Ao longo da história, diferentes doenças infecciosas assumiram o título de “doença mais mortal” que atinge os seres humanos. Só nos últimos cem anos, a população humana vivenciou muitas pandemias: Covid, HIV e vários surtos de gripe— para citar umas poucas. Algumas nos acompanham há séculos e persistem até hoje, como a tuberculose. Outras são frequentemente consideradas como relegadas aos livros de história.
Antes do século 20, o manto da doença mais mortal na Europa e arredores era ocupado pela peste bubônica. Três grandes pandemias dessa doença ocorreram nos últimos 1,5 mil anos. A primeira entre os séculos 5 e 7, matando cerca de 15 milhões de pessoas na Bacia do Mediterrâneo e afetando fortemente os impérios bizantino, sassânida e romano.
Um segundo surto muito maior, chamado de Peste Negra, varreu a Europa do século 14, onde mais de 50 milhões de pessoas, cerca de 50% de toda a população europeia, morreram dessa doença.
A terceira onda dessa pandemia ocorreu globalmente nos séculos 19 e 20, matando mais 30 milhões de pessoas em todo o mundo, muitas delas na China e na Índia.
A partir da década de 1960, no entanto, os casos diminuíram drasticamente, e a peste bubônica não é considerada uma doença moderna. Apesar disso, um novo caso foi relatado recentemente nos EUA, renovando o interesse por essa doença.
Embora não seja mais comum em muitas partes do mundo, a peste bubônica ainda existe em bolsões geográficos e pode se espalhar nas comunidades se houver a combinação certa de condições.
A peste bubônica, ou apenas “peste” para abreviar, é causada por uma bactéria chamada Yersinia pestis. Há três tipos de peste causadas por esse patógeno, cada uma tendo uma parte diferente do corpo como principal local de infecção: a pneumônica é principalmente pulmonar, a septicêmica é principalmente sanguínea e a bubônica é principalmente nos linfonodos.
Embora uma forma possa se transformar em outra durante uma infecção, geralmente a forma que uma pessoa tem é determinada pela maneira como ela foi infectada.
A peste bubônica é a forma de infecção por Y. pestis que é transmitida por pulgas que vivem em pequenos animais, principalmente roedores, como o rato doméstico e o rato do campo. Esses roedores servem como reservatórios da bactéria: eles apresentam poucos ou nenhum sintoma, mas podem transmitir a bactéria a outros seres vivos, inclusive aos humanos.
Essa transmissão dos roedores para os seres humanos ocorre por meio das pulgas. Esses insetos picam os ratos e, em seguida, podem pular e morder um ser humano, injetando a bactéria da peste no sistema linfático do humano. A bactéria então viaja por esse sistema até os nódulos linfáticos e a infecção começa.
O principal sintoma da peste bubônica é o inchaço dos gânglios linfáticos, geralmente no pescoço, virilha, coxas e axilas. Esses nódulos inchados, chamados de “bubões”, podem fazer com que o tecido ao redor deles fique preto e morra. Eles também podem se romper, liberando o pus em seu interior.
Outros sintomas incluem febre, dores de cabeça e vômitos, e o patógeno pode se espalhar para outras partes do corpo, como os pulmões e o sangue, causando outras formas de peste. A peste bubônica mata de 30% a 60% das pessoas que infecta, enquanto a pneumônica e a septicêmica são sempre fatais se não forem tratadas.
Então, por que isso era tão importante há centenas de anos, mas quase não se ouve falar disso hoje? É tudo uma questão de ter essa combinação crucial de vetor (pulga), reservatório (roedor) e bactéria (Y. pestis) ocorrendo juntos e em contato próximo com os seres humanos.
Antes do século 19, as pessoas pensavam que a doença era transmitida principalmente por miasmas —formas nocivas de ar. Foi só após a década de 1880 que as pessoas perceberam que os organismos microscópicos transmitidos entre humanos, animais e o meio ambiente podem causar doenças.
Sob controle
A partir daí, o saneamento básico melhorou em muitas partes do mundo, separando os roedores dos seres humanos e quebrando o ciclo de transmissão da peste. A invenção dos antibióticos, especialmente das fluoroquinolonas a partir da década de 1960, reduziu ainda mais os casos de peste, já que agora era possível administrar o tratamento adequado para todas as formas.
Atualmente, ainda vemos casos de peste em pontos críticos específicos do planeta, principalmente na Ásia, África e América do Sul. A República Democrática do Congo, o Peru e Madagascar são os países com mais casos de peste.
Apenas Madagascar tem dezenas de casos por ano, com os maiores surtos ocorrendo em 2014 e 2017 (este último teve mais de 2 mil casos). As áreas de florestas densas abrigam muitos roedores, e o contato entre as pessoas e esses ecossistemas é a causa desses surtos modernos.
A peste provavelmente nunca será erradicada. Devido à sua complexa rede de transmissão de pulgas, roedores e seres humanos, é quase impossível encontrar, controlar e tratar todos esses aspectos. No entanto, por meio do manuseio adequado dos animais, da separação dos reservatórios naturais e dos seres humanos e do tratamento rápido e eficaz, o número de casos de peste está diminuindo a cada ano, com a esperança de que eventualmente este número seja insignificante.
Este artigo foi publicado no The Conversation e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original.