Pode a democracia portuguesa sobreviver excluindo das escolhas futuras um quinto dos seus eleitores? Seria razoável que em uma sociedade relativamente homogênea como a portuguesa —onde as assimetrias são muito menores que no Brasil— se ignore o voto de protesto no Chega?
Posicionado à esquerda, quase confortável na sua derrota, Pedro Nuno Santos, imediatamente se coloca na oposição —talvez cedo demais?— ao mesmo tempo que confirma que o Chega teve um resultado muito expressivo que não dá para ignorar. Não há, de fato, 18% de eleitores portugueses racistas e xenófobos, mas há muitos portugueses zangados.
Mas como pode agora o PSD mudar de opinião e negociar com eles depois de sistematicamente os ter classificado de perigosos, populistas, demagogos e racistas? O atual líder não tem espaço político para o fazer, mas também não terá outra alternativa, se Portugal quiser controlar os seus “extremistas”. Nesse caso, essa vitória de Luís Montenegro não é apenas tangencial, é um verdadeiro presente de grego.
Na Europa, sempre que os partidos do establishment se uniram em coligações antinaturais e desalinhadas com a sua história para evitar a subida dos “radicais”, o resultado foi exatamente o contrário.
Nunca foi tão verdade que a democracia exige sacrifícios, e, no caso dessa eleição lusa, eles poderão mesmo ser literais. Luís Montenegro sabe que essa é a sua hora de chegar a premiê (e também sabe que não terá outra), mas evitar que os portugueses descontentes se radicalizem está apenas na sua mão.
O resultado desta eleição em Portugal pode ser um laboratório para entender como estancar a subida dos partidos antissistema nas democracias ocidentais. Mas como emendar o erro sem parecer que se está a fazer uma concessão à extrema direita?
Defendendo uma geringonça liberal, o líder do Chega já disse querer fazer parte da solução governativa, avisando que um PSD irredutível vai atirar Portugal para outra eleição logo no final do ano quando for necessário aprovar o orçamento para 2025. Por definição, a democracia é o regime do diálogo e da representatividade, e por isso André Ventura tem razão (e força) para se impor.
Ignorar uma fatia tão significativa do eleitorado que se fez representar pelo Chega pode agravar a sensação de exclusão e alimentar ainda mais o descontentamento com o sistema político tradicional.
Mas, se incorporar o Chega nas decisões políticas, o líder do maior partido da direita portuguesa dará o dito pelo não dito e carregará até o final dos seus dias essa culpa de ter colocado a extrema direita no poder. Ele é o grande perdedor.
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