Anton Chigurh, Capitão Pátria, Hans Landa, Rose Armitage e Adam Sutler. Nomes vindos do mundo do entretenimento que têm um elemento em comum que vai muito além de todos serem considerados vilões. Com características e objetivos variados, essas figuras compartilham o gosto pelo leite como suas bebidas favoritas.
Apesar de isso parecer algo inocente em um primeiro momento, essa é uma escolha que tem vários significados e dá muitos indícios da verdadeira personalidade desses personagens. Enquanto em alguns casos isso é feito de maneira mais discreta, em outros a ligação entre o leite e o lado vilanesco deles é bastante escancarado.
Conhecida como uma bebida ligada a noções de vida e inocência, rica por seu cálcio, sua presença cada vez maior em Hollywood e em séries de TV não é uma mera coincidência. Entenda os motivos para isso e por que um número cada vez maior de vilões parece ter incluído os laticínios em suas dietas.
O leite é um símbolo da inocência
O que um personagem bebe em um filme ou série costuma dizer muito sobre ele. O melhor exemplo nesse sentido provavelmente é James Bond, o Agente 007 da série de mesmo nome. Um homem experiente e sofisticado, ele sempre prefere um “martini seco, agitado, não mexido” quando lhe perguntam qual sua bebida preferida.
Já um personagem mais jovem ou inocente poderia preferir um refrigerante, enquanto um trabalhador de serviços braçais pode preferir uma cerveja após o fim de uma longa rotina. Nesse sentido, o leite se destaca por ter características que lembram nutrição e a infância, bem como por trazer a ligação com um passado distante ou com a mãe de um personagem.
Esse subtexto rico faz com que a bebida não seja uma exclusividade de vilões, por mais que essa ligação tenha se intensificado em tempos recentes. Figuras como o Superman, por exemplo, podem decidir bebê-lo como um símbolo de sua inocência e pureza, em uma representação clara do bem que ele traz à Terra.
Quando a bebida é associada a figuras como Hans Landa (Bastadors Inglórios) ou o Capitão Pátria (The Boys), o que acontece é uma subversão da ligação inocente com a qual nosso cérebro está acostumado a lidar. O consumo da bebida é visto como uma violação de algo sagrado e até mesmo como uma ironia em comparação com os atos terríveis que eles cometem.
O significado depende do contexto
Além do nível básico de subversão que o consumo de leite por figuras vilanescas pode trazer, ele pode ganhar novos significados dependendo do contexto em que isso acontece. O Capitão Pátria é um exemplo rico disso, já que seu consumo do alimento está ligado a diversos traumas de seu passado.
Mostrado em The Boys como uma figura insegura e que busca aceitação, o personagem busca pela aprovação de uma mãe que nunca conheceu, o que o leva a se associar a figuras como Madelyn Stillwell e, mais recentemente, Firecracker. Além de buscar uma inocência perdida, o personagem também associa o consumo de leite a um prazer de ordem sexual.
Nas temporadas mais recentes da série, esse também é um elemento usado para explorar as relações entre o herói corrompido e grupos de supremacismo branco. Partindo de ideias pseucientíficas e eugenistas que ganharam fama no final do século XIX e início do século XX, membros da extrema direita associam o consumo de leite a uma suposta supremacia racial.
Deturpando estudos científicos, eles afirmam que a maior capacidade de digerir lactase presente em certas populações caucasianas faria delas geneticamente superiores. Isso também tornaria homens pertencentes a elas mais másculo e fortes, em uma clara contradição com pessoas que preferem consumir produtos derivados da soja.
A associação entre o Capitão Pátria entre esses grupos não é nada sutil — afinal, ele namorou uma literal nazista —, e ele não está sozinho nesse sentido. Hans Lauda, por exemplo, é um claro apoiador de Hitler, enquanto Rose Armitage, de Corra!, está associado a grupos que acreditam que brancos representam o ápice da inteligência humana e negros só existem para que seus atributos físicos sejam explorados.
A Rose de Corra! usa o leite como um símbolo de associação a grupos supremacistasFonte: Divulgação/Universal Pictures
Mas isso não significa necessariamente que todo personagem, ou até mesmo vilão, que consuma leite tenha necessariamente uma ligação com nazistas. Como afirmamos anteriormente, tudo depende de um contexto mais amplo, e usar o alimento como o único critério de avaliação geralmente vai levar a conclusões precipitadas.
Por que o uso de leite tem se tornado mais frequente?
A associação entre o líquido e o caráter vilanesco de personagens não é exatamente nova. Laranja Mecânica, lançado em 1971, já mostrava seu protagonista Alex DeLarge e seus companheiros ultraviolentos se divertindo em “bares de leite”, nos quais também usavam drogas e planejavam novos atos de delinquência.
Nesse caso, o filme usava o elemento tanto para mostrar o quanto a juventude de seu universo estava deturpada, quando para mostrar o quanto o governo no poder impunha noções de “inocência” à força, mesmo que elas não tivessem nenhuma força prática. Assim, o filme apresenta um contexto que não necessariamente é ligado com a supremacia branca.
Isso já acontece de forma diferente em produções mais recentes, especialmente aquelas que se propõem a discutir temas do mundo real, como os já citados Corra! e The Boys. Com a ascensão de grupos neonazistas em âmbito mundial e a transformação do consumo de leite em “memes” que foram apropriados por supremacistas reais, era inevitável que esses elementos também aparecessem no mundo do entretenimento.
Para completar, também há a questão da repetição e do uso de referências em comuns. Com o alimento se estabelecendo em cada vez mais produções como a “opção dos vilões”, isso se torna um símbolo reconhecido pelo público — o que contribui para um aumento constante no número de figuras que repetem o comportamento.