Vejamos um roteiro quase impossível de acontecer imediatamente. Israel destrói a capacidade militar do Hamas e entrega provisoriamente o controle de Gaza a uma entidade internacional. Com Binyamin Netanyahu fora do páreo, começam as negociações para a criação de um Estado da Palestina.
Não é isso que vai acontecer, segundo os cinco experientes participantes de um podcast recente produzido pela BBC. As tensões tendem a permanecer elevadas, e a solução dos dois Estados —sonho político e eleitoral do presidente americano Joe Biden— continuará como uma fórmula impossível de ressuscitar os Acordos de Oslo, que há 30 anos prometeram a paz ao Oriente Médio.
Será que o cessar-fogo de novembro, com a libertação de alguns reféns e de prisioneiros palestinos, poderia significar que existe em tese um espaço mínimo para um acordo? Não, responderam os participantes. Um deles, Dennis Ross, ex-assessor dos presidentes Clinton (1993-2001) e Obama (2009-2017), dos Estados Unidos, disse que foi possível apenas imaginar como seria Gaza sem os dirigentes do Hamas. O grupo sofreu baixas pesadas com os bombardeios israelenses.
Outra questão consiste em entender se os Acordos de Oslo, de 1993, poderiam se tornar um novo ponto de partida para as negociações. Tahani Mustafa, palestina e conselheira da ONG International Crisis Group, diz acreditar que a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e Yasser Arafat, seu líder na época, não assinariam hoje aquele documento. Isso porque Israel e os EUA Unidos davam poucas garantias ao possível Estado Palestino, que deveria, por exemplo, desmilitarizar-se para não ameaçar a segurança israelense.
Anshel Pfeffer, colaborador israelense da revista The Economist e do jornal Haaretz, diz que em Israel inexiste uma ideia positiva sobre Oslo. O atual premiê, Netanyahu, e seu partido, o Likud, consideram que foi graças a esse acordo que os palestinos cometeram a “tragédia” de se armarem contra Israel em Gaza e na Cisjordânia.
As posições menos conciliatórias do podcast vieram do deputado israelense Danny Danon, também do Likud, que já foi ministro da Defesa e embaixador de Israel na ONU. Ele afirma que os militares israelenses estão sendo “leves e cuidadosos”, contrariando o senso comum que enxerga violência e destruição na operação em Gaza, e diz que o Hamas foi alimentado por “décadas de ideologia criminosa dos palestinos”.
Danon faz uma analogia, propondo que os ouvintes imaginem como os ingleses reagiriam a uma invasão nazista durante a 2ª Guerra Mundial. Eles teriam sido bem mais duros do que Israel é com o Hamas, alega.
“Não haverá cessar-fogo que permita ao Hamas permanecer em Gaza”, diz o deputado. “Ou os líderes do grupo terrorista se rendem, ou serão todos enterrados em algum ponto de Gaza.”
É uma linguagem dura, que deixa pouco espaço para conciliação. Ela contrasta com o clima de 1993, quando, sob o olhar amistoso de Clinton, Arafat e o então premiê israelense Itzak Rabin apertaram as mãos em nome dos Acordos de Oslo.
Ainda no podcast da BBC, o assessor americano Denis Ross relata o ambiente construtivo que testemunhou naquela época. “Oslo foi uma declaração de princípios que demonstrava uma aspiração. Reunia duas entidades que por décadas atuaram pela destruição uma da outra. Não havia ainda pontos de negociação, mas uma predisposição para a paz.”
Vejam que falamos, aqui, de dois grupos palestinos. Em Oslo, Arafat e a OLP reconheceram a existência de Israel. Hamas se refere ao Estado judaico apenas como referência para destruí-lo.
Hiba Hussein foi assessora jurídica de Arafat e hoje acompanha possíveis brechas de negociação em nome da Autoridade Nacional Palestina, que controla a Cisjordânia.
Ela não é pessimista. Diz que hoje não há obviamente clima para entendimentos. No entanto, prossegue, a ideia de dois Estados pode ser relançada a partir do modelo inicial de uma confederação entre Israel e a Palestina, com fronteira bem definida e um estatuto especial para Jerusalém. “Quando a poeira baixar, essa ideia pode ser recolocada”, diz.
Ela também acredita que entre os palestinos haverá uma renovação de lideranças que assumirão o lugar dos atuais sucessores de Arafat. Só essa nova corrente é que teria legitimidade para invocar, bem mais para frente, os dois Estados como solução.
O mediador da BBC citou uma pesquisa do Instituto Gallup feita semanas antes do atual conflito segundo a qual apenas 24% dos palestinos defendem a solução dos dois Estados. Há dez anos, a porcentagem era de 60%.
Para Hiba Hussein a pesquisa é real e “reflete um clima de desencanto” que pode ser superado.
Tahani Mustafá diz que esses jovens se ressentem dos efeitos da ocupação israelense, mas têm um apego à tradição laica. Tratar-se de uma vantagem, uma vez que não demonstram por enquanto amor pelo fanatismo islâmico que mobiliza o Hamas.