Reeleito em fevereiro deste ano apesar de um veto constitucional, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, rebate quem aponta a escalada autoritária com a sua popularidade, que passa dos 91% em seu quinto ano de mandato, segundo levantamento da UCA (Universidade Centro-Americana) divulgado em junho.
Para o jornalista salvadorenho Carlos Martínez, 45, a aprovação de Bukele é justamente o que permite ao governo prescindir de mais repressão —mas isso tem prazo. “Vai ser um processo lento no qual a popularidade vai dar lugar à violência, como sempre ocorre na América Latina“, afirma.
No início de julho, o jornalista se tornou um dos vencedores do Maria Moors Cabot, premiação criada em 1938 pela Faculdade de Jornalismo da Universidade Columbia, dos Estados Unidos. Com a distinção, ele se junta a outros cinco profissionais salvadorenhos que já haviam ganhado o principal prêmio de jornalismo da Américas —dois são colegas do El Faro, veículo onde trabalha.
O número de laureados salvadorenhos mostra a relevância jornalística do pequeno país de 6 milhões de habitantes, incrustado em uma região da América Central conhecida pelos altos índices de violência, como comprovam Honduras e Guatemala. Em relação à segurança para a profissão, El Salvador era um oásis se comparado com os vizinhos, diz Martínez.
“Como em todos os países latino-americanos, o jornalismo de El Salvador sempre esteve submetido a pressões e controvérsias com o poder, porque faz parte da natureza do ofício. Mas a imprensa do país nunca esteve sob tanto risco como atualmente.”
Em 2022, quando publicou o áudio de uma conversa que mostrava um membro do governo, Carlos Marroquín, jurando lealdade a um líder da MS-13 (Mara Salvatrucha-13), um dos três principais grupos criminosos do país, o jornalista estava no México.
“Foi a primeira vez que tive que sair do país em um exílio preventivo”, declara. “Saí sem a certeza de que voltaria.” Desde então, ele teve que se exilar mais duas vezes, sempre por causa de investigações sobre acordos entre o governo e as gangues, e viu diversos colegas fazerem o mesmo.
Quando Martínez deixou o país pela primeira vez, Bukele já havia conseguido conquistar grandes poderes. No ano anterior, com maioria governista na Assembleia, o presidente destituiu juízes da Suprema Corte e removeu o procurador-geral do cargo. Assim, não houve obstáculos para, em março de 2022, aprovar um estado de exceção que tira os direitos constitucionais dos salvadorenhos há mais de dois anos.
O motivo do breve exílio do repórter foi uma lei, aprovada na mesma época, que pune com penas de 10 a 15 anos de prisão quem divulgar mensagens de grupos criminosos na mídia. Ao publicar a reportagem, que contava com informantes de dentro das facções, o jornalista se expunha ao risco de ser detido.
Com a convicção de que, em algum momento, as ameaças do governo vão se concretizar, o jornalista tem planos para sair definitivamente do país se precisar. “Qualquer jornalista que siga na ativa em El Salvador e que não tenha um plano de saída do país está vivendo no lugar errado.”
Apesar da denúncia do El Faro, a ideia de um presidente que combate o crime fez dele um modelo para a direita em todo o continente. No início de julho, o ministro salvadorenho da Justiça e Segurança, Gustavo Villatoro, foi aplaudido de pé ao subir no palco da conferência conservadora Cpac (Conferência da Ação Política Conservadora, na sigla em inglês), que ocorreu em Balneário Camboriú (SC).
“Mandamos ‘al carajo’ a Corte Suprema de Justiça. E não apenas isso, também mandamos ‘al carajo’ o procurador da República”, afirmou ele, ao falar sobre a guerra contra gangues.
“O governo é muito hábil para apresentar sua própria versão da realidade, tanto dentro quanto fora do país. O que acontece é que essa habilidade tem as pernas muito curtas, porque cedo ou tarde virá inclusive a verdade jurídica”, diz Martínez.
O suposto acordo entre o governo e o crime organizado é investigada pela Justiça americana. Em uma acusação contra 13 líderes da MS-13 em setembro de 2022, a Procuradoria do Distrito Leste de Nova York afirmou que houve negociações relacionadas às eleições de 2019, que elegeram Bukele pela primeira vez, e de 2021, quando conseguiu maioria na Assembleia.
Após 2019, diz o documento, líderes das facções “se encontraram secretamente várias vezes com representantes de El Salvador nas prisões de Zacatecoluca e Izalco”. Élmer Canales Rivera, um chefe da MS-13 conhecido como Crook e supostamente libertado pelo governo em negociações, deveria ter comparecido ante um juiz em Nova York no dia 9 de julho, mas a audiência foi adiada para 11 de setembro.
“Nossas reportagens, ainda que sejam muito bem documentadas, não conseguem colar no imaginário dos salvadorenhos. A propaganda governamental onipresente consegue ocupar todo esse espaço. Quando isso não for possível, quando as investigações dos meios de comunicação respingarem na sua popularidade, aí sim estaremos em risco”, diz Martínez.
O prognóstico do jornalista em relação a seu país é desanimador. Martínez diz não acreditar, por exemplo, que a solução virá da comunidade internacional, esperança de alguns de seus conterrâneos —El Salvador não tem relevância geopolítica para que isso aconteça, afirma. Enquanto os salvadorenhos seguirem enfeitiçados pelo discurso de Bukele, não há absolutamente nada a fazer.”