Uma pergunta que ouço com frequência de amigos brasileiros intrigados com a falta de um desafio à pré-candidatura do ancião Joe Biden à reeleição é: cadê os candidatos mais jovens e viáveis? Alô, alô, diva Alexandria Ocasio-Cortez?
Um livro excelente, lançado nesta semana nos Estados Unidos, ajuda a explicar esse fenômeno. Não há a menor intenção da deputada nova-iorquina conhecida como AOC, nem do popular —e igualmente ancião— Bernie Sanders, ou mesmo da eloquente senadora Elizabeth Warren, de fazer algo para dificultar a escolha do presidente Biden como candidato do Partido Democrata à reeleição em 2024.
O motivo? Eles estão ocupados governando. Ok, exagero um pouco, mas o fato é que Warren e Sanders, derrotados como pré-candidatos em 2020, acabaram vencendo, digamos. Junto com AOC, a mais jovem deputada eleita para o Congresso, eles entraram na Casa Branca pela porta do chefe de gabinete dos dois primeiros anos da Presidência Biden, Ron Klain.
Sem fazer alarde, Warren, Sanders e Ocasio-Cortez trabalharam com afinco para influenciar a transformação do sonolento candidato centrista Biden em um presidente que comanda uma agenda econômica populista que faria Bill Clinton ter um faniquito e Barack Obama pedir seus sais.
(Perdão, obamistas derretidos, mas o presidente do “yes we can” disputa com o antecessor Clinton o topo do panteão de democrata mais neoliberal a ocupar a Casa Branca.)
Joshua Green é o autor de “The Rebels: Elizabeth Warren, Bernie Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez and the Struggle for American Politics” (ou os rebeldes, Elizabeth Warren, Bernie Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez e a batalha pela política americana).
Green é um veterano repórter político da Bloomberg, e em um best-seller anterior examinou a revolta populista que elegeu Donald Trump com a ajuda de Steve Bannon.
Ao cobrir a eleição de 2016, em que a expectativa de todos —inclusive de Trump— era uma vitória garantida de Hillary Clinton, ele percebeu que a população americana continuava revoltada com a solução para enfrentar a grande recessão de 2008, quando Obama se elegeu pela primeira vez: salvar bancos e montadoras de automóveis e abandonar a classe média subitamente desempregada e devastada com o furo da bolha imobiliária criada pelos empréstimos “sub-prime”, direcionados a clientes de baixa renda.
Esta revolta gerou o Tea Party, o movimento rebelde conservador que infligiu derrotas legislativas a Obama logo no segundo ano de seu governo. Em 2016, quando perguntava ao potencial eleitor de Donald Trump quem seria sua segunda opção nas urnas, Green ouvia: Bernie Sanders. Quando fazia a mesma pergunta ao simpatizante do socialista Bernie, ouvia: Donald Trump. Era o populismo econômico explodindo na esteira da orgia financeira da primeira década do milênio.
O livro situa o “pecado original” no momento em que o Partido Democrata abandonou os ideais do New Deal de Franklin Roosevelt no ano de 1978. Jimmy Carter, um presidente enfraquecido, enfrentava a crise do petróleo, inflação e desemprego altos. O recém-formado lobby financeiro convenceu Carter e os democratas de que a solução era cortar impostos e “formar capital.”
A torneira do financiamento de campanhas democratas começou a jorrar. O crash de 2008 foi resultado direto daquelas décadas de namoro do partido com Wall Street e de descaso com os trabalhadores afetados pela globalização.
Biden entra no quarto ano de mandato com indicadores econômicos para comemorar, mas protegido do corpo a corpo com a mídia e a população assustada com sua idade.
Podemos esperar que o trio Warren, Sanders e Ocasio-Cortez apareça nos comícios defendendo energicamente sua reeleição e um legado que, no momento, prefere não alardear como seu.
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