Pouca gente se lembra, mas acaba de completar 40 anos a última intervenção militar dos Estados Unidos nas vizinhanças do Brasil. Foi em outubro de 1983, para a deposição do governo marxista da minúscula ilha de Granada, com pouco mais de 100 mil habitantes e não muito longe do litoral da Venezuela.
O episódio, que apimentou ainda mais as relações do então presidente Ronald Reagan com Cuba e os soviéticos, é evocado em podcast da NPR, a rede pública americana de rádio. A produção traz a jornalista Martine Powers, do jornal The Washington Post, e Dessima Williams, hoje presidente do Senado de Granada e, na época da invasão, embaixadora da ilha junto ao governo americano.
Descoberta por Cristóvão Colombo, Granada passou por Espanha e França antes de se tornar colônia britânica no final do século 18. Enriqueceu os colonizadores com a noz-moscada e, bem depois, com o turismo. Ainda hoje o chefe de Estado local é o rei britânico. O poder é do primeiro-ministro desde a independência, em 1974.
A experiencia política foi confusa, tanto que um golpe em 1979 levou o marxista Maurice Bishop a revogar a Constituição, cancelar eleições e instituir uma república socialista. A medicina gratuita ficou por conta dos médicos cubanos. Engenheiros também cubanos construíam um novo aeroporto para aumentar o turismo.
Bishop afirmava que tinha pouco a ver com Cuba e Nicarágua, porque ele e os cidadãos de Granada falavam o mesmo idioma pátrio dos negros americanos. Estatizou pouco porque havia pouco a ser estatizado. Adotou no campo o modelo das cooperativas.
Os EUA foram para a oposição. Cortaram créditos internacionais —o Reino Unido fez o mesmo— e exigiam eleições que Bishop não queria convocar. Eis que em outubro de 1983 o vice-premiê dá um golpe em nome dos mais radicais e manda fuzilar Bishop e três de seus ministros. Foi a senha para que os americanos acabassem com a festa.
Powers e Williams não têm uma visão partidária da esquerda que nasceu e morreu em Granada. Segundo elas, é bobagem acreditar, a exemplo de Reagan, que o novo aeroporto se converteria em base aérea soviética. Bishop, diz Williams, incorporou um sentido de libertação do negro que corria pelos EUA.
E mais, diz Powers, Granada virou exemplo de subversão para os militantes antirracistas americanos. Seus líderes, como Angela Davis, desembarcavam em visita devota na capital granadina, Saint George.
Com a invasão, houve resistência que durou cinco dias. Foram mortos 18 fuzileiros americanos. Entre os locais, 24 morreram na batalha pelo controle da pista do aeroporto. E um número um pouco maior morreu com o bombardeio, por engano, de uma clínica psiquiátrica.
O curioso é que os americanos não chegaram pelo mar ou por aviões cargueiros. Chegaram de helicópteros, pois neles já cabia o contingente necessário. A jornalista do Post relata que o governo de esquerda estava longe de ser uma unanimidade. Tanto que uma parte da população comemorou a intervenção dos Estados Unidos.
Foi obviamente outra a reação da esquerda na América Latina e na Europa Ocidental. Por mais esquisita que fosse a ideia de a grande potência capitalista invadir a minúscula Granada, a ideia era atribuir aos americanos um projeto imperialista, pouco importava o tamanho geopolítico de sua vítima.
Eleições locais no ano seguinte foram vencidas por um liberal que se relacionava bem com o governo de Washington. O próprio Reagan seria reeleito em 1984, derrotando o democrata Walter Mondale. Granada foi tema ausente da campanha. Havia relativo consenso.
Nos anos seguintes a Guerra Fria se tornaria menos caricatural. Seria de impensável mau gosto que um governante desse ao filho, como o fez Maurice Bishop, o nome de Vladimir Lênin.
Segundo Powers, em 1983 havia o temor de que Reagan repetisse o fantasma do Vietnã, com operações infinitas que envolveriam países vizinhos. Não foi o que aconteceu. Os americanos entraram e saíram em em poucas semanas. A ilha abriga um país minúsculo. No plano internacional, seus problemas também foram miniaturizados.
Alguns se perguntam se valeu a pena atravessar esse curto e desgastante radicalismo, com sangue que correu dos lados de Bishop e de seu efêmero carrasco e sucessor, Bernard Coard. O fato é que a data da invasão americana é hoje em Granada feriado nacional, e o marxismo, não fosse por Cuba, já teria sumido dos governos do Caribe.