Enquanto o grupo de aficionados por flores circulava por uma sala com pé-direito alto, admirando camélias recém-cortadas com nomes fantasiosos como “Pink Lassie” e “Paradise Petite”, pétalas flutuavam preguiçosamente até o piso de madeira, formando montes coloridos.
“Basta olhar para uma sasanqua que ela perde as pétalas”, disse Gianmario Motta, presidente da Sociedade Internacional da Camélia e um dos maiores especialistas do mundo em sasanqua, espécie de camélia nativa da Ásia que floresce durante o inverno.
De fato, a participação dessas flores como protagonistas da Exposição de Camélias de Inverno em Verbania, vila à beira do Lago Maggiore, no norte da Itália, não muito longe da fronteira com a Suíça, estava programada só para um fim de semana, um breve momento de realce antes de murcharem.
Mas se a exposição, localizada em uma vila do século XIX, teve necessariamente uma duração curta, os administradores da região têm planos mais ambiciosos em relação a uma planta que vem prosperando no lago desde que apareceu aqui pela primeira vez, há quase 200 anos. Nas últimas décadas, o cultivo de camélias e de outras plantas ornamentais como azaleias e rododendros se tornou um dos pilares da economia local, enquanto jardins exuberantes e parques nos arredores da cidade têm atraído legiões de amantes da natureza, sobretudo de plantas.
“A camélia é a excelência do Lago Maggiore e de Verbania. A história e a floricultura deste lugar representam um bem valioso a ser valorizado e ampliado”, declarou a prefeita da cidade, Silvia Marchionini, ao inaugurar a exposição no fim de novembro. As autoridades estão trabalhando para fortalecer a temporada turística da vila para além do início tradicional com as flores da primavera setentrional, em março.
Motta acrescentou que “2023 foi um grande ano para Verbania e a camélia”. A Sociedade Internacional da Camélia, que estimula o conhecimento, o cultivo e o desenvolvimento da flor, promoveu seu congresso mundial bienal na primavera setentrional passada. Os amantes desse gênero alternaram visitas aos jardins locais com a apresentação de trabalhos sobre a doença das pétalas e outras catástrofes relacionadas às plantas.
Verbania também inaugurou um parque público de camélias com centenas de variedades no jardim de uma vila ao lado do auditório da cidade. Uma sala dedicada a livros sobre essas flores deve ser aberta na própria vila, que também é a biblioteca da cidade. Já o parque foi dedicado a Pietro Hillebrand, especialista local conhecido como “o cavalheiro das camélias”, que faleceu em 2019.
“A gente faz isso por paixão”, afirmou Valeria Sibilia, que desde 2000 preside o Verbania Garden Club, que ajudou a estabelecer o parque. Em uma tarde de novembro, ela repreendeu gentilmente um grupo de jogadores de críquete paquistaneses que tinham se instalado entre algumas das plantas ainda em desenvolvimento da vila, e eles se afastaram alegremente. “É importante respeitar as plantas”, disse ela.
O caso de amor do Lago Maggiore com essa planta resistente decolou não muito tempo depois que as camélias chegaram à Itália. A lenda diz que elas foram apresentadas aos governantes Bourbon de Nápoles por volta de 1780 pelo comandante naval britânico Horatio Nelson (a bem da verdade, as datas estão um pouco erradas historicamente).
A procedência das camélias (sobretudo do Japão) “deu a elas certa aura de exotismo”, comentou Daniele Bosi, diretor da Sociedade Internacional da Camélia italiana, e rapidamente se tornaram as favoritas da aristocracia, que as colecionava e também dava de presente, já que se propagavam facilmente.
Em meados do século XIX, a “mania das camélias” tinha chegado à burguesia. Sua popularidade coincidiu com o Risorgimento, como é conhecida a unificação da Itália. Viveiros e criadores dedicaram novas camélias aos líderes do movimento, como Giuseppe Garibaldi (duas variedades são dedicadas a ele) e o rei Vítor Emanuel II e seus descendentes.
