Uma festa em Marvila, bairro boêmio alternativo de Lisboa, Portugal, reuniu na sexta-feira (10) influenciadores com presença na TV e nas redes sociais. O DJ tocava sucessos do pop europeu e barracas ofereciam pastéis de nata, caldo verde e imperiais, nome pelo qual os lisboetas chamam o chope.
Seria uma festa como outras não fossem os padroeiros anunciados num cartaz na entrada: “Santa Merkel” e “São Schuman”. Os dois são figuras históricas da política europeia —Angela Merkel, foi primeira-ministra da Alemanha por mais de 15 anos, e Robert Schuman, arquiteto do projeto de integração do continente.
Elas lembram que as eleições para o Parlamento Europeu se aproximam, programadas para de 6 a 9 de junho.
Portugal vive um paradoxo quando se trata da União Europeia. O país registra um alto índice de aprovação das instituições do grupo. Confia mais nos políticos de Bruxelas do que nos do próprio país —66% ante 37%, de acordo com pesquisa recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Por outro lado, as taxas de abstenção nas eleições para a UE também são altas: 68,6% no último pleito, em 2019, um recorde histórico.
A festa promovida no 8 Marvila —galpão que reúne lojas de moda alternativa, pizzas gourmet e cervejas artesanais— buscava fazer os jovens se engajarem na campanha europeia. Foi organizada pela ONG Praça do Luxemburgo.
“Percorremos o país de norte a sul com o intuito de explicar a UE aos portugueses, que muitas vezes não votam por não saber como as instituições funcionam”, diz Milton Nunes, um dos fundadores da entidade.
A organização não é a única a tentar chamar a atenção para o pleito. A partir desta segunda-feira (13), um conjunto de canais de TV transmitirá, em horário nobre, debates com os principais candidatos ao Parlamento Europeu —uma iniciativa importante, dada a relevância da televisão para o debate político em Portugal.
Em outra frente, um site interativo elaborado por governos municipais informa o eleitor sobre quais obras, em cada cidade, foram construídas com fundos da UE. O portal recebeu patrocínio do próprio bloco.
“As pessoas não percebem o efeito direto da Europa no seu dia a dia”, diz à Folha Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, cargo que equivale ao de prefeito no Brasil.
“Lisboa está investindo 800 milhões de euros (cerca de R$ 4,43 bilhões) em habitação, dos quais 560 milhões (R$ 3 bilhões) vêm da UE. A cada 15 dias, entrego chaves a pessoas que não têm dinheiro para pagar o aluguel e digo: ‘Agradeçam à UE, não ao presidente da Câmara’.”
Moedas, eleito pelo PSD (Partido Social Democrata), de centro-direita, foi um dos poucos políticos a discursar na festa da Praça do Luxemburgo. As mesas de debates do evento eram formadas em sua maioria por jovens ligados a causas como meio ambiente e integração de imigrantes. Eles veem na UE um foro mais apropriado a suas agendas do que os governos locais.
Vale notar que a UE nunca esteve tão em alta em Portugal —90% dos cidadãos acham que o país fez muito bem em aderir ao grupo em 1986.
“No início da década de 2010 esse índice era baixo, por causa do ajuste fiscal exigido pelo Banco Central Europeu durante a crise do euro”, diz a cientista política alemã Lea Heyne, uma das coordenadoras da pesquisa da Fundação Francisco Manuel dos Santos. “Com a pandemia, ficou claro para os portugueses que, sem a intervenção da UE, o país não teria vacinas para Covid.”
Entre os países da UE, Portugal é um dos poucos onde a discussão política se baliza por temas econômicos e sociais.
Habitação, por exemplo, é um assunto particularmente sensível na nação lusa devido à explosão de preços do mercado imobiliário, que deixou muitos portugueses sem dinheiro para pagar os aluguéis. “No norte da Europa, os temas culturais, como a imigração, predominam”, afirma Heyne.
Os “cabeças de lista” dos partidos também têm reforçado questões socioeconômicas em suas aparições públicas.
Nas eleições para a UE em Portugal, os eleitores votam em siglas, não em candidatos específicos. Desse modo, cada agremiação leva para Bruxelas um número de parlamentares proporcional aos votos obtidos.
Esses parlamentares são designados de acordo com uma lista ordenada previamente pelos próprios partidos. O “cabeça de lista” é quem costuma representar o partido nas aparições públicas e debates televisivos.
Por exemplo: o PS (Partido Socialista), de centro-esquerda, escolheu Marta Temido como “cabeça de lista”. Ela foi ministra da Saúde durante a pandemia e liderou uma equipe elogiada pelos resultados acima da média europeia que obteve.
Já o PSD elegeu como principal representante Sebastião Bugalho, que defende uma política continental na área de habitação. Comentarista de TV, ele é uma aposta para os debates.
O Chega, partido da ultradireita que é o terceiro maior de Portugal, atrás do PS e do PSD, tentará promover o tema da imigração, que é secundário no debate público português.
O “cabeça de lista” da sigla, António Tânger Corrêa, foi criticado semana passada por declarações antissemitas, e vem propagando uma teoria conspiratória que diz que judeus que trabalhavam nas Torres Gêmeas, em Nova York, foram avisados com antecedência do 11 de setembro de 2001e que isso possibilitou que eles faltassem ao emprego na data.
Milton Nunes, da Praça do Luxemburgo, diz crer que o comparecimento às urnas pode aumentar neste ano, com o trabalho de ONGs como a sua, campanhas cívicas e a os debates em horário nobre. A festa no Marvila 8 foi até as 0h —feito notável numa cidade que dorme cedo.