Quando questionados sobre o que impulsiona a economia, muitos americanos têm uma única resposta simples que vem imediatamente à mente: “ganância”. Acreditam que os ricos e poderosos projetaram a economia para benefício próprio e deixaram muito pouco – ou nada – para os outros.
Sabemos que os americanos se sentem assim porque perguntamos a eles. Nos últimos dois anos, com o apoio de uma equipe, como parte de um projeto com a Academia Americana de Artes e Ciências, conduzimos mais de 30 pequenos grupos de discussão com americanos de quase todos os cantos do país. Embora os indicadores nacionais possam sugerir que a economia está forte, a maioria dos americanos que ouvimos não está prosperando e não vê a economia como algo que a nutre ou apoia. Em vez disso, tende a vê-la como um obstáculo, um conjunto de forças externas fora de controle que, no entanto, parece dominar sua vida.
Vejamos, por exemplo, a percepção predominante da ganância, sentimento que não é novo, mas que foi exacerbado recentemente pela inflação e pelo aumento dos custos de moradia. Os americanos experimentam esses fenômenos não como conceitos abstratos ou pontos de discussão política, mas sim nos preços mais altos dos imóveis e nas compras de supermercado.
A desigualdade de renda tem diminuído nos últimos anos, mas é complicado explicar isso a alguém que está lutando para pagar o aluguel. “Sinto que os menos favorecidos não conseguem progredir, e tudo se resume à ganância e ao lucro”, observou um participante do Kentucky. Não é necessariamente a distribuição real da riqueza que incomoda as pessoas, mas a sensação de que a economia está sendo manipulada contra elas.
Há uma nítida desconexão entre a história macroeconômica e a experiência microamericana. Embora um mercado de trabalho acirrado tenha produzido ganhos históricos para os trabalhadores de baixa renda, muitos destes com quem conversamos não conseguem juntar dinheiro suficiente para criar uma rede de segurança para si mesmos. “Gosto da sensação de não viver à beira do desastre. Estou no meu potencial econômico máximo no momento, mas uma única consulta médica mais cara pode me quebrar, e a maioria das pessoas que conheço está nessa mesma situação”, disse um professor de educação especial da zona rural do Tennessee.
Se há uma única explicação para a insatisfação com a economia, é a falta de segurança financeira. Embora a assistência direta do governo no início da pandemia certamente tenha ajudado muita gente em 2020 e 2021, milhões de famílias ainda enfrentaram dificuldades para obter alimentos e muitos milhões ficaram com o aluguel atrasado.
Esses sentimentos de instabilidade não se dissipam rapidamente, sobretudo quando o aumento dos preços transforma o ato de fazer compras em uma aventura de aritmética orçamentária e a ameaça de um acidente ou de uma conta médica inesperada espreita a cada esquina. “A incerteza realmente afeta o bem-estar, afeta as atividades e o comportamento”, admitiu um funcionário sindicalizado de um aeroporto na Virgínia, que à noite dá aulas particulares.
A falta de resiliência econômica impede que as pessoas passem tempo com a família, se envolvam na comunidade e encontrem maneiras de criar uma rede de segurança. “Do jeito que a economia está indo agora, não dá para saber como vai estar amanhã nem na próxima semana. O bem-estar tem a ver com estabilidade financeira. Não significa ser rico, mas ser capaz de suprir suas necessidades diárias sem se estressar”, comentou um funcionário de recursos humanos em Indiana.
O estresse é um elemento desenfreado da vida americana, em grande parte causado pela insegurança financeira. Enquanto alguns almejam uma mansão de luxo, muitos outros buscam apenas manter a cabeça fora d’água.
As métricas tradicionais revelam a extensão da insegurança. Em junho, um relatório setorial constatou que a inadimplência nos financiamentos de automóveis era maior do que no auge da Grande Recessão. O uso de cartões de crédito aumentou, e o índice de inadimplência está entre os mais altos da última década. Depois de atingir uma baixa histórica em 2021 graças à expansão do crédito tributário por filhos, a pobreza infantil mais do que dobrou em 2022 depois do término do benefício. Ainda em 2022, o índice de insegurança alimentar atingiu o maior nível desde 2015.