Além disso, as cores dominantes das flores – branco e vermelho –, combinadas com o verde das folhas, lembram a bandeira italiana. “Achamos que essa é uma das razões pelas quais a camélia se tornou tão popular durante a unificação”, explicou Andrea Corneo, presidente da Sociedade Italiana da Camélia, no congresso do ano passado.
No Lago Maggiore, as camélias prosperaram em um microclima ameno e em um solo com acidez propícia ao crescimento. Habitantes ricos de Milão e Turim encheram o jardim de sua casa de veraneio com variedades ornamentais, competindo para criar as coleções mais fartas.
Mas nem sempre essa história foi um mar de rosas. Houve uma queda na popularidade da planta no início do século XX, antes que os entusiastas italianos reavivassem o interesse na década de 1960. E, no Lago Maggiore, as camélias agora florescem não só em jardins privados, mas também em pátios de condomínios, rotatórias e muitas outras áreas públicas.
Corneo contou que um visitante recente da Inglaterra ficou surpreso ao descobrir que as camélias são uma parte tão importante da vegetação urbana: “No país dela, as flores são relegadas a jardins botânicos e vistas como raridade.” Ele e sua família são proprietários da Villa Anelli, um dos jardins de camélias mais históricos da Itália, com dezenas de espécies, incluindo 50 camélias de inverno. O fundador da coleção da vila, Antonio Sevesi, coescreveu o Registro Internacional de Camélias, compilação de variedades que ainda é usada até hoje. Corneo forneceu várias das espécies plantadas no novo parque de camélias em Verbania.
Na primavera setentrional passada, entusiastas de camélias do mundo inteiro percorreram a Villa Anelli, bem como outros jardins históricos, para admirar espécimes raros. Na viveiro Savioli, no topo de uma colina com vista para Verbania, o grupo se perdeu entre cerca de 700 variedades de camélias, tanto antigas quanto modernas. “Sabe-se lá com o que essa abelha cruzou. É uma polinização um pouco anárquica”, disse Lara Savioli, filha de um dos proprietários do viveiro, apontando para uma camélia multicolorida na qual várias tonalidades disputavam a atenção.
Os visitantes estrangeiros ficaram impressionados. “É incrível. Elas não florescem assim nos EUA, com tanta abundância. Nosso clima é muito diferente”, observou Mark Crawford, patologista de plantas de Valdosta, na Geórgia, que está trabalhando com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos em um projeto para importar camélias azáleas da China, no qual essas plantas ficam em quarentena por dois anos em Beltsville, Maryland, porque podem ser hospedeiras de uma praga cítrica. “Portanto, elas estão na cadeia. Existem regras muito rigorosas”, contou ele, rindo.
Outro participante do congresso, Forrest S. Latta, advogado de Mobile, no Alabama, disse que, embora cultive camélias em casa, as de Verbania são maiores, o que ele atribuiu à maior altitude, mais luz solar e uma drenagem que imita as encostas de montanhas da China e do Japão, de onde muitas variedades se originam. “As camélias estão no paraíso, por isso também estamos. Se alguém estivesse procurando por uma Uffizi para camélias, viria a um lugar como esse”, comentou, referindo-se à famosa galeria em Florença.
“O turismo atento à botânica sempre existiu e sempre esteve presente em Verbania, que durante muito tempo viveu dos viveiros de plantas e de sua exportação”, afirmou Roberto Ferrari, diretor da Villa Taranto, jardim botânico em Verbania que é considerado um dos melhores da Itália e uma das principais atrações turísticas da cidade, ao lado das Ilhas Borromeu, nomeadas em homenagem à família que ainda é proprietária de duas delas, ambas com um jardim botânico exuberante.
Marchionini, o prefeito, informou que, com mais de um milhão de visitantes por ano, a província é a segunda atração mais visitada do Piemonte, atrás apenas de Turim. “Nas últimas décadas, temos investido muito no turismo em razão da excelência de nossa paisagem, da natureza, das praias, das ciclovias e dos hotéis históricos. Não se trata só da nossa identidade, é um cenário econômico. Somos um pequeno paraíso.”
c. 2024 The New York Times Company
Pare o que estiver fazendo e veja essas abelhas cansadas dormindo dentro de flores