhorar a transparência e rapidez nas respostas às denúncias de discriminação. O governo tem também procurado promover o diálogo entre as comunidades locais e imigrantes, com campanhas educativas e iniciativas de convivência intercultural, para reduzir preconceitos e aumentar a compreensão mútua. Garantimos que estamos atentos às preocupações dos brasileiros em Portugal e empenhados em aprimorar as políticas de acolhimento e o respeito para todos.

Há muito racismo no Brasil, como também em Portugal, mas no Brasil há uma lei específica para tratar do racismo, e em Portugal não há. Como punir efetivamente o racismo e torná-lo menos frequente na sociedade portuguesa?

Portugal é um dos países mais seguros e pacíficos do mundo (estamos em sétimo lugar no Global Peace Index). Os estrangeiros são, em regra, bem acolhidos em Portugal e encontram-se bem integrados na sociedade portuguesa. Mas, infelizmente, também existem casos de racismo.

Para os prevenir e punir, dispomos de inúmeros instrumentos legais que decorrem diretamente da nossa Constituição que garante que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”. As nossas leis mais específicas de luta contra a discriminação racial e étnica nasceram em 1982. De lá para cá, foram evoluindo para incluir a criminalização do racismo, abrangendo áreas como o emprego, acesso a bens e serviços, habitação e educação.

Desde 2004, o Código Penal consagra penas ainda mais severas para atos de incitação ao ódio, violência ou discriminação. A mais recente revisão legislativa aborda igualmente a discriminação nas forças de segurança, a criação de programas de apoio a vítimas de crimes de ódio e maior fiscalização de discursos racistas na internet. É objetivo do meu governo continuar a melhorar o quadro legal, dando especial atenção à formação policial, ao apoio às vítimas e à proteção de menores no ciberespaço.

Mas o combate contra a discriminação racial não se deve fazer apenas com a lei e, por isso, Portugal tem planos nacionais para a igualdade e integração de comunidades. É minha convicção que se focarmos mais a educação e o acesso ao mercado de trabalho, teremos de aplicar as leis penais muito menos vezes.

O partido Chega, de ultradireita, tem um discurso abertamente xenófobo, inclusive organizando passeatas contra imigrantes em Lisboa. A promessa de não levar o Chega ao governo vai durar até o fim de seu governo?

Quando disse “não é não” a fazer um acordo, fui muito claro em relação a considerar que havia ideias e posturas, radicalismo e imaturidade nesse partido que não abriam essa possibilidade. Naturalmente que cumprirei o meu compromisso e até posso acrescentar que o tempo tem-me dado razão.

Vários líderes europeus temem principalmente dois efeitos da eleição de Donald Trump: taxação de produtos da UE e corte de verbas para a defesa da Ucrânia. Em que medida acha que o governo Trump pode afetar Portugal?

Como já tive oportunidade de reiterar, Portugal permanecerá empenhado na cooperação estreita que mantém com os EUA, um parceiro estratégico fundamental e aliado na Otan. Este é um relacionamento sólido e, portanto, independente de ciclos políticos ou econômicos.

Relativamente às relações com a UE e ao conflito na Ucrânia, creio que seria prematuro pronunciarmo-nos sobre as eventuais posições da nova administração norte-americana. A única certeza que posso aqui deixar é a do apoio continuado e compromisso inabalável de Portugal para com a Ucrânia, face à invasão russa. Não podemos transigir quando está em causa a defesa de valores fundamentais como o são o respeito pela soberania e integridade territorial dos Estados.

Quanto à UE, sabemos que temos de reforçar a nossa autonomia estratégica, tanto do ponto de vista da sua dinâmica econômica, como da defesa, independentemente dos desenvolvimentos que vierem a ser determinados pela nova administração norte-americana.

A Aima, agência que cuida da imigração, parece ter entrado em colapso, com uma fila de centenas de milhares de pessoas e muitos imigrantes sofrendo com falta de documentos. O que seu governo pretende fazer para resolver o problema?

O governo estabeleceu como prioridade para 2025 a reorganização das competências das instituições com responsabilidades nas áreas de migrações, asilo e fronteiras. É preciso estabilizar este ordenamento, bem como eliminar entropias e conflitos de competências entre organizações. Com isso, aumentaremos a qualidade do serviço prestado.

Com a Aima pretendemos que o processo de imigração em Portugal tenha foco na integração e na inclusão, não apenas na segurança. Reconhecemos que a criação desta instituição gerou um acúmulo de pendências administrativas: mas estamos empenhados em resolver os problemas de todos aqueles que procuram o nosso país.

