Quem acompanha o mundo das séries de TV e filmes hollywoodianos, especialmente os de maior orçamento, pode ter ficado com a impressão de que algo está errado em tempos recentes. Abusando de efeitos especiais, muitas obras com orçamentos de milhões ainda assim parecem baratas e entregam visuais muito aquém do que o público espera.
Exemplo disso é o sucesso de Godzilla Minus One, que venceu o Oscar de Melhores Efeitos Visuais no ano passado. Mesmo com um orçamento limitadíssimo, o longa-metragem entregou resultados superiores a muitos filmes de orçamentos gigantescos, incluindo Homem-Formiga: Quantumania.
Para entender o que está acontecendo (e confirmar que não é tudo uma mera impressão), conversamos com quem entende muito bem do assunto. Anderson “Gaveta” Almeida é conhecido tanto pelo trabalho de qualidade que a Gaveta Filmes faz para clientes como Jovem Nerd e Globo, como por também manter um canal bastante popular no YouTube.
Conversamos com ele sobre o estado atual de Hollywood, o quanto novas ferramentas influenciam na criação de conteúdo e como desenvolver histórias que se conectem com o público. Ao final, ele também deu dicas valiosas para aqueles que desejam começar a apresentar ou editar seus próprios vídeos.
O que explica a queda de qualidade dos efeitos nos filmes e séries?
Para Anderson Gaveta, o principal motivo para tantos filmes e séries apresentarem efeitos de baixa qualidade é a crença cega de que basta investir dinheiro em uma obra para que ela seja boa. Ele faz uma analogia com a de uma cozinha, na qual usar os melhores ingredientes teoricamente resultaria em um prato bom — o que não acontece dependendo da qualidade de quem comanda o lugar.
“Não necessariamente o dinheiro que você investe num filme, vai reverter num bom filme. Parece que o filme tem grande orçamento, mas não parece um bom filme. Um bom filme, ele depende muito mais de bons diretores, bons contadores de história, eu diria, e você ter bons profissionais e ter tempo para produzir isso”, explicou.
Ele cita como um exemplo evidente disso a Marvel que, apesar de não considerar uma empresa ruim, tem apresentado muitos problemas em suas produções recentes. “Com uma fila gigantesca de filmes que tinham que ser produzidos rápido e eles não tinham tempo para produzir isso, portanto, o CGI ficava ruim”.
A Marvel tem sido bastante criticada pela qualidade de seus efeitos especiais.
Para Gaveta, muitos produtores acreditam que prazos curtos de desenvolvimento podem ser compensados colocando mais dinheiro em um projeto. “Só que não é assim que funciona. Se você tem um artista para fazer um trabalho, às vezes não adianta botar mais outro artista, às vezes você precisa da visão daquele artista específico. Mas eu acho que isso está começando a ser percebido em Hollywood”.
Tempo e talento contam mais que dinheiro
O dono da Gaveta Filmes também explica que, em sua visão, questões como tempo e talento contam muito mais do que dinheiro. Como exemplo ele cita o sucesso de Godzilla Minus One, que levou o Oscar de Melhor Efeitos Especiais mesmo competindo contra concorrentes que possuíam orçamentos muito maiores.
“O diretor era muito apaixonado pelo projeto, ele levou muito tempo fazendo aquilo, ele esteve envolvido em todos os estágios de produção, supervisionou muito de perto os efeitos visuais e isso fez que ele contasse a história de uma forma correta. E ele também é um bom contador de histórias, então é a junção desses fatores”, afirmou.
Para ele, filmes como Duna, de Denis Villeneuve, mostram que grandes orçamentos também precisam investir em profissionais de qualidade e que saibam contar boas histórias. Como exemplo de um longa que seguiu um caminho contrário, Madame Teia é citado como uma prova de que o dinheiro sozinho é insuficiente em um contexto de pouca competência.
“A edição do Madame Teia é ruim para mim como um desdobramento de uma direção ruim. Um diretor bom já teria visto que a edição é ruim. Um diretor bom já teria visto que o roteiro é ruim. Ou ele não teria aceitado filmar aquele roteiro horrível, ou ele teria alterado, teria pedido uma alteração, sabe?”, explicou.
Para Gaveta, a diretora do filme (S.J. Clarkson) não é necessariamente ruim, mas pode não ser a melhor escolha para uma obra com super-heróis. “E, ainda assim, Hollywood investiu muitos milhões no projeto dela. Eu acho que esse é o ensinamento que está caindo com força em Hollywood”, complementou.
Como exemplos de filmes que uniram bons efeitos especiais e qualidade, o editor e apresentador também cita Piratas do Caribe, de Gore Verbinski, e Tubarão, de Steven Spielgerg. Produzidos em épocas diferentes, eles têm como elemento em comum terem sido criados por profissionais talentosos e experientes o bastante para não usarem efeitos especiais como muletas.
“Parte muito da visão do diretor aprovar ou apontar caminhos bons que ele sabe que vai otimizar os visuais. Esse seria um fator, o outro fator seria também tempo de produção, né, então por mais que você tenha um bom diretor, se você não dá tempo para ele produzir do jeito que ele planeja, não dá, não dá para fazer”, explicou.
