Antes do início dos Jogos Olímpicos de Paris, escrevi que a seleção feminina de futebol jogaria a competição para restaurar a imagem arranhada pela péssima performance na Copa do Mundo de 2023, eliminação na primeira fase.
Pois não é que, contrariando os prognósticos, restaurou?
Não vi um analista prognosticar medalha para a equipe de Arthur Elias, que está faz quase um ano no comando técnico.
E havia motivos para tal. Além da campanha decepcionante da Copa na Oceania (Austrália/Nova Zelândia), havia pelo caminho, já na primeira fase, a campeã mundial (Espanha) e o Japão, à frente do Brasil no ranking mundial.
Também na disputa olímpica, as potências França (jogando em casa), Alemanha e EUA, potenciais adversários caso Marta, em sua despedida da seleção, e companhia avançassem.
Marta, 38, merece um capítulo à parte. Titular e capitã, a duas vezes medalhista olímpica de prata (Atenas-2004 e Pequim-2008) fazia uma boa Olimpíada, com assistência contra a Nigéria (vitória por 1 a 0) e participação relevante no gol contra o Japão (derrota de virada, quando ela já não estava em campo, por 2 a 1).
Isso até ser expulsa, contra a Espanha, por dar uma “voadora” em uma adversária –deixou de ser jogadora de futebol para, imprudente, tornar-se taekwondista.
Não foi proposital, mas a camisa 10 recebeu o cartão vermelho direto, o que rendia dois jogos de suspensão.
Com uma vitória e duas derrotas na fase de grupos, com a classificação só vindo com a ajuda dos EUA –que derrotou a Austrália e fez com que o Brasil avançasse como um dos dois melhores terceiros colocados– e sem Marta, o esperado era que a seleção, nas quartas de final, desse um “adieu” aos Jogos.
Não deu. No Stade de la Beaujoire, em Nantes, resistiu bravamente às investidas da França, apoiada por quase toda a torcida no estádio, a goleira Lorena pegou pênalti e, aproveitando-se de uma lambança da defesa francesa, Gabi Portilho fez no segundo tempo o gol do jogo.
Zebra e semifinal. Contra a Espanha. Que já tinha superado o Brasil na primeira fase e que tinha as badaladas Aitana Bonmatí (atual melhor do mundo), Alexia Putellas e Jenni Hermoso. De novo, sem Marta. Agora era o “adieu”, não tinha jeito.
Teve. Em sua melhor atuação em muito tempo, em uma partida de grande ofensividade e de muitas oportunidades, com um gol contra de cada lado, o Brasil foi mais eficaz e preciso e, pasmado fiquei, mandou três bolas (Portilho, Adriana, Kerolin) para as redes da goleira Cata Coll. Abriu 3 a 0, controlou a partida, ganhou por 4 a 2.
Para a final diante das norte-americanas, a dúvida era: Arthur Elias voltaria com Marta, a craque e líder do time, ou prosseguiria sem ela, recorrendo à máxima “em time que está ganhando não se mexe”?
O treinador, seguindo suas próprias convicções e, talvez sem saber, o clamor popular, deixou a camisa 10 na reserva no Parque dos Príncipes.
O Brasil perdeu por 1 a 0, sendo o gol de Swanson –pareceu haver impedimento na jogada, mas a arbitragem validou–, no segundo tempo, originário de uma falha das brasileiras no meio-campo.
Não dá para saber o quanto Marta, que entrou no decorrer do segundo tempo, faria de diferença caso tivesse começado jogando.
Aparentemente não fez muita falta, pois foi justamente na etapa inicial que o Brasil jogou melhor, tendo gol anulado por impedimento, um possível pênalti não marcado e fazendo a goleira Naeher trabalhar.
Houve luta, garra, determinação, vontade, características tão presentes nos times do Corinthians (o feminino é chamado de “As Bravas”), da seleção brasileira que tem DNA corintiano –11 das 18 jogadoras convocadas para Paris-2024 jogam ou jogaram no alvinegro paulistano, que era até 2023 dirigido por Arthur Elias.
Nem sempre esses substantivos são suficientes para a vitória. Na decisão deste ouro olímpico, não foram.
Não importa. A medalha de prata, raspando na glória máxima, foi surpresa, e das gratas. Tem um sabor adocicado, quase dourado.
E vem em um momento importantíssimo, já que a próxima grande competição feminina, a Copa do Mundo de 2027, será no Brasil.
A prata recoloca o futebol feminino nacional, que vinha em baixa, na vitrine, e clubes e patrocinadores –e talvez o governo federal, com algum projeto de incentivo– podem se interessar em investir mais para impulsionar o desenvolvimento delas nos próximos meses e anos.
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