Francisco é um papa de muitos primeiras vezes: o primeiro a usar esse nome, o primeiro da América Latina, o primeiro da ordem religiosa dos jesuítas. Desde a semana passada, ele também é o primeiro papa a se desculpar por usar linguagem chula.
O pontífice foi citado pela mídia italiana dizendo em uma reunião a portas fechadas com bispos italianos que os seminários já estão “cheios de viadagem”.
O Vaticano emitiu um pedido de desculpas, mas depois disso, outros relatos italianos atribuíram mais insultos homofóbicos ao papa, bem como linguagem machista associando mulheres à fofoca, em uma reunião separada com padres romanos.
Amigos do pontífice e observadores do Vaticano insistem que o que possivelmente foi o maior desastre de relações públicas de seu papado de 11 anos não deve obscurecer seu histórico como um papa reformador e amigável à comunidade LGBTQIA+.
No entanto, alguns dizem que a gafe do octogenário se encaixa em um padrão de equívocos papais que minam sua autoridade e levantam questões sobre suas convicções e o caminho de reforma que ele tem em mente para a igreja.
“Qualquer pessoa que esteve online viu o papa reduzido a um meme, uma ferramenta de mídia social para que qualquer um faça piadas, algumas muito engraçadas, outras de muito mau gosto”, diz Massimo Faggioli, professor de teologia e estudos religiosos na Universidade de Villanova.
“A palavra de um papa deveria ter peso, credibilidade. Concordando ou não com ele, normalmente você imaginaria que o que ele diz é pensado… Agora é um pouco mais difícil [pensar assim].”
Francisco tem a reputação de ter uma língua afiada, especialmente em particular, então, embora os relatos de insultos homofóbicos tenham chocado muitos, eles não pareceram estranhos para as pessoas que o conhecem.
“Obviamente não estou justificando o uso de um termo ofensivo por ele, mas é normal para ele falar muito, muito diretamente em particular”, disse o biógrafo papal Austen Ivereigh. “Ele não fala como um político.”
Um amigo pessoal do papa —um homem argentino gay que o conhece há mais de 30 anos e pediu para não ser identificado— disse que Francisco sabe que tem um problema com linguagem chula.
“Ele se chama de ‘bocon’, que se traduz [do espanhol] como alguém que não consegue manter a boca fechada”, disse o homem à Reuters. “Ele nunca foi diplomático. Na verdade, estou surpreso que algo assim não tenha acontecido antes.”
Quando Francisco foi à Irlanda nos anos 1980 para aprender inglês, o amigo lembrou, “seus professores ficaram horrorizados com a maneira como na sala de aula ele usava palavrões em inglês que tinha aprendido”.
A mesma fonte disse que Francisco havia percorrido “um longo caminho em termos de abertura em relação aos direitos LGBT+” para um homem de sua geração, observando que ele cresceu em uma família muito conservadora que considerava divorciados —quanto mais pessoas gays— párias sociais.
No início de seu papado, Francisco disse “Se uma pessoa é gay e busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?“. No ano passado, ele permitiu que padres abençoassem membros de casais do mesmo sexo, desencadeando uma considerável reação conservadora.
Ele também almoçou no Vaticano com mulheres trans e formou uma relação próxima com o padre James Martin, um proeminente jesuíta americano que ministra à comunidade LGBTQIA+.
“A ideia de que ele seria homofóbico não faz sentido para mim”, disse Martin em comentários por email. “Seu histórico com pessoas LGBT+ fala por si só. Nenhum papa foi um maior amigo da comunidade LGBTQ+.”
O amigo argentino de Francisco também elogiou o apoio do papa a uniões civis, embora Francisco continue se opondo a casamentos entre pessoas do mesmo sexo, e seus esforços discretos para ajudar vítimas de crimes homofóbicos na Argentina nos anos 1990, “quando ser gay era difícil”.
No entanto, a linguagem profana do papa tem incomodado muitos. “Mesmo que tenha sido pretendido como uma piada, revela a profundidade do preconceito homofóbico e da discriminação institucional que ainda existem em nossa igreja”, disse Marianne Duddy-Burke, chefe do grupo de direitos católicos LGBT+ DignityUSA, em um comunicado.
Para Andrea Rubera, porta-voz do grupo católico italiano LGBT+ Caminhos de Esperança, a primeira reação foi de incredulidade. “No início, realmente pensamos que não era verdade, que era um boato.”
Segundo relatos, a gafe de Francisco ocorreu enquanto ele discutia com bispos a questão de candidatos gays ao sacerdócio. A posição oficial da igreja é que eles devem ser proibidos de exercer o ministério se tiverem uma vida sexual ativa.
Tanto Faggioli quanto Ivereigh disseram que a questão é particularmente sensível para a Igreja Católica italiana, dada o que disseram ser uma ativa subcultura gay em alguns de seus seminários.
“Minha impressão foi que o papa estava respondendo a uma pergunta sobre certo comportamento em seminários italianos, em vez de fechar o sacerdócio para todos os homens gays”, disse o padre Martin.