“É um ditado que eu sempre falo no meu canal, de um amigo meu, que trabalha com efeitos visuais, que falou ‘9 mulheres não fazem um bebê em um mês’. Tem trabalho que precisa de tempo para ser realizado. CGI, especialmente, é um trabalho que precisa de tempo. Não adianta jogar muito dinheiro e contratar mais profissionais”.
Novos talentos vão se beneficiar com avanço tecnológico
Embora acredite que talento e visão precisam vir antes da tecnologia, Gaveta não despreza o poder que novas ferramentas podem trazer. Para ele, soluções como a Unreal Engine 5 e a inteligência artificial ajudam a reduzir custos e a facilitam a descoberta de novos talentos, que vão encontrar meios mais simples de se expressar.
“Você tendo orçamentos mais baixos, você pode correr mais riscos. Porque você precisa testar vários diretores iniciantes ou intermediários para saber quais são os melhores contadores de história e, aí sim, no futuro, você investir um orçamento mais pesado”, afirmou.
Com isso, quem ainda está começando pode participar de mais testes, desenvolvendo suas capacidades de contar histórias e atingindo novos públicos. Ele também destaca que novos formatos estão surgindo e criando meios de se conectar com a audiência — o que inclui cenas “instagramáveis” e feitas para se espalhar pelas redes sociais como o TikTok.
“Se você for ver os filmes, até se você for ver os filmes antigos, sei lá, filmes da década de 50, 60, 70, eles são filmes que têm um ritmo muito mais lento do que os filmes que são feitos hoje em dia. O ritmo dos filmes em geral mudou, por mais cult que seja, e eu acho que isso é parte da expressão artística, evoluindo junto com a sociedade”, declarou.
Gaveta afirma que, enquanto cineastas tradicionais como Martin Scorsese e Christopher Nolan ainda dominam os cinemas atualmente, daqui há 10, 20 ou 30 anos novos nomes com linguagens próprias vão surgir. “E provavelmente boas histórias surgirão com essa pegada mais rápida e eletrizante se contar histórias, sabe?”.
Especialista alerta que avanços na IA não significam menos trabalho
Demonstrando otimismo, ele explica que é normal que produções de baixa qualidade sejam feitas, mas também haverá muitas boas — assim como já acontece entre os filmes e séries atuais. Ele encara o avanço da inteligência artificial de forma semelhante, explicando acreditar que todo salto tecnológico acaba substituindo profissionais.
“A partir do momento que a animação 3D se estabilizou, ela quase acabou com o mercado dos animadores de stop motion. É um nicho muito pequeno hoje em dia, muito menor do que já foi. Assim como várias outras evoluções tecnológicas”, exemplifica Gaveta.
“E tem um outro lado negativo também, que é a inteligência artificial se alimentando do trabalho de artistas para poder fazer a sua criação. Esse é um ponto que levaria uma dissertação por si só, mas eu resumo dizendo que até isso já está sendo tratado e eles estão treinando a inteligência artificial com artistas que aceitaram doar o seu trabalho para estudo”, complementa.
Para Gaveta, a inteligência artificial pode acelerar muito a finalização de projetos, fazendo com que eles ganhem em qualidade e tenham seus custos reduzidos. Ao mesmo tempo, ele alerta que isso não significa menos trabalho para os profissionais da edição: afinal, mais intervalos à disposição são oportunidades para encarar mais projetos.
“Provavelmente o empregador dele vai passar outros projetos. Então, ao invés dele pegar um projeto por dia, ele vai pegar 3 por dia. E aí, de qualquer forma, o crunch vai acontecer. Se não for por um motivo, vai ser pelo outro. Não acho que é isso daí que vai resolver esse problema não”, opinou.
Gaveta dá dicas para quem está começando
Para Gaveta, quem está começando a produzir conteúdos para o YouTube e mídias digitais precisa entender primeiramente qual é seu papel e objetivo. “No final das contas, você está tentando se tornar interessante para as pessoas. Interessante através do humor, interessante através da ciência, interessante porque você fala de culinária, ou seja lá o que for”.
Ele explica que uma das maneiras que encontrou para se destacar é apostar no que considera inusitado. Para ele, muitas vezes uma pessoa tem um assunto bom, mas não sabe apresentar bem e faz com que tudo acabe ficando chato pelo excesso de explicações ou falta de ritmo. “Às vezes você tem um bom assunto, mas a pessoa não apresenta bem, ela faz com que a apresentação fique chata. Então, o interessante está aí também”.
Para Gaveta, a persistência também é uma parte importante do processo e todos vão demorar algum tempo para construir suas audiências. “As pessoas têm que se condicionar a te assistir e a consumir os seus conteúdos, e isso leva a tempo”, afirmou.
“Você vai produzir por muito tempo, regularmente, de forma consistência, até criar essa confiança, e essa consistência vai te dar mais qualidade na produção de conteúdo, e essa qualidade vai ser cada vez mais percebida pelo seu público e você tem aí um ciclo de sucesso”, finalizou.