Enquanto em São Paulo se debate o zoneamento da metrópole, que há anos sofre de graves problemas urbanos, no Oriente Médio a conversa é outra. Países como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Egito planejam agora as cidades do futuro —que serão, dizem, modernas, sustentáveis e exuberantes, com jardins suspensos e até carros voadores.
Desde que foram anunciados nos últimos anos, esses projetos receberam bastantes elogios. Críticas, também. Podem solucionar desafios de urbanização, como a superpopulação, e ajudar governantes a se promoverem no tabuleiro internacional. Podem, também, ser arroubos inviáveis de regimes autoritários que hoje vigiam, controlam e reprimem os seus cidadãos.
O caso mais icônico é o da zona econômica Neom, que a Arábia Saudita planeja para o noroeste do país, perto do Egito. A ideia é ocupar uma área de 26,5 mil km2, semelhante à do Estado brasileiro de Alagoas, com um investimento de US$ 500 bilhões (R$ 2,4 trilhões, na cotação atual).
O nome Neom é uma mistura do grego “neo”, que significa novo, e do árabe “mustaqbal”, “futuro”. A palavra parece adequada. O local deve abrigar, entre outros projetos suntuosos, o The Line (a linha, em inglês). Se der certo, será uma construção linear de 170 quilômetros de comprimento e 200 metros de largura, abrigando nove milhões de pessoas.
A julgar pelas imagens divulgadas pela monarquia saudita, o exterior de toda essa linha vai ser espelhada. Sem carros, o transporte vai ser por trem. E toda a energia vai ser limpa: solar e eólica.
“Neom é um símbolo do futuro, com um design atemporal, comparável apenas ao de Brasília”, diz Mohammad al-Saidi, um professor da Universidade do Qatar que pesquisa os projetos futurísticos dessa região.
Há diversas explicações para a construção. Uma delas é a vontade de desafogar as cidades sauditas e espalhar melhor o desenvolvimento. Uma outra é projetar uma ideia de modernidade, afirma. Essa noção é refletida não só nas imagens de construções futuristas mas também nas promessas de qualidade de vida. “Para as pessoas da região, o futuro não são apenas robôs, mas também energias limpas, segurança e entretenimento”, diz.
Países como a Arábia Saudita estão também interessados em diversificar sua economia, tendo em vista que as reservas de petróleo vão um dia secar —e o mundo discute um porvir sem esse combustível pela questão ambiental. Isso significa criar novos setores e estimular o turismo, atraindo a elite mundial com esses cantos de sereia modernosos.
Há, ainda, a questão geopolítica. Em artigo publicado pelo centro de estudos Carnegie, o pesquisador Ali Dogan usou o termo “diplomacia Neom” para se referir às táticas do príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, conhecido como MbS. Megaprojetos como o The Line servem para incrementar a economia e melhorar a imagem do país.
E melhorar é preciso. A Arábia Saudita, afinal, tem um dos regimes mais conservadores e repressivos do mundo, onde mulheres ainda negociam sua existência na sociedade. O príncipe herdeiro é acusado, entre outras coisas, de mandar matar o jornalista Jamal Khashoggi em 2018. Segundo investigações internacionais, Khashoggi foi morto e desmembrado dentro do consulado saudita em Istambul. As autoridades do país negam.
Outros regimes autoritários na região, como o dos Emirados Árabes, têm projetos parecidos. Um dos mais recentes é o aeroporto vertical para táxis aéreos em Dubai, anunciado neste ano como um transporte limpo.
Um outro caso importante no Oriente Médio é o do Egito, que está construindo uma nova capital a 45 quilômetros do Cairo. O projeto não é estonteante como o da cidade linear, mas inclui também promessas de futuro, com o plano de ter o maior arranha-céus do continente africano.
Nesse caso, o principal motivador do governo parece ser a superpopulação do Cairo, que tem quase 10 milhões de habitantes. É difícil tirar o carro da garagem e não cair em um engarrafamento. A ideia é abrigar mais de 6 milhões de pessoas na nova cidade, ainda sem nome.
O quanto esses megaprojetos vão funcionar ainda é incerto. As construções têm se alongado por anos. No caso do The Line, as poucas imagens divulgadas pelo regime saudita no geral mostram escavadeiras tresloucadas revirando montes de areia em um deserto por ora inóspito. Com base nos projetos, alguns arquitetos até duvidam de sua viabilidade.
Há, afinal, o precedente da cidade de Masdar, que o emirado de Abu Dhabi anunciou em 2006, prometendo ser a cidade mais sustentável do mundo. A data de lançamento, que era 2016, tem sido adiada.
Por ora, Masdar aparentemente será bastante menor e menos futurista do que o esperado. Em parte porque desde então os preços do petróleo prejudicaram a economia do país.
“Masdar não atingiu seu potencial”, diz o professor Saidi. “Mas isso é normal. É o caso de Brasília também”, afirma, referindo-se ao desenvolvimento da capital brasileira, que divergiu do plano piloto.