O governo entende que a agilidade e a eficiência no tratamento de processos desta natureza são cruciais, tanto para o bem-estar dos imigrantes quanto para a economia e sociedade portuguesas. Por isso, temos procurado reforçar os recursos da Aima, melhorar a resposta e reduzir significativamente o tempo de espera. Esse investimento faz parte de um compromisso mais amplo de modernizar essa nova estrutura e garantir que os imigrantes possam regularizar a sua situação de forma rápida e digna. É também Portugal que ganha com isso.

O secretário-adjunto da Presidência, Rui Armindo Freitas, falou em “discriminação positiva” em relação a imigrantes da CPLP. Poderia explicar melhor o que significa isso?

A opção clara de “discriminação positiva” em relação a imigrantes da CPLP decorre do fato de este ser um espaço comum, composto por países com os quais Portugal partilha fortes ligações históricas, culturais, linguísticas e econômicas, e com os quais já tem um acordo de mobilidade. Por essas razões, o governo decidiu conferir uma centralidade reforçada ao Acordo sobre Mobilidade da CPLP.

Queremos garantir o cumprimento humanista do acordo, promovendo o acesso ao Espaço Schengen dos titulares de autorizações de residência CPLP, em diálogo com as instituições europeias. Esta é uma posição clara, assumida pelo atual governo, à luz deste enquadramento muito particular, que é a CPLP.

Como ficariam, nesse contexto, os que não fazem parte dessa “discriminação positiva” —os milhares de imigrantes da Índia, Nepal e Bangladesh, por exemplo, igualmente importantes no mercado de trabalho de Portugal?

Os cidadãos estrangeiros que não se encontram ao abrigo do Acordo de Mobilidade CPLP devem seguir as vias legais comuns de imigração. Portugal permanecerá disponível para acolher imigrantes, por meio de uma política migratória regulada, que possibilite que essas pessoas encontrem no nosso país as oportunidades que procuram. Tenho orgulho da grande tradição de acolhimento e integração de migrantes do nosso país, que é uma referência de respeito pelos direitos humanos e pela dignidade das pessoas, no contexto internacional.

Imigrantes brasileiros se queixam da dificuldade e da demora para validar seus diplomas de curso superior. O governo pretende tomar alguma medida concreta para aproveitar melhor os imigrantes com maior qualificação?

A comunidade brasileira que procura o nosso país para viver e trabalhar é muito diversificada, e é nossa política atrair e reter talentos. O reconhecimento de graus e títulos acadêmicos é baseado no princípio da reciprocidade e é feito pelas instituições de ensino superior. Os candidatos podem ingressar diretamente para efeitos de conclusão de estudos conducentes ao exercício profissional, ou para obtenção de equivalência de disciplinas.

O aumento do preço dos aluguéis tem sido objeto de protestos. Muitos atribuem esse aumento à distribuição de “vistos gold”, muito usados por brasileiros, e à proliferação de alojamentos locais. Seu governo pretende tomar alguma medida concreta nos dois casos?

Portugal, como vários países europeus, tem assistido a uma crise de acesso à habitação com causas múltiplas, onde se destaca a escassez de oferta habitacional. O governo adotou, recentemente, um programa de intervenção nesta área, “Construir Portugal”, que lança as bases para a resolução a médio prazo desta problemática. Temos iniciado projetos de habitação pública, num investimento muito substancial até 2030. Portugal é um país que procura que haja uma habitação condigna para cada residente, equilibrando este direito fundamental com a atividade econômica e o desenvolvimento do país.

Que medidas concretas seu governo tem tomado em relação à questão climática? E qual a razão para o senhor não ter ido à COP29, no Azerbaijão —o primeiro premiê em nove anos a faltar à conferência do clima da ONU?

Portugal está bem representado na COP29 pela ministra de Ambiente e Energia que, em concertação comigo, e com os ministros de Negócios Estrangeiros e Finanças, tem expressado as posições e prioridades portuguesas para esta cúpula, que estão, naturalmente, alinhadas com as da União Europeia. Os objetivos de Portugal para a COP29 passam, em primeiro lugar, por aumentar os esforços dos países para cumprir o Acordo de Paris e limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C.

Portugal apresenta, em Baku, um Plano Nacional de Energia e Clima ambicioso, que alinha a sua trajetória no sentido de chegar à neutralidade climática até 2045. Apresentamos, a nível nacional, metas do peso das renováveis no consumo final da energia de 51% e uma meta de redução das emissões de 55%, face aos valores de 2005.

