Simplificando algo muitíssimo sério e grave: a Rússia poderá ainda neste ano colocar em órbita armas nucleares capazes de destruir satélites ocidentais que construíram uma vasta rede de telecomunicações.
O assunto foi tratado em recente podcast pelo americano Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês). Não existem ainda detalhes sobre as características técnicas da ogiva russa ou quais seriam os mísseis que a lançariam. Há mesmo a possibilidade de o Kremlin estar operando um blefe parecido com o que setores da inteligência do Pentágono atribuem às ameaças nucleares feitas por Moscou, quando invadiu a Ucrânia e passou a ameaçar os ocidentais solidários com o território invadido.
De qualquer modo, blefe ou não, o assunto é levado a sério pelos especialistas em defesa e proliferação nuclear. As primeiras informações, disse o CSIS, chegaram a Washington em meados de fevereiro. O Pentágono em seguida se disse preocupado porque o embaixador russo no Conselho de Segurança da ONU vetou uma resolução reiterando a proibição do lançamento de armas atômicas ao espaço. A questão é objeto de um tratado antigo, de 1967, que proibiu a colocação em órbita de armas de destruição em massa. Paradoxalmente, em 2007, foi a própria Rússia que voltou ao assunto e pediu que o tratado fosse atualizado.
No início de maio, o tema foi levantado em sessão do Congresso por John Plumb, secretário-assistente da Defesa americana para política espacial. Caso os Estados Unidos não convençam a Rússia a desistir da ideia, o lançamento da bomba teria em órbita “efeitos indiscriminados”. Ou seja, destruiria indistintamente satélites públicos e privados de comunicação que operam da localização de telefones celulares aos GPS que orientam a navegação de aviões e navios.
Uma das participantes do podcast é Kari Bingen, diretora do programa de segurança aeronáutica do CSIS. Ela diz que a questão é hoje mais sensível que no passado em razão da complexidade da rede de telecomunicações gerida pelos satélites. É algo inimaginável em outubro de 1957, quando a então União Soviética lançou o Sputnik, o primeiro satélite artificial. O atual progresso no setor nos tornou hoje muitíssimo mais vulneráveis a qualquer plano militar de destruição dos satélites em órbita.
Outra especialista foi Heather Williams, diretora do programa de questões nucleares do CSIS. Seu argumento: a Rússia poderia partir para essa loucura como desdobramento da Guerra da Ucrânia. Foi em razão dela que o Kremlin se declarou afetado pela aliança entre seu vizinho e inimigo e a Otan –bloco militar ocidental– e evocou a possibilidade de “se defender” por meio de ogivas nucleares.
Em termos objetivos, diz Williams, a Rússia hoje não tem mais o dinamismo dos tempos soviéticos, em que disputava a vanguarda em tecnologia. O país está hoje decadente em termos de engenharia nuclear e em produtos aeroespaciais. Com isso, as ameaças são um meio político de simular que não existe inferioridade em relação aos ocidentais. A hipótese de simulação significaria que os russos querem que os ocidentais acreditem que destruirão seus satélites com ogivas nucleares, mesmo que não tenham capacidade militar para levar adiante esse projeto.
Além de uma maior amplitude em termos de objetivos dos satélites em órbita, dizem as debatedoras, houve uma mudança importante na arquitetura desses artefatos. Eles chegaram a ter o tamanho de um ônibus e a custar bilhões para serem lançados. Mas hoje se beneficiam de uma miniaturização importante. Cumprem a mesma função sendo bem menores. Uma das consequências disso está na maior vulnerabilidade. Uma explosão em órbita atingiria uma quantidade maior de satélites, já que eles são menores. Razão a mais para temer a ameaça dos russos.
A quantidade de pressão que os EUA podem colocar para impedir que a Rússia leve adiante seu projeto é bastante relativa. Segundo o CSIS, a atual equipe da Casa Branca é bem capacitada para entender tecnicamente questões de armamento nuclear e de logística de astronáutica. O mesmo, no entanto, não se aplica ao Congresso, onde apenas poucos deputados e senadores entendem verdadeiramente do tema.
Em outras palavras, para pressionar a Rússia é preciso um esforço conjunto do presidente, do Senado e da Câmara. Mesmo assim há um senão. O consenso no meio diplomático americano é o de que Vladimir Putin se deixa pressionar apenas por setores internos da sociedade russa, tanto que ele impõe um controle pesado à mídia local. Mas não se dobra às pressões de países como a China ou a Índia, que poderiam atuar com Washington para levar Moscou a desistir da loucura de colocar a bomba em órbita.