Essas tendências não afetam todos os americanos da mesma forma. A maioria afeta desproporcionalmente as famílias negras e hispânicas, o que talvez ajude a explicar os avanços dos republicanos nessas comunidades, segundo pesquisas recentes. A geografia também desempenha um papel importante. Em algumas partes do país, principalmente nas áreas rurais, muitas pessoas sentem que foram deixadas de fora do progresso e da promessa da economia de alta tecnologia. Mesmo que suas finanças estejam saudáveis, parecem temer pelo futuro de sua comunidade e culpam a economia.
O sistema político supostamente deveria melhorar esse quadro. Em vez disso, mesmo com os dois principais partidos disputando a posição de estandarte da classe trabalhadora, muitos americanos veem os políticos como incapazes de fazer algo para ajudá-los ou pouco dispostos a agir. “Na minha democracia, eu gostaria que nos livrássemos dos republicanos e dos democratas. Só se levante e me diga o que você pode fazer. Se for capaz de alguma atitude, não preciso me importar com seu partido”, disse-nos um participante do Kentucky.
Muitos americanos acreditam que Washington está mergulhada em disputas partidárias sobre assuntos que têm pouco efeito em sua vida. Muitos acreditam que os políticos estão cuidando de seu partido político, não do povo americano.
Portanto, não é surpresa nenhuma que muitos estejam tão pessimistas em relação a uma economia aparentemente forte. Um produto interno bruto em alta é capaz de levantar muitos barcos, mas muitos americanos se sentem como se estivessem se afogando.
O que poderia mudar essa percepção?
O que deixaria menos estressadas as pessoas com quem conversamos? A capacidade de poupar. Os trabalhadores com salário baixo viram seu rendimento aumentar, mas muitos desses ganhos foram absorvidos pela inflação. E os custos de moradia, saúde e cuidados infantis podem absorver rapidamente até mesmo um fundo de emergência bastante robusto. Sem uma garantia que possa trazer segurança, a ameaça desses custos vai continuar a provocar nos americanos a sensação de instabilidade e incerteza em relação à economia e sua consequente insatisfação.
Um ponto de partida interessante seria abordar as barreiras de benefícios – limites de elegibilidade de renda incorporados em determinados programas de benefícios. Conforme ganham mais dinheiro, as famílias podem subitamente se tornar inelegíveis para benefícios que lhes permitiriam acumular riqueza suficiente para não precisar mais do apoio do governo. No Kansas, por exemplo, uma família de quatro pessoas permanece elegível para o Medicaid desde que ganhe menos de US$ 39.900. Um único dólar de renda adicional resulta na perda da cobertura de assistência médica – e uma alternativa certamente não custará apenas um dólar.
Reformular esses tipos de limites para programas de assistência médica, creche, moradia e assistência alimentícia permitiria que milhões de famílias que recebem ajuda do Estado alcançassem certa estabilidade. Veja o exemplo de uma mãe em Chicago, que nos contou que sua renda está um pouco acima dos limites de elegibilidade: “Essa barreira me tira muitas oportunidades de me qualificar para muitos dos programas que poderiam beneficiar a mim e ao meu filho.”
Os americanos que ouvimos querem resiliência para que possam sentir que estão no controle de sua vida e que têm voz ativa na direção de sua comunidade e de sua nação. Querem um sistema que se concentre menos na situação da economia e mais na situação dos americanos. Como observou um morador de Houston: “Estamos tão embaixo na cadeia econômica que não temos nada. Parece que nossa voz não tem importância.” Mas, na verdade, tem. Só precisamos ouvir.
(Katherine J. Cramer é professora de ciência política da Universidade do Wisconsin-Madison. Jonathan D. Cohen é autor de “For a Dollar and a Dream: State Lotteries in Modern America”)
c. 2024 The New York Times Company
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