“Algumas vezes, resistir é uma jovem tocar alaúde para distrair crianças palestinas do som das bombas. Resistir é transformar as associações de mulheres em Gaza em centros para atender feridos, que são muitos e graves. Resistir é uma médica continuar a atender enquanto o hospital é bombardeado”, me disse Soraya Misleh, jornalista palestino-brasileira, mestra e doutora em estudos árabes pela USP, coordenadora da Frente em Defesa do Povo Palestino SP.
Soraya esteve três vezes na Palestina, na Cisjordânia. Somente em uma delas, em 2010, conheceu o lugar onde o pai nasceu, de onde foi expulso com a família aos 13 anos de idade. “A aldeia do meu pai foi uma das cerca de 500 destruídas em 1948. Quando fui pra lá, ele me pediu duas coisas: terra e azeite”.
Em 2011 e 2015, Soraya tentou voltar ao local de nascimento do pai. “Israel proibiu a minha entrada dizendo que eu era ameaça à segurança pelo fato de eu ser de origem palestina, ser jornalista e expor os crimes da colonização, denunciar.”
Apesar da intensa cobertura da imprensa na região, Soraya afirma que a perspectiva das mulheres palestinas não aparece. O objetivo de palestinas organizadas no Brasil, segundo ela, é pressionar Israel aos moldes do que foi a campanha de boicote à África do Sul nos anos 1990. “Todos os Estados têm responsabilidade com a convenção para a prevenção e repressão ao genocídio. O Brasil é signatário desde 1952. Então, precisa romper relações com Israel.”
Tenho tido a oportunidade de ouvir mulheres e homens palestinos, israelenses e brasileiros, com pontos de vista e proposições políticas diversas. A defesa da coexistência pacífica de dois Estados, com respeito às convenções e acordos internacionais, é uma proposta comum a diferentes grupos. Assim como há os que defendem um único Estado —Palestina ou Israel— na região. Complexidade que precisamos buscar compreender sem abrir mão da defesa de que todas as pessoas, de qualquer nacionalidade e religião, possam viver com proteção e liberdade.
“Meu pai, em 1948, foi um dos 800 mil palestinos expulsos das suas terras violentamente, quando Israel se criou sobre os corpos palestinos e os escombros das aldeias em 78% do território histórico da Palestina”, contou Soraya.
“Desde então, todas as famílias ficaram inteiramente fragmentadas, a sociedade inteiramente fragmentada e isso continua em um regime institucionalizado de apartheid, com metade da população palestina, de 13 milhões de pessoas, fora das suas terras na diáspora ou no refúgio e metade sob apartheid, limpeza étnica, genocídio, colonização, ocupação também dividida dentro da sua própria terra.”
Violência anterior ao 7 de outubro de 2023, que tem pouca visibilidade no debate público e é fundamental para compreender o contexto mais amplo do próprio 7 de outubro. No último ano, 11 mil mães palestinas perderam suas crianças em Gaza. Há solidariedade a cada uma delas e luta organizada pelo cessar-fogo e pela paz, com diferentes táticas, entre palestinas e também israelenses, entre islâmicas, cristãs, judias, candomblecistas, budistas. É preciso ouvir as mulheres.
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