‘Precisamos sair dessa’: o drama de mãe e filha obrigadas a viver dentro de um carro nos EUA – Notícias – EERBONUS
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‘Precisamos sair dessa’: o drama de mãe e filha obrigadas a viver dentro de um carro nos EUA – Notícias




Chrystal Audet tentou se acomodar no que ela chama de “quarto” — o banco traseiro do seu Ford Fusion de oito anos. Para esticar as pernas, teve de deixar a porta do passageiro entreaberta, mas as noites de setembro são cruéis no noroeste do Pacífico, com chuvas torrenciais que chegam aos ossos.


Do próprio “quarto” no banco da frente, sua filha Cierra Audet, de 26 anos, pediu a ela que fechasse a porta. “Precisamos sair dessa”, disse Chrystal Audet a si mesma enquanto puxava um edredom para lutar contra o frio e tentava dormir em um estacionamento em Kirkland, cidade do estado norte-americano de Washinghton.





Audet, de 49 anos, ganha mais de US$ 72 mil (quase R$ 360 mil) por ano como assistente social do Departamento de Serviços Sociais e Saúde do Estado de Washington. Mas uma combinação de má sorte, dívidas e pontuação de crédito ruim a obrigou a sair do apartamento onde morava em Bellevue, subúrbio de Seattle, um dos mercados imobiliários mais caros do país.


Na iminência de ser despejada, colocou seus móveis em um depósito na primavera setentrional deste ano e começou a deixar o sedã em um estacionamento do lado de fora de uma igreja em Kirkland.


O carro, seu maior investimento, se transformou em sua casa. E um trecho desgastado de asfalto cedido por uma igreja metodista se tornou seu quintal, sua vizinhança e seu refúgio.



Estacionamentos de sem-tetos



No país inteiro, vários espaços estão sendo usados como estacionamento para pessoas como Audet. Dezenas deles foram abertos nos últimos cinco anos, incluindo locais tão distantes quanto a Pensilvânia e a Carolina do Norte.


Estão espalhados pelo Centro-Oeste em cidades como Green Bay, no Wisconsin, e Duluth, em Minnesota.


E pontilham a espinha dorsal do noroeste do Pacífico, proporcionando um porto seguro para um grupo cada vez maior de trabalhadores americanos que estão em uma situação complicada: ganham muito pouco para pagar aluguel, mas muito para receber assistência do governo, e, por isso, transformam o carro em uma moradia acessível.


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Uma igreja local começou a dar ponto de apoio para os “sem-teto móveis” em 2011, em resposta à “lei do transgressor” de Seattle, que exigia a apreensão de carros que tivessem acumulado várias multas de estacionamento, legislação desastrosa para as pessoas forçadas a morar em seu carro.


“Nossa ideia foi: ‘Se eles estiverem no nosso estacionamento, não vão ser multados nem rebocados'”, contou Karina O’Malley, que ajudou a criar o programa. Atualmente, o local é um dos 12 estacionamentos do tipo no estado de Washington.






Dívida insustentável









Em 2001, Audet emitiu um cheque sem fundos. O caso foi parar no tribunal e acabou em seu registro, um dos vários contratempos que prejudicaram sua pontuação de crédito.


Sua queda livre em direção a uma dívida insustentável começou em dezembro passado, quando seu carro quebrou. Com o histórico de crédito ruim, o único empréstimo que ela conseguiu teve um custo muito alto: para o Ford Fusion 2015 com mais de 160 mil quilômetros rodados, estão sendo cobrados juros de 27,99%, o que equivale ao pagamento de US$ 398 (quase R$ 2.000) por mês, o equivalente a um décimo de seu salário líquido.


Suas despesas médicas por causa da doença de Crohn chegam a milhares de dólares. Já deixou de pagar dois aluguéis e, então, o proprietário aumentou o valor para US$ 248 (R$ 1.240) por mês. “Foi uma conta a mais”, afirmou Audet.


A espiral que a levou à condição de sem-teto decorreu de uma série de circunstâncias — escolhas ruins e péssimas que ela fez, muitas delas em momentos de desespero. Passou uma semana em um hotel.


A Expedia ofereceu dividir seus pagamentos, que ela agora está liquidando a uma taxa de US$ 138 (R$ 690) por mês. Para evitar que o aluguel não pago fosse cobrado, assinou um plano de parcelamento, concordando em pagar US$ 495 (R$ 2.473) por mês.


No meio do verão setentrional, o salário líquido de Audet, de quase US$ 4.300 (R$ 21.484) por mês, foi reduzido pelas despesas que totalizavam quase US$ 2.600 (R$ 12.990), deixando-a com muito pouco para pagar por um apartamento num mercado em que o aluguel médio é de US$ 2.200 (R$ 10.992).


Finalmente, descobriu o estacionamento depois de ver uma notícia sobre programas de estacionamento para pessoas sem-teto.



Dois empregos



Para tentar se manter à frente do tsunâmi de contas a pagar, Audet tinha dois empregos. Em uma noite recente, depois de bater ponto no Departamento de Serviços Sociais e de Saúde do Estado de Washington, pegou o ônibus 554 de volta para Kirkland, onde sua filha, estudante universitária, a esperava.


Passaram as três horas seguintes entregando comida pelo DoorDash, fazendo uma pausa para jantar e recebendo pedidos para o dia seguinte. A dupla ganhou US$ 86,05 (R$ 430) naquela noite, depois gastou US$ 20 (R$ 100) em gasolina e US$ 20,37 (R$ 102) em uma lanchonete de waffles para levar um jantar para viagem.


No estacionamento vazio de uma escola de ensino médio, instalaram um contêiner de isopor no teto do Ford e comeram. “É uma ironia trabalhar e ter uma renda boa e, mesmo assim, não conseguir pagar o aluguel. Ganho US$ 32 (R$ 160) e alguns trocados por hora, mas, mesmo assim, passo muita dificuldade”, lamentou-se Audet.





Sua sorte mudou no fim de agosto em um evento da igreja, quando ativistas do setor habitacional notaram que ela estava sendo acompanhada por um repórter do “The New York Times”. Vários deram a ela seu cartão de visita. Um deles a orientou sobre como abordar possíveis proprietários — o que compartilhar e o que omitir deles.


Pouco tempo depois, ela visitou um apartamento de um quarto em Redmond, Washington, que custava US$ 2.360 (R$ 11.791) por mês. Com 62 metros quadrados, era um palácio: bancadas brancas e pisos reluzentes se estendiam por um espaço 20 vezes maior que o tamanho de seu carro.


Uma omissão calculada — da qual não se orgulhava, mas que considerava necessária — permitiu que ela superasse o primeiro obstáculo. No formulário que solicitava dois anos de histórico de aluguel, ela não incluiu seu apartamento mais recente. Como fizera um acordo de pagamento, o aluguel não quitado não apareceu em seu relatório de crédito.


Ela quase chorou ao saber que tinha sido aprovada, mas quase perdeu o apartamento quando não conseguiu pagar o depósito de segurança. A igreja onde ela estacionava interveio, acabando com sua situação de sem-teto por pouco mais de US$ 2 mil (cerca de R$ 10.000).


Audet e sua filha se mudaram em 23 de setembro. Por enquanto, ela está desfrutando os prazeres humanos mais simples — tomar banho em um lugar que é totalmente seu e se esticar quando dorme. Mas a matemática de sua vida continua precária. A dívida considerável continua a consumir seu salário, deixando muito pouco para o aluguel. “Estou sempre no limite. Pelo menos tenho um carro para me abrigar — e um estacionamento seguro para parar.”


c. 2023 The New York Times Company



FONTE

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