Além disso, os compromissos de financiamento climático internacional de Portugal totalizam € 68,5 milhões. Parte desse valor, € 12 milhões, diz respeito à conversão da dívida de Cabo Verde em investimento climático e outros € 3,5 milhões à conversão da dívida de São Tomé e Príncipe, um mecanismo de cooperação inovador, com resultados muito positivos e elogiado internacionalmente. Temos a ambição de poder ampliar estas parcerias, especialmente com países da CPLP, após 2025.

O combate às alterações climáticas tem sido uma das bandeiras de sucessivos governos portugueses, incluindo o atual. Tal tem sido igualmente evidenciado pelo apoio e participação ativa de Portugal nas prioridades da presidência brasileira do G20, designadamente no que diz respeito à transição energética e ao desenvolvimento sustentável.

As alterações climáticas são uma preocupação central da sociedade portuguesa, particularmente das novas gerações. A luta contra este que é o maior desafio dos nossos tempos é, portanto, uma causa que conta com o meu forte empenho, enquanto primeiro-ministro, e de todo o governo que lidero.

Uma das bandeiras de seu governo é a privatização da TAP. Os opositores dessa política argumentam que isso poderia escassear os voos diretos para Portugal. O senhor considera que esse risco realmente existe?

A TAP, fruto do seu desenvolvimento estratégico, das rotas que opera e da eficiência operacional que tem atingido, é neste momento um ativo muito atrativo. Temos, de resto, visto muitos operadores interessados neste processo de privatização.

Qualquer dos interessados reconhece que o interesse na privatização da TAP decorre precisamente do reconhecimento que a empresa adquiriu nas rotas onde opera. Assim sendo, não vejo qualquer racionalidade econômica em reduzir o valor desse ativo estratégico e consequentemente em reduzir rotas.

De qualquer forma, alguns dos critérios que iremos assegurar neste processo de privatização serão a manutenção das ligações aéreas nacionais para as regiões com as quais temos fortes laços históricos e onde verificamos uma forte presença da diáspora portuguesa (como é o caso do Brasil). Assim, não serão reduzidas, nem prejudicadas, rotas estratégicas da TAP e de Portugal. Lisboa continuará como centro operacional da transportadora aérea e sede da empresa.

Aproveito para realçar que, ainda muito recentemente, o voo direto de Manaus para Lisboa da TAP foi retomado, após suspensão por 7 anos, o que será um contributo importante para o desenvolvimento do turismo europeu para essa região e promoverá novas oportunidades de intercâmbio econômico e cultural.

Portugal irá participar do encontro do G20 no Brasil como país observador. Quais são suas expectativas e demandas concretas?

Tem sido uma honra para Portugal participar neste importante fórum multilateral que é o G20, como país observador, a convite da Presidência brasileira. Temos procurado estar à altura deste voto de confiança, desde logo através de uma participação ativa e construtiva em todas as reuniões.

Graças à liderança do Brasil, o G20 tem centrado as suas discussões em temas centrais como o combate à fome e à pobreza, a transição energética e a promoção do desenvolvimento sustentável, ou a reforma da governação global. Portugal apoiou, desde o início, o Brasil nestas três prioridades, que convergem com as prioridades da participação portuguesa. Tal é evidente no apoio que demos, desde a primeira hora, à criação da Aliança contra a Fome e a Pobreza, da qual somos membros fundadores e para a qual decidimos contribuir financeiramente.

Temos procurado também realçar a importância estratégica dos oceanos, no âmbito da prioridade dada ao desenvolvimento sustentável, bem como a reforma do Conselho de Segurança da ONU, naquilo que diz respeito à reforma dos mecanismos de governação global. Portugal defende, como é sabido, a atribuição de um lugar de membro permanente para Brasil e Índia, assim como dois lugares para África, naquele órgão central para a promoção da paz e da estabilidade internacional.

Em suma, a minha expectativa é a de que o G20 no Rio se consagre como um momento crucial para encontrar soluções concretas para os desafios que o mundo hoje enfrenta e para a construção de um mundo mais justo e sustentável.


Raio-X | Luís Montenegro, 51

Nascido no Porto, é licenciado em direito pela Universidade Católica Portuguesa. Tornou-se deputado pelo PSD em 2002. Foi eleito em outras quatro eleições legislativas (2005, 2009, 2011 e 2015). Em 2022 foi escolhido presidente da legenda e, em 2024, venceu a eleição para premiê de Portugal.

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