Quando o assunto é implementar os direitos humanos pelo mundo, entram em ação especialistas independentes das Nações Unidas monitorando situações nacionais e globais. São cerca de 50 peritos de várias especialidades que operam sem salário.
Pelo 75º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, a ONU News recebeu depoimentos de peritos lusófonos explicando qual foi o papel em países e como lidaram com petições ou expuseram casos ao Conselho de Direitos Humanos.
Complexidade
Numa atuação que também envolve fazer recomendações de complexidades variadas, o trabalho realizado em regime autônomo em nome da organização está sob responsabilidade do mecanismo de procedimentos especiais.
Em 2008, a portuguesa Catarina de Albuquerque foi nomeada a primeira relatora de água e saneamento. O Conselho de Direitos Humanos da ONU declarou esta área um direito humano no fim do mandato inicial dela, em 2011.
Após atuar no cargo até 2014, ela ressalta a dinâmica da Declaração de Direitos Humanos destacando a “flexibilidade” do tratado internacional. O mais recente direito humano reconhecido pelo Conselho foi ao ambiente saudável, em 2022.
“Nós olhamos para o direito à vida adequada, incluindo a água e saneamento que era uma coisa que não se falava há 75 anos. Portanto, obviamente eu dava a cara pelo direito, mas havia também tanta gente, e ainda há, que a nível local e a nível nacional luta por estes direitos todos os dias. Foi toda esta gente que os mudou. Estamos a ter agora uma declaração universal que foi atualizada. Olhamos para ela como contendo direitos que, na altura, não foram imaginados e não eram vistos como tal”.
Depois de Catarina de Albuquerque, o brasileiro Leo Heller assumiu a tarefa de relator da ONU para Água e Saneamento. Aliando ao setor as habilidades de um ambiente acadêmico, o especialista disse como foi visto o trabalho de relatores no mecanismo de procedimentos especiais.
Água e Saneamento
“São os olhos das Nações Unidas para enxergar os nossos desafios em relação aos direitos humanos de uma maneira geral, seja os direitos políticos e civis, sejam os direitos econômicos, sociais e culturais. Alguns chamaram a joia da coroa dos direitos humanos pela sua independência, pela sua autonomia, pela data que recebe dos procedimentos especiais eles devem ser muito valorizados e respeitados nas suas mensagens, nas suas denúncias, nos seus depoimentos e nas suas declarações.”
Entre 2015 e 2019, a brasileira acompanhou situações de abusos da independência do poder judiciário. Gabriela Knaul destaca que ao exercer o mandato de relator especial para a Independência de Juízes e Advogados levantou a bandeira do Estado de Direito como um pré-requisito para a proteção dos princípios fundamentais.
“Desafios ao sistema de justiça surgem quando o contraditório e devido processo, não são respeitados. As vítimas, revitimizadas das nos processos criminais e de violência doméstica quando seus atores são ameaçados, assassinados. Quando há impunidade. Destaquei a importância da capacitação continuada em direitos humanos, visando o fortalecimento da imparcialidade dos juízes, inclusive para reduzir preconceitos pessoais. Assinalei a relevância da assistência judiciária na proteção do acesso à justiça. Concluí o meu mandato preocupada com as represálias contra as pessoas que cooperam com os relatores especiais. Essas represálias precisam cessar.”
A especialista disse que os sistemas democráticos merecem especial atenção no que respeita à separação de poderes, à autonomia do sistema de justiça e à proteção dos direitos humanos.
“Equilíbrio delicado”
Tendo sido várias vezes relator, o agora presidente da Comissão de Inquérito sobre Síria, Paulo Sérgio Pinheiro, considerou a atuação deste tipo de perito como sendo marcada por um “equilíbrio delicado”.
Ele contou que por um lado, o especialista precisa documentar ou denunciar graves violações de direitos humanos, mas também precisa manter um diálogo, mesmo com governos autoritários, para ter acesso aos países.
Pinheiro já atuou como especialista independente da ONU sobre Violência Contra Crianças, como relator especial sobre a Situação de Direitos Humanos em Mianmar e posteriormente no Burundi, além de ter integrado diversos órgãos e comissões.
Para ele, o “equilíbrio completo” nestas funções é alcançado por meio de diálogos com vítimas e sobreviventes através da sociedade civil.
“Eu não creio que corresponda à realidade que as pessoas estão perdendo o interesse nos direitos humanos. Eu devo perguntar quem está perdendo o interesse em direitos humanos? Porque os sobreviventes, as vítimas, a sociedade civil continuam cada vez mais informadas e cada vez mais mobilizadas em termos de fazer valer a promoção e a proteção dos direitos humanos. Quem está funcionando mal, e eu digo isso especialmente nesse momento que nós estamos vendo crises mundiais, conflitos armados em várias frentes, a Síria certamente é um deles. Mas há uma aplicação de double standards, que é de exigências diferenciadas para situações parecidas.”
Segundo Pinheiro, “não dá para aplicar padrões, regras, normas de maneira diferenciada, e isso está levando ao descrédito das normas internacionais, o descrédito das Convenções de Genebra, o descrédito do Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional”.
Centenas de especialistas e líderes globais se reúnem nesta segunda-feira em Genebra para marcar o aniversário da Declaração dos Direitos Humanos. O tratado é visto como garante os direitos e liberdades e enfatiza a dignidade, o valor das pessoas e a igualdade de seus